Festival Músicas do Mundo 2013 | Dias 18, 19 e 20 de Julho

Festival Músicas do Mundo 2013 | Dias 24 e 25 de Julho

O Castelo não encheu mas também nunca ficou vazio

Quarta-Feira, 24 de Julho

A Quarta-Feira no FMM é sempre um dia estranho, talvez por calhar mesmo a meio da semana. O Castelo nunca enche mas também não fica vazio. Não há as confusões de Sexta e Sábado, em que nos temos de desviar de tudo e todos, e assim podemos apreciar os concertos com um outro à vontade.

Tcheka, é um cabo-verdiano de gema, nascido na ilha de Santiago. O crioulo é a sua língua preferencial para se exprimir e a guitarra a sua companheira inseparável. Canta-nos Cabo Verde tal como é, com as alegrias e as tristezas, as suas gentes e locais e sempre com um tom de voz rouco e suave. As suas composições apresentam um rendilhado que facilmente se torna açúcar para os nossos ouvidos mas desenganem-se se pensem que estamos perante as sonoridades típicas do arquipélago, não. Tcheka é um compositor com visão, com capacidade de pegar numa herança musical riquíssima e dar-lhe uma roupagem de jazz que incute um toque de modernidade, sem que se tenha menos respeito pelo legado musical cabo-verdiano. Um bom início de noite.

Hassan El Gadiri & Trance Mission, é daqueles casos complicados. Isso ficou claro nas reacções que se podiam escutar pelo Castelo durante a actuação do projecto que combina elementos marroquinos, belgas e portugueses. As opiniões foram bem diversas e algumas ficarm em extremos bem opostos. Na nota de imprensa podia ler-se a seguinte frase “A missão de Trance Mission é fundir o gnawa, música de transe marroquina, o jazz e o afrobeat numa experiência rítmica libertadora.”. Quanto ao “libertadora”, não me irei pronunciar, já quanto à fusão do gnawa, do jazz e do afrobeat foi algo que não aconteceu. Os géneros estavam lá, é certo – os melhores momentos do concerto foram inclusivamente aqueles em que o gnawa dominou – mas andaram sempre desencontrados. Não resultou.

Nathalie Natiembe, já havia deixado a sua marca no festival há 2 anos atrás e voltou a fazê-lo nesta edição. É verdade que quem vem ao FMM não está à espera de ver um concerto de rock com algum soul e reggae à mistura mas foi isso mesmo que Nathalie, natural da Ilha da Reunião, trouxe ao palco do castelo. Aí estava apenas o essencial: uma bateria, um teclado, um baixo e a voz e figura imponentes de Natiembe. Inicialmente gerou-se alguma desconfiança entre o público mas depois entrou em cena aquele espírito tão peculiar do FMM, que nos predispõe a descobrir e apreciar novos sons e culturas, sempre receptivos e de braços abertos.

Quinta-Feira, 25 de Julho

A noite de concertos no castelo começou com Carlos Bica “Azul”, com Frank Möbus e Jim Black, um trio de luxo que em palco nos ofereceu um concerto sublime. Escutou-se jazz livre de qualquer amarra e sem vergonha de chamar a si outros géneros. Escutaram-se pinceladas de rock e de pop mas também houve espaço para momentos de música erudita. O trabalho de cada um dos três executantes, Bica no contrabaixo, Möbus na guitarra e Black na bateria foi tremendo; cada um deles sempre com a perfeita noção do seu espaço, e com uma capacidade ímpar de demarcar e fazer ouvir o seu instrumento a cada momento. Foi a forma perfeita de começar a noite.

Rokia Traoré já é da casa, como a própria faz questão de recordar. É a terceira vez que aquele palco a recebe, e por cada regresso da maliana a Sines é bem notório um crescimento musical e pessoal. Musical pela forma como as suas canções são apresentadas em palco, mais trabalhadas e cuidadas e também pela sua voz, cada vez melhor e mais madura, algo que apenas a idade e a experiência podem dar. Pessoal pela forma como se dirige a nós, sempre a emanar muita serenidade mas com um olhar penetrante, seguro e pleno de confiança em si e na sua música. Se uns dias depois, Femi Kuti demonstrou porque é o Rei da música africana na actualidade, Rokia Traoré mostrou porque se está a tornar uma forte candidata a rainha. De início, Rokia surge descalça, de guitarra em punho – contra todo e qualquer preconceito – e com um vestido curto mas com cores que evocam bem a sua origem africana. Por cima do vestido há um casaco e um lenço; é que a noite está fresca e ainda há que aquecer o ambiente. Começamos por escutar uns blues africanos calmos mas não menos belos. A voz de Rokia é a voz de África, com um timbre e forma de cantar únicos e a combinação do ngogi com a guitarra resulta em pleno nas canções de Rokia Traoré, algumas delas cantadas em inglês e em francês, para além do tradicional bambara, falado no Mali. À medida que o concerto evolui, também o ritmo aumenta e os corpos se movimentam cada vez mais. Depois o lenço de Rokia sai do seu pescoço e o sorriso na sua face torna-se ainda mais evidente. Finalmente despe o casaco e nesse momento ninguém mais a segura. O concerto teve duas partes bem distintas, uma primeira de maior contenção e outra de pura celebração e festa. A alegria com que Rokia Traoré dança em palco é pura e simplesmente contagiante e nós, uma vez mais, agradecemos e sentimo-nos humildes e pequeninos. Foi o concerto da noite.

Os paquistaneses Asif Ali Khan & Party deviam ter-se estreado no palco do Castelo em 2008, porém um problema com os vistos para a entrada na Europa não os permitiu marcar presença. A edição comemorativa dos 15 anos de FMM marcou, finalmente, a sua estreia e não desiludiram. Em palco tem-se apenas um estrado com um tapete por cima e pouco mais. Depois entram os nove elementos que tratam de cumprimentar o público e depois se sentam de pernas cruzadas sobre o tapete. Na fila de trás há cinco elementos. Apenas um tem um instrumento, uma tabla, que é um instrumento de percussão. Os restantes batem palmas e fazem os coros. Na fila da frente estão as vozes principais (e que vozes!) e dois harmónios. O resultado é uma impressionante combinação vocal e rítmica, com um alcance que deixaria qualquer um em sentido e com a capacidade de nos mergulhar num transe. Um concerto que foi surpreendente pela forma como 9 pessoas, com poucos instrumentos e apenas com as mãos e as suas vozes, conseguiram encher o Castelo de Sines. Sim, isso mesmo, foi mais um momento FMM.



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