mor_bw_neg_pro_ 092

“Morgan: A Suitable Case for Treatment”

O amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura

“Morgan: A Suitable Case for Treatment” (1966) foi exibido no Lisbon & Estoril Film Festival deste ano, na secção “Sessões Especiais”. Um filme britânico de culto a preto-e-branco do realizador Karel Reisz, precursor do free cinema, a nova vaga britânica que exprime um cinema despojado e renovado. Inspirado numa série britânica do canal BBC, o filme trata uma condição humana curiosa, a loucura. Conta ainda com uma banda sonora enérgica, as montagens não são do melhor que se viu por estas épocas, mas vale a pena visioná-lo por vários aspectos.

As atitudes e pensamentos considerados pela sociedade de anormais sempre tiveram maus resultados. Uma pessoa pensa, diz e faz o que lhe dá na gana e arrisca-se a que um bando de psicóticos lhe enfiem um casaco branco pela cabeça abaixo, imobilizando-a, sem qualquer explicação aparente; a partir de aí pode contar-se com um futuro idílico num asilo resort.

Morgan é um artista falhado com lata e não é pouca. Interpretado por David Warner, é um personagem deslocado, excêntrico, violento e sem qualquer vergonha na cara; para além disso, sente-se completamente obcecado e apaixonado pela ex-mulher, Leonie, interpretada pela actriz Vanessa Redgrave, snobe, sexy e dona de imenso estilo. Esta obra transpira a efervescência cultural e o modernismo que se vivia em Londres durante os anos 60.

O argumento do homem senil vidrado que tenta sabotar o novo relacionamento da mulher amada já tem vindo a ser algo explorado, mas para a época era inovador e fresco. A linha ténue que há entre a comédia e o drama é posta em evidência com alguma originalidade e subtileza. Se, ao longo do filme, Morgan assume uma postura hilariante, consideravelmente trapalhona, dinâmica e agressiva, deixando o espectador divertido e por vezes cansado, rapidamente a situação muda de prisma. No fundo, Morgan é visto pela sociedade como um maluquinho, sem integridade, indefeso num mundo cheio de preconceitos. Isso mexe com a solidariedade e os sentimentos de uma pessoa e é aí que se vê o poder do humor negro britânico.

Este homem está fora da realidade e disposto a azucrinar a vida de Leonie e do namorado, custe o que custar. Pistolas, a foice e o martelo de Karl Marx, explosões caseiras e uma obsessão exacerbada estão em jogo. Ao não ter acesso a uma realidade comum, Morgan cria a sua própria realidade, transformando-se inúmeras vezes em gorila ou em Tarzan numa selva perigosa e profunda que intersecta a acção principal, mas ao mesmo tempo é uma selva solitária. Todos preferimos ver coisas cósmicas e surreais, é aí que ambicionamos chegar, mas Morgan chega ao surrealismo rápido e fundo demais.

A cena do rapto, que ocorre já na segunda metade do filme, é o sonho primário que muitos de nós cultivamos; contém o bosque, a jangada, amor e uma cabana. Aqui o surrealismo funde-se em Tarzan e Jane, fruto do imaginário do protagonista. Embora Leonie esteja no meio do mato contra a sua vontade porque foi raptada, mostra sempre condescendência e compreensão em relação ao seu ex-marido, porque sabe que no fundo ele apenas está perdido nos caminhos da sua própria percepção.



There are no comments

Add yours

Pin It on Pinterest

Share This