Galo Cant’às Duas | Entrevista
Foi numa manhã de Primavera que os Galo Cant’às Duas se encontrou com a RDB para uma entrevista na azáfama quotidiana no Chiado. Numa conversa tão descontraída como a sua postura em cima de palco, Gonçalo Alegre, baixo e guitarra, e Hugo Cardoso – percussão, contam-nos as origens do seu projecto, finalista do Festival Termómetro 2016, e partilham histórias que foram ocorrendo ao longo do primeiro ano de existência, aprendizagens, peripécias que só acontecem a quem anda na estrada de concerto em concerto.
RDB – Como é que isto começou?
Gonçalo: conhecemo-nos há sensivelmente 4 anos… conhecemo-nos através de amigos comuns que estudavam jazz na Albergaria, na escola da branca (perto de Aveiro).
RDB – Onde estudaram música?
Hugo: Eu comecei no conservatório, depois fui para escolas profissionais, para três, andei à procura. (risos). Comecei a estudar música clássica na Covilhã, na EPABI [Escola Profissional de Artes da Covilhã], depois fui para Seia, música clássica também e depois voltei para junto de Aveiro, virei-me para a linguagem jazz, e aí foquei-me mais na bateria.
Gonçalo: e conhecemo-nos lá, combinei lá uma jam com uns amigos em comum que nós tínhamos, e pronto, foi a partir daí que nos conhecemos. Eu estava a começar um projeto com outros dois amigos, Moita Bunker e Bounty Heights, e na altura ainda estava tudo a ser estruturado, não havia ainda baterista. E eu pensei «Pá, se calhar aquele gajo com que eu toquei em Albergaria era uma cena fixe, pá! Ele é daqui perto, o gajo toca bem, bora aí ligar ao Hugo» (risos) e liguei ao Hugo. No dia a seguir, o Hugo apareceu e começámos a trabalhar nesse projeto. Só passados 2, 3 anos é que aparece o Galo. Entretanto tivemos outros projetos, tocámos com outros músicos, fizemos outras coisas. E foi na aldeia da Moita que começámos com o Galo, no encontro de artes MoitaMostra, e pronto, basicamente aconteceu, porque houve uma falha de programação e nós fazíamos parte da produção desse pequeno encontro de artistas. Falhou um músico e nós assumimos a cena: «ya, bora aí fazer um concerto!». Foi um concerto que foi uma jam.
Hugo: Nós gostámos, tivemos bom feedback da malta, e passado tipo um mês já estávamos na sala de ensaios do Gonçalo a compor. Nós queríamos ter a nossa liberdade, aquela parte da improvisação, e a dada altura foi-se impondo uma estrutura. E o nosso objetivo passou a ser encontrar esse equilíbrio entre uma estrutura e uma improvisação.
RDB – Como se assumem como banda? Pós-rock, space-rock…?
Hugo: Esses rótulos não foram dados por nós. Isso já foram outras pessoas que nos ouviram e interpretaram assim. A verdade, e é o que gostamos de dizer à malta, é que não há um rótulo que possas pôr no Galo Cant’às Duas, porque acabamos por colocar variadas texturas, variados estilos, vamos a grooves africanos, como ao drum ‘n’ bass, como a free jazz. Podes talvez chamar aquilo de fusão talvez.
Gonçalo: Houve uma muito curiosa… há uns meses largos, fomos tocar a Coimbra, foi improv-jazz-fusão…
Hugo: Ya, porque a produtora do concerto perguntou-nos: «pá, qual é o vosso estilo, para meter aqui no cartaz, e não sei quê, só para a malta saber mais ou menos o que espera…», e nós: «epá olha, não sei o que te diga, meu… ouve a música e decide tu!» e acontece todo um bailado de adjetivos… então ficou improv-jazz-fusão.
RDB – É curioso que uma banda com um estilo de fusões e marioritariamente instrumental escolha nomes de músicas e da banda em português
Hugo: O nome Galo Cant’ás Duas vem desse primeiro concerto que fizemos no Moitamostra, no encontro de artes, em que precisávamos de um nome para meter no cartaz da noite. E nós dormíamos num parque de campismo, onde existem uns dois ou três galinheiros. E os galos que estavam lá, cantavam p’ra caraças! Estavam sempre! Quatro da manhã, duas da tarde, seis da manhã…
Gonçalo: E isso era uma coisa que a gente falava: «Os galos não se calam pá!». Íamos dormir e os gajos estavam sempre a cantar! E no dia seguinte, num encontro de oito dias, acabava por se falar disso. No dia em que fomos tocar, olha…
Hugo: E como aquilo era uma aldeia, um meio rural, achámos por bem fazer esse tributo. Foi o Gonçalo que teve essa ideia, que para mim foi genial
RDB – Qual o conceito por trás do videoclip? O que é a peça que as crianças reconstroem?
Gonçalo: A peça não é mostrada na totalidade, propositadamente. É uma escultura, a original existe numa escala diferente, é bem maior. A Cristina Vouga, a escultora da peça original, fez uma reprodução numa escala mais pequena. O que fizemos foi dividir, partir a escultura…
Hugo: E decidimos usar essa escultura, porque estávamos em casa dela e o Gonçalo olhou e disse: “Pá! Aquilo é bué parecido com um galo!”. Mas um galo super deformado! E a nossa ideia para o clip foi partir essa réplica e juntar as cinco peças, é como juntares as bolas de cristal. São as crianças que vão à procura desses talismãs. As crianças, por serem seres puros, que não têm tanta carga às costas, como nós temos, porque os anos vão passando. São seres mais livres. E quando juntam as peças, levantam voo, por causa do nome da música “Marcha dos que voam”. E nós ali fazemos o papel de gurus: ensinar algumas possibilidades, alguns caminhos, mas depois cabe a elas decidir qual o melhor. E essa é a mensagem geral.
Gonçalo: Uma curiosidade do clip é que foram as crianças que decidiram juntar as peças da escultura. Isso não estava previsto no guião. Nós estávamos a filmar outras coisas e elas começaram a brincar com as peças. Quando demos conta, estavam a tentar fazer o puzzle. E a Joana Linhares decidiu aproveitar esse momento. A Joana produziu e ajudou-nos a estruturar a narrativa.
Hugo: Fez alto trabalho no sentido em que não disse às crianças «olha, vocês vão fazer isto, aquilo e o outro…», não. Ela deixou a malta andar e andava sempre atrás deles com a câmara, daí ficar tudo mais natural. A Joana estava a filmar, os putos estavam a distrair-se, a brincar, e quando ela viu aquilo foi lá filmar.
RDB – Hugo, tens uma tatuagem que é uma representação da sequência Fibonacci. Vocês conseguem incluir isso nas vossas músicas?
Hugo: Conscientemente, não. Eu fiquei “coladão” nesta fórmula, devido a uma série que vi há uns tempos, chamava-se Touch. E o sentido que eu encontro nisto, não é um sentido matemático, é um sentido mais humano: a evolução. O processo de vida. Estamos sempre a crescer, a crescer. Na nossa música isso também se nota, temos toda essa viagem, começamos com pouca coisa e vamos desenvolvendo…
RDB – Sei que tocas percussão e bateria. Já te vi a tocar contrabaixo e baixo, guitarra… Tocas mais algum instromento?
Gonçalo: Cresci num ambiente familiar em que havia bastantes instrumentos. Havia várias coisas: cavaquinhos, guitarras portuguesas e braguesas… O mundo das cordas sempre foi algo que me fascinou. Comecei a tocar guitarra, talvez tenha sido o meu primeiro instrumento, mas também toquei bateria, por exemplo. Tive uma banda de rock em que tocava bateria, para aí com 18, 17… Já tinha tocado bateria quando era miúdo. Havia várias bandas de garagem que ensaiavam ao lado da minha casa. Eram meus vizinhos. Eu ia para lá tocar “batéra” aos Domingos, que era o dia que eu tinha livre. E eles deixavam-me ir para lá e eu ia desbundar…
RDB – Tocam outros instrumentos, ou ficam-se pelos vossos instrumentos principais?
Gonçalo: No disco, a melodia que está no Partícula, foi o Hugo que fez. Acontece muito isto no Galo. O Hugo pode não as tocar, mas canta uma frase, ou motivos não só melódicos, mas também rítmicos. O Hugo estudou percussão e teve uma formação de jazz muito densa, no ensino profissional as coisas são levadas de forma intensa. Acaba por se assimilar conceitos de harmonia, de melodia…. Estudas um instrumento, mas acima disso estudas música.
Hugo: Quando tu apostas, neste caso na música, como levas com muita teoria chegas a um ponto em que, mesmo sem a técnica correcta, consegues tocar num piano. Acontece ainda mais com o Gonçalo, com a versatilidade que tem das cordas, se safa melhor no piano, por exemplo.
Gonçalo: A minha formação é de contrabaixista e de baixista, para aí desde os 16. Foi aquilo que assumi: “é esta a minha cena”. Mas nunca deixei de tocar outros instrumentos, nunca deixei de estar por dentro e de ter ideias para outros instrumentos: para uma bateria, para uma melodia de guitarra, para uma harmonia, para uma melodia de voz ou uma cena escrita… Isso faz parte. Se cresceres nessa dimensão e conseguires levar as coisas minimamente numa boa, dá para ir mantendo. Mas pode ser confuso de gerir.
RDB – Têm poucos vocais nas vossas faixas. É questão de opção?
Hugo: Chegámos a uma conclusão engraçada há pouco tempo, nós começámos como uma cena puramente free, sem estrutura. Isso a certo ponto, nota-se na estrutura do nosso disco. Começámos com um tema que é o nosso single, apesar de ter mais de sete minutos, porque é o que mais nos define. Temos mais improvisação, temos uma estrutura, mas temos muita liberdade no meio. Ao longo do disco, as coisas vão ficando mais estruturadas. Nós acabamos o nosso disco com o Partícula, o tema cantado. Isso é a prova que estamos a querer explorar cenas mais simples. Algo mais fácil receptível para o público. Sentimos essa necessidade.
Gonçalo: A dada altura também dissemos assim: «pá, ‘bora aí cantar alguma coisa, ‘bora dizer alguma coisa, nem que seja uma palavra.»
Hugo: Queremos sair da nossa zona de conforto. O nosso conforto é o que está antes do disco. O último tempo é mais a minha zona de desconforto. Para já, não sou cantor. Nunca compus canções. Foi um processo, e nós dissemos: «pá, era fixe sairmos agora completamente, já temos esta viagem toda super-densa, vamos agora dar aqui uma cena nada a ver e cantar». O que quer dizer também, ou não, que o segundo disco é uma coisa mais simples… Ou então não! Ou então não!
RDB – Mas já têm um novo projeto, andam em gravações?
Hugo: Já temos cenas novas. Mesmo para nos dar motivação, para não estarmos a tocar sempre o mesmo, embora o que tocamos possa ser tocado de várias formas. É fixe irmos para outros lados.
Gonçalo: Nós somos felizes com o que trabalhamos e trabalhamos muito, tentamos ter um ritmo de trabalho que nos satisfaça. Depois de termos gravado o disco, tivemos uma ou duas semanas a arejar um pouco. Depois de dia 5 de agosto, ficámos o resto do mês a arejar. Depois começámos a procurar uma editora e a procurar pessoas com quem nós queríamos trabalhar.
Hugo: Foi todo um processo de escritório!
Gonçalo: E eu já andava a dizer ao Hugo: «‘Bora fazer músicas novas! Bora fazer coisas novas!», e chegou um momento em que isso começou a acontecer, em finais de 2016.
RDB – No final do ano passado também teve lugar a final do Festival Termómetro, em que participaram. Como foi a experiência?
Hugo: Foi incrível. Para começar, os sítios onde tocámos: No Porto foi no Rádio e no Teatro do Bairro em Lisboa, que é um espaço que pessoalmente eu gosto bué. Só por aí, alta cena. E depois, tudo o que envolve: desde a recepção, em que fomos muito bem tratados, toda a dinâmica que há entre as bandas, as conversas que existem, a possibilidade de tocarmos com malta de outras bandas como Baleia, Baleia, Baleia… Já tínhamos conhecido o Manel Molarinho e gostamos do trabalho dele, ele gosta do nosso trabalho então aconteceu ali uma dinâmica do caraças. Depois sobre o concurso, o rótulo de concurso é que é capaz de ser a cena menos boa. Quer queiras quer não acabas por sentir essa pressão, não falo apenas do Galo Cant’às Duas, porque estávamos ali com a filosofia do «vamos a todos os concertos, vamos partir isto tudo, dar o nosso melhor e logo se vê». Não tínhamos na mente a cena do «ah e se ganhamos ou se perdemos», acho que nem sequer falávamos disso. Foi saudável. E o curioso é que nenhuma das bandas que passaram à final estavam ligadas, eram todas diferentes. Edwin Lewis II, que acabaram por vencer, uma cena bué funk, Them Flying Monkeys, Baleia, baleia, baleia, Malabooz. E toda a malta que ali estava naquela fase do concurso merecia ganhar. Alto bom gosto, alta cena. Isso foi a cena mais positiva que tivemos de toda a experiência. E o contacto que tivemos com a media, que é muito importante. Na altura nem estávamos ainda em fase de promoção, mas aquilo é apoiado pela Antena 3, por exemplo, e é importante para a malta que está lá a mostrar o seu trabalho.
RDB – Têm notado um crescimento do fenómeno Galo Cant’às Duas?
Hugo: Sim, e estamos sempre a falar disso com a malta. O Galo anda na estrada há um ano, o que é pouco tempo. Mas tem tudo acontecido de maneira bastante rápida. Isto é a nossa profissão, trabalhamos todos os dias seja para os Galo, seja para o Moita Bunker ou outros projectos, e estamos a apanhar os frutos. Estamos felizes de ver este processo a acontecer e de ver que o nosso trabalho está a ser bem aceite
RDB – E como é a vossa rotina? Quanto tempo dedicam aos Galos por dia?
Gonçalo: Passamos algumas horas no estúdio, passamos algumas horas em escritório…
Hugo: Nós fazemos trabalho de agentes. Temos uma agência a trabalhar connosco, mas queremos ter o controlo. Mandamos muitos emails, procuramos as pessoas que queremos, e temos sido nós a fazer esse trabalho. Mesmo a cena da editora, a cena da promotora, fomos nós que procurámos essas pessoas. Não foi uma entidade que procurou por nós. E isso é uma cena que dá bué trabalho. Chegámos a uma fase em que não tínhamos tempo sequer para tocar, para compor no nosso estúdio. O estúdio onde trabalhamos é em casa dele [Gonçalo Alegre], é um estúdio todo catita, é fixe (risos)
Gonçalo: O “Estúdio da Paz” (risos)
Hugo: O “Estúdio da Paz”, porque ele mora na rua da Paz. E estamos todos os dias juntos, talvez às vezes não ao Domingo, mas mesmo quando não estamos juntos, estamos sempre em contacto, porque estamos sempre a receber emails…
Gonçalo: E o círculo de amigos de lá acabou por crescer, né? Partilhamos as coisas com as mesmas pessoas. E ao longo do tempo fomos criando amizades com outras pessoas…
Hugo: Agora, se nos fartamos um do outro? Pá, às vezes sim. (risos) Aí o Miguel tem um papel fulcral nisto tudo.
RDB – Miguel, ao que parece temos aqui mais um “galo” ou um ajudante de “galo”. Como os conheceste e como és o elo de ligação?
Miguel Velez (Homem da Garagem): Eu sou o criador dos Moita Bunker. Tudo começou com isso. Eu já conhecia o Gonçalo, conhecia o Alex que é o nosso guitarrista e faltava-nos um baterista. E a partir daí as coisas foram evoluindo, decidi ir para o Norte para montar isto tudo, e no entretanto, com os Moita Bunker e outros projetos, surgem os Galo Cant’às Duas. E fundimos as coisas. Já que estamos todos no mesmo sítio, precisamos de coisas. E como eles entraram em estrada muito primeiro, precisavam de carro, eu tinha uma carrinha, conseguimos levar tudo, e é assim que a relação começou, resumidamente. Conheço o Gonçalo para aí há sete anos e o Hugo há uns dois ou três.
Hugo: E nós falamos muito disto dos três. É completamente diferente, tivemos uma experiência em que iam três carros para o mesmo sítio…
Homem da Garagem: E nós apercebemo-nos de que três carro numa auto-estrada é ridículo, não fazia sentido: tínhamos um carro, dá para os três, ‘bora aí e fazemos o trabalho das duas bandas em conjunto.
Hugo: E é muito diferente andarmos só os dois na estrada, que já passamos os dias todos juntos. O risco de nos fartarmos um do outro é grande. E uma terceira pessoa é muito importante.
Gonçalo: O Miguel acaba por ser um pilar muito importante, por nos suportar em N coisas. Não só para nos transportar daqui para ali, ajudar a montar, mas também cenas de logística, onde vamos dormir, onde vamos comer.
RDB – E têm alguma história que vos tenha marcado, numa actuação ou depois de um concerto?
Hugo: É difícil por uma coisa em primeiro lugar, porque todos os concertos têm as suas coisas mais bacanas ou menos bacanas. Faz parte. Mas há concertos onde nós começámos com a nossa cena, mesmo a sério, a pegar com os testículos todos: TES-TÍ-CU-LOS (risos). Foi num espaço lá em Viseu, uma galeria de arte, a Carmo’81 que está com uma programação de música do caraças. E tínhamos uns concertos marcados e queríamos ter um registo para partilhar. Fomos lá falar para gravar um DVD e foram incríveis, abriram-nos as portas. Correu super bem, a sala esgotou, fizemos um bom trabalho, a malta gostou bué. Desde aí, nós acompanhamos o trabalho deles, eles seguem o nosso trabalho. Até acho que passo mais tempo em casa deles que na minha. Estamos super ligados. E essa foi a noite mais especial por todas as ligações que nos têm acompanhado, pela noite que foi. Depois houve outras como o Zigurfest, em Lamego. Um festival do caraças, montam alguns palcos pela cidade, também no teatro, foi uma noite do caraças. Fomos muito bem recebidos e foi toda uma rambóia. Também fomos à Galiza.
RDB – Então os Galo Cant’às Duas já são internacionais
Hugo: Foi a única vez até agora, mas é um objectivo, é um objectivo…
Homem da Garagem: Também já ficámos apeados na estrada, com o carro cheio de instrumentos…
Gonçalo: (risos) pois foi! Conta lá essa história!
Homem da Garagem: Estoirou o carro, cá em Lisboa…
Gonçalo: Estoirou a embraiagem… ficámos sem embraiagem!
Homem da Garagem: Ficou o carro e eles tiveram de levar os instrumentos: contrabaixo, pedaleira, tudo….
Gonçalo: E o carro teve de ficar em Lisboa. Isso foi uma cena muito… A cena fixe é que o meu pai estava em Lisboa e conseguiu meter as coisas todas no carro. No dia seguinte, eu tinha um concerto em Viseu e tive de ir com o contrabaixo no autocarro. Mas foi um filme gigante! O carro estoirou em hora de ponta, pelas seis e tal, e nós só conseguimos descansar pelas onze, meia noite. Passaram imensas horas. Tivemos de andar com o material aos tombos.
RDB – O carro era de quem?
Hugo: É o carro do Miguel, uma monovolume, metemos lá as cenas todas. E não é fácil, só o contrabaixo é um monstro! Temos a sorte de eu usar uma bateria de medidas mais pequenas…
Homem da Garagem: E tem de entrar tudo naquele sítio: primeiro a pedaleira, depois o contrabaixo, depois a bateria, depois os pratos… tem de ter uma ordem de entrada.
RDB – A monovolume foi feita quase à medida dos Galos…
Hugo: E não cabe mais nada! (risos) o que é certo é que não cabe mais nada! Vão as mochilas e pronto!
RDB – E têm algum ritual antes de entrar em palco? Beber uma imperial ou algo do género?
Hugo: Uma não, várias! Esse é o ritual!
Gonçalo: Eu faço uns alongamentos (risos), há outros concertos em que fico extraordinariamente mal-disposto. Eles acham que eu fico mal disposto, ou que fico com respostas mais duras. Entro numa cena, não sei.
Hugo: o meu ritual é só jola! Não temos um grito de guerra. Para nós não passa por aí. Há malta que tem, mas nós não.
RDB – Nunca pensaram levar um galo para cima de palco?
Hugo: Não, porque nunca assumimos o galo como um galo, um ser físico. É todo um conceito e não o animal. É normal as pessoas perguntarem, mesmo em Viseu há pessoas que brincam connosco, há la um senhor em Barcelos que vem a correr atrás de nós com um galo de Barcelos atrás de nós: «este é para vocês! Estava ali no bar!» (risos), mas nunca assumimos essa forma. Daí que também no videoclip o galo que nós usamos não é bem um galo. É algo mais conceptual…
RDB – Um pouco como nas vossas músicas, em que os títulos vão além das simples palavras, são acções que estão por trás, daí os verbos
Gonçalo: É um pouco por aí. O Luís Sobrado quando escreveu o Press Release, descobriu essa questão dos verbos. Nós nem tínhamos pensado nisso.
Hugo: A cena dos nomes é engraçada. Só demos os títulos às coisas depois de estarem montadas. Ouvimos as músicas, precisávamos de um nome para por no disco, e só depois é que pensámos: «Isto é tipo marcha, mas só marcha não pode ser! Marcha porquê?» E há uma parte em que a sais do tempo e a música dispara, voa. É um bocado por aí que damos os nomes. Quando estamos a compor, é livre. Vemos o que resulta, o que soa bem, o que soa mal. Só depois damos os rótulos.
RDB – Quais as vossas influências?
Gonçalo: Todas! (risos)
Hugo: Tenho várias, de vários estilos. No meu projeto final, que foi o que me iluminou a nível baterístico, na minha PAP [Projecto de Aptidão Profissional], fiz sobre musica tradicional indiana incorporada na bateria, ou seja, fui estudar a cultura do Norte da Índia. A cena indiana foi uma coisa muito importante, porque descobri uma linguagem completamente diferente. Uma forma completamente diferente de tocar, de encarar a música. Eles, por exemplo, não são como nós, que temos o dó, ré, mi, fá, sól, usamos as semínimas, semicolcheias. Usam sílabas. E o meu trabalho foi estudar estas sílabas, e incorporá-las na bateria, orquestrá-las. E quando montas a cena toda, fica uma cena que não é muito normal tu ouvires. É diferente. E a música indiana foi uma grande influência, até a forma de tocar, de abordar a bateria. A nível de jazz, por exemplo, Miles, Coltraine. A nível baterístico, Dan Weiss. A cena mais Rock: Yes!, Pink Floyd, Beatles adoro…
Gonçalo: Eu digo todas, porque, como estudámos música, acabas por ser obrigado a ouvir coisas que tu não conheces, até que não gostas. E depois há o lado que tu procuras, coisas que tu vais encontrando, que vais descobrindo, novos autores, influências. Digo que são todos, porque há coisas que não gostamos tanto, mas que há lá detalhes que nos dizem alguma coisa. E as influências não são só musicais, porque podemos ver numa tela, num bailado, num cinema, elementos que nos levem a compor sobre isso. Transformar aquilo num ambiente musical, compor uma história, criar um determinado ambiente. Se me perguntares, há alguma banda que consideres favorita? Digo-te assim: A minha banda de sempre é e será sempre Radiohead. Aparecerão outras e há outras, Pink Floyd é uma delas.
RDB – Há alguns artistas em Portugal com os quais gostassem de trabalhar?
Hugo: De certeza que há, na verdade nunca pensámos muito nisso. Há um projeto que adoro, de uns amigos meus, os Rite of Trio, são do Porto. O Pedro e eu estudámos juntos cá em Lisboa, e eu admiro o gajo, e falamos bué «temos de ter um projeto, temos de nos juntar e compor com uma malta». Também já falámos que se um dia for preciso juntar um terceiro ou um quarto elemento ao Galo, muito possivelmente vou dizer ao Gonçalo: «quero aqui um percussionista e é o Pedro». Mas em termos gerais, há muita malta que curto, malta de Paus, Makoto.
Gonçalo: E o Fábio Jevelim está a ter uma evolução tremenda, no som que tem, nas melodias que está a fazer. Há aí muita malta
Hugo: Adoro Memória de Peixe também, o Nicolau que é um óptimo guitarrista, e admiro muito a cena deles, claro que era óptimo trabalhar com eles um dia.
RDB – Já disseram que já estão a trabalhar de novo em estúdio. Podemos esperar um novo álbum para este ano?
Hugo: Por enquanto estamos em ensaios. Já temos um tema mais ou menos finalizado, até já o testámos em concerto. No meu ver, tem lá a cena “de Galo”. Em nível de sonoridade, é mais simples, mas aqueles pormenores que damos importância estão lá e vamos seguir com isso.
RDB – Há uma piada em português que diz que o galo canta de olhos fechados porque sabe a música de cor. Consideram que sabem a música de cor, ou seja, de coração?
Gonçalo: A sério? Isso é alta frase, não sabia!
Hugo: Sem dúvida, sim, sim. Mesmo quando as energias não estão assim tão boas, mas subimos a palco e as cenas correm bem. Quando fomos para o Termómetro, estávamos todos rebentados. Tínhamos tido uma noite de copos e fomos para o Teatro do Bairro todos ressacados. Mas chegámos a palco e acabou a história.
Gonçalo: Nessa noite eu estava no backstage de olhos fechados, o pessoal tudo a mamar copos e de festa, e eu ali relaxadíssimo a ver se passava. (risos)
Hugo: Mas pronto, depois quando subimos a palco é tudo, no fim até podemos levantar-nos e desmaiar a seguir, mas lá em cima é coração, tem de ser.
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