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Joaquim Benite

Um dos nomes mais importantes do Teatro nacional em entrevista exclusiva à RDB. Fiquem a conhecer a edição de 2009 do Festival de Teatro de Almada, um dos mais emblemáticos do país.

Com o Festival de Teatro de Almada a abrir portas, a RDB foi ao encontro de Joaquim Benite, director deste festival e da Companhia de Teatro de Almada, para saber mais pormenores acerca desta 26ª edição, que oferece 27 espectáculos diferentes.

Para os espectadores assíduos do FTA, que felizmente não são poucos, e para todos os amantes de teatro, o que vai caracterizar esta 26ª edição?

Esta edição é marcada por um interesse particular pela América Latina uma vez que haverá um ciclo de espectáculos sobre a mesma, que inclui também um grande encontro internacional de especialistas em teatro latino-americano que vão abordar esta temática desde os anos 80 até agora, relativamente às tendências mais recentes ao nível da dramaturgia, encenação, organização das próprias companhias, entre outros.

Para além disso, vai haver um conjunto de espectáculos que serão marcados por alguns aspectos principais. Sintetizando, em primeiro lugar, vamos ter 9 estreias, o maior número de sempre de estreias absolutas, 8 das quais de companhias portuguesas e uma de um grande encenador francês, Robert Cantarella, uma adaptação de um texto muito célebre de Hermann Broch, “Zerlina”; em segundo, temos algumas companhias que vêm pela primeira vez ao Festival, como por exemplo o Teatro Municipal de Bruxelas, que é francófono, o Teatro de Sátira de São Petersburgo que nos traz um texto de Ulítskaia, escritora muito na moda neste momento. Também é de referenciar a presença do Teatro Corsário de Valladolid, que já teve grandes êxitos cá mas que há 6 ou 7 anos que não vem, e a presença de um espectáculo de grande importância mundial que marca qualquer edição de um festival que é trazido pela Volksbühne, de Berlim, que é também a primeira vez no Festival e em Portugal, e das 3 grandes companhias alemãs era a única que nos faltava trazer. O espectáculo é interpretado por uma das maiores actrizes alemãs, Edith Clever. São espectáculos de grande qualidade, a um nível que é habitual no FTA.

Depois de Berliner Ensemble e da Schaubühne, porquê o interesse em trazer a Volksbühne?

Tem a ver com a qualidade da companhia, mas sobretudo por ser um espectáculo dirigido pelo Luc Bondy que é um dos maiores encenadores do mundo, e o facto de ter a interpretação da grande actriz Edith Clever, que faz principalmente teatro e muito pouco cinema, portanto é uma forma das pessoas conhecerem o seu trabalho, e porque “As criadas” do Jean Genet é um texto central do séc. XX.

A seu ver, qual o espectáculo imperdível? Ou aquele em que espera uma maior afluência?

Não sei, porque todos estes espectáculos suscitam um grande interesse. A questão é que o FTA organiza-se e articula-se de forma a cumprir um desejo fundamental que é tentar ser uma espécie de panorama de várias tendências, e isto faz com que as pessoas se interessem. É muito difícil dizer-lhe qual terá mais afluência. Por exemplo, as pessoas que já viram o Teatro Corsário vão certamente ver os seus espectáculos, porque já conhecem a companhia. E depois há sempre surpresas relativamente ao número de pessoas esperadas nos espectáculos.

Ao fim de 26 anos de Festival e de muito trabalho é inevitável que já se tenha criado um público específico. Que público é esse?

O Observatório das Actividades Culturais publicou há uns anos um estudo sociológico sobre isso mesmo, que acabou por ser publicado, e esse volume, que já tem alguns anos, não se pode aplicar ao que acontece hoje, mas era curioso porque o público, por exemplo, vinha maioritariamente de zonas periféricas de Lisboa, não da margem sul do Tejo mas da zona do Ribatejo como Vila Franca ou Alhandra. É natural que um festival em Almada atraia um público sobretudo urbano e jovem. E depois, para quem vê 4 ou 5 peças por ano, existe aqui a possibilidade de assistir a 27 espectáculos e companhias, e isso é muito atraente, e ainda para mais este ano os preços das assinaturas para os jovens baixaram para €25, pelo preço que vêem normalmente um espectáculo, neste caso podem ver 27 produções diferentes. E depois existe o ambiente do festival, onde as pessoas se encontram, convivem, muitas vezes em grupo e em família.

Que impacto tem o festival no panorama nacional?

É o acontecimento de teatro mais importante do país, isso é reconhecido por todos. Outro festival importante é o do Porto, que é um festival orientado pelo estado, pelo Teatro Nacional S. João, e o Ricardo Pais que é o director do festival disse recentemente numa entrevista que o acontecimento mais importante era de facto o FTA. Há um consenso muito grande em relação a isso. E depois a comunicação social, a nível internacional, dá de facto uma grande importância a este festival.

Como está Almada ao fim de 26 anos de acolhimento, o que mudou? É uma mãe orgulhosa?

Mudou muita coisa. Almada teve um grande progresso a nível cultural, hoje é uma cidade que tem um desenvolvimento de projectos culturais que faz inveja a outras cidades. Por exemplo, Almada é a 3ª cidade do país com maiores salas de espectáculo depois de Lisboa e Porto, e quando viemos para cá não havia nada. E estou só a falar de teatro, porque criaram-se bibliotecas, a “Casa da Cerca” que é um local obrigatório das artes plásticas em Portugal. Ainda ontem estive a dar uma entrevista para um grupo de investigadores que estão a fazer um estudo internacional sobre cidades culturais do Mundo e que inclui São Paulo, Barcelona e Almada, e isto é já significativo da forma como as pessoas vêem a cidade de Almada.

Crê que ao fim de 26 edições haja uma consciência teatral e artística a ser mutada/reconstruída?

Acho que sim. Muitas pessoas fizeram a sua aprendizagem com os espectáculos do FTA. Há muitos espectadores que começaram a ver espectáculos no início dos anos 80 e que nessa altura era a primeira vez que iam ao teatro, e hoje são pessoas estreitamente ligadas à área ou que se tornaram mais críticas. Aliás, as companhias estrangeiras dizem que somos dos públicos mais exigentes que conhecem. O actor inglês Edward Folks esteve uma vez no Teatro da Trindade a fazer um recital de textos do T.S. Eliot, a sala estava cheia, e acabou por dizer numa entrevista que em Londres isto não seria possível, ver 600 pessoas num teatro, à tarde, numa língua que não era a sua.

Podemos contar com as estruturas a que estamos habituados ou existem novos locais de acolhimento?

Não. São as mesmas salas a que o público está habituado, em Almada e Lisboa. O que há de novo são melhoramentos nas salas, pequenas alterações, feitas de forma lenta. Para quem vem todos os anos não notará com facilidade, mas todos os anos há alterações.

Que homenagem tem preparada para este ano? Pode revelar?

Não posso. A homenagem é sempre um segredo, é uma das surpresas em todas as edições do FTA.

Considera haver um equilíbrio entre os espectáculos que vêm de fora e os nacionais, ou falamos de contextos artísticos e culturais diferentes?

Há sempre um equilíbrio artístico. O teatro português é um teatro com muita qualidade, com muitos criadores e companhias, mas há sempre um desequilíbrio enorme em relação aos meios. Vêm companhias estrangeiras com orçamentos de milhares de euros que não se podem comparar com as portuguesas.

Que podemos esperar no trajecto futuro do FTA? Para onde caminha?

O FTA tem o mesmo orçamento, em termos de participação do estado, que tinha em 1996, portanto tudo depende se haverá um maior investimento ou não. Por muitas esperanças que haja, não sei sinceramente, pode ser até que acabe. Em cada patamar que se atinge há uma exigência maior no orçamento, as pessoas não gostam que se volte atrás, portanto não sei. Depende do futuro que o país levar. Se a situação se mantiver não vejo grande futuro. Eu também já estou velho, e não queria que o festival se arrastasse como um simples acto de sobrevivência, e gostava que continuasse a cumprir a renovação permanente que tem tido. Mas a situação não é favorável, uma vez que este é o orçamento mais reduzido dos últimos anos e tenho muitas dúvidas que as coisas se possam desenvolver. Sou pessimista, mas o pessimismo também é para mim um estímulo.



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