“Mentiras e Diamantes” | J. Rentes de Carvalho
De um falso thriller nasceu uma grande história
“Mentiras & Diamantes”, o mais recente romance de J. Rentes de Carvalho, é vendido na contracapa como «um thriller habilmente construído e uma narrativa implacável, violenta e sexy». Permitam-nos discordar da primeira parte e realçar a segunda. Se o livro acaba por revelar-se um falso thriller, já enquanto narrativa é uma história de se lhe tirar o chapéu, reveladora do fascínio que a escrita de Rentes de Carvalho exerce, como se rendilhasse à mão cada uma das palavras que vão enchendo as páginas, fazendo delas um imenso tapete artesanal.
A história gravita em torno de duas personagens aparentemente opostas: Jorge é um “conde” pouco convicto em relação ao posto, que gere a quinta e a imensa fortuna que recebeu da mão do seu avô com a ajuda de duas ama gémeas, uma governanta e de Samuel, que lá trabalha desde os 17. Voltou a Portugal depois de vários anos passados em África, envolto num trauma que o acompanha em todos os seus gestos e meditações. É um tipo reservado, discreto, que gere um destino que lhe foi formatado sem capacidade de o alterar por si próprio já que exige demasiado trabalho; Sarah, por outro lado, é uma rapariga fogosa que gosta de viver no limite. Dá-se com gente perigosa e usa todo o factor de risco na sua escrita, tentando tornar-se uma escritora. Viaja bastante, não quer criar raízes e, quando surge a ameaça de uma afeição mais profunda, deixa tudo para trás sem qualquer despedida.
Sarah vive num anexo isolado da quinta de Jorge, com total autonomia em relação aos seus moradores. Quando na reparação do telhado o edifício acaba por ceder, Jorge convida Sarah a ocupar um dos muitos quartos vagos da casa, de forma a manter o seu compromisso de senhorio. A inglesa aceita a proposta, apesar de ter de Jorge uma visão pouco abonatória: «…dá mais a impressão de ser estátua animada do que um homem de carne e osso.»
O que começa a soar como a história de um amor improvável vê-se testado pela chegada de “Biafra”, alcunha dada a Manuel Fafe, «o tipo caricatural do homem de negócios escuros», que vem tentar uma pequena chantagem junto de Jorge. E que, com uma visita de escassos minutos, vai desenterrar os mais improváveis fantasmas e métodos aprendidos em dias de matar ou morrer.
Os saltos temporais que o livro oferece são perfeitos, seja quando Jorge recorda os tempos passados ao lado do avô ou relembra uma mãe fria e distante: «o tempo passava sem a curar da vaidade, do superficial, “boneca de pano” até ao fim, quando os anos e a doença a tinham transformado numa caricatura de si própria.» Rentes de Carvalho oferece-nos também um incrível retrato de Portugal, das suas gentes, lugares e costumes, sendo este o momento do triunfo: em que esquecemos o thriller e abraçamos o livro como um pequeno grande romance. Aos 83 anos, Rentes de Carvalho escreve com a vertigem da juventude. Sorte a nossa.
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