Mr. Mute
Conversa com o volume no máximo.
Bernardo é, para muitos, Mr Mute -um dos DJs nacionais com maior noção do significado da música num todo. Simpático, pouco dado a verbalizações, excepto quando é incitado a fazê-lo, ainda que com uma visão total da representatividade da música e da cena de dança em particular, que ficou patente ao longa da conversa.
São poucos os que, largando a cabine por breves instantes, conseguem de modo totalmente apreensível e consciencioso fazer-se sentir. Bernardo, ou melhor, Mr Mute não foi só prazeroso de apreender, quando envolto nesta tertúlia, como senhor duma humildade e noção ‘arrumada’ do espaço em que depreende poder encaixar neste ano que ainda agora iniciou ” confirmar que sou o melhor DJ do meu bairro”.
O percurso de Mr-Mute começou em 1998,quando ainda cursava Letras na Universidade. “A ideia partiu da partilha de música entre cinco amigos”, começou por lembrar . Mais tarde formaram os “Il Cru Fantastico” recordou continuando: “Em 2000/2001 , já munido de dois pratos e uma mixer, a compra de vinil tornou-se compulsiva e fui-me medicando “, brinca. “Tive a oportunidade de começar a passar música em bares do Bairro Alto. Os primeiros espaços que me acolheram foram o Agito e o Animatogarfo. Em 2004, juntamente com Vj Zekan, criou-se o projecto Deubreka.
O rastilho ateado pelos primeiros passos onde Mute começava a progredir e fazer notar o seu gosto, conhecimentos e destreza manipulativa talvez o tivessem permitido definir ou esclarecer um pouco melhor as conjugações ou complemantaridade do seu trajecto e não só.
O projecto Deubreka foi, na sua perspectiva : “baseado na máxima de casar luz com nota, lançámos em 2005 o nosso primeiro DVD Uma troca de pés numa dança a dois. Este projecto deu-nos a oportunidade de fazer numerosas datas por Portugal, desde Porto a Lagos, de Évora a Santa Cruz, e participar em diversos festivais – Festival X, Festival Número, Festival Internacional de Música da Sertã, Festa de Inauguração da Mostra de Cinema da América Latina, Festival Jameson Urban Routes, Festival Indielisboa, entre outros”.
A par do projecto que iniciara os espaços onde Mute vai tendo a igual oportunidade de nos fazer dançar com as suas escolhas foram um crescendo notável. Mute explicitou-os, “individualmente o número de espaços onde passava música foi, felizmente, crescendo, tendo sido, por exemplo, DJ residente de bares como o Maria Caxuxa (desde que abriu até 2009), Estado Líquido, Clube da Esquina e Manga Rosa Lounge”.
Embora seja um indíviduo reservado e pouco dado a falas (‘Mr Mute’ surgiria,aliás, dessa sua característica individual),os convites vão também intensificando a sua expressividade no meio.”Em 2007 fui Dj no workshop Som e Movimento no CEM ao lado de Mariana Lemos. A partir de 2008 comecei a ser convidado dos Teller Tony Allstars para as suas festas de aniversário em Colónia, Alemanha.”
Em 2009, com Dedydread, criámos as noites Tighten Up! no Bicaense – noites dedicadas ao puro funk, ao ska, à celebração da música negra em geral.
Participei, a convite de Rui Miguel Abreu, no Festival de Músicas do Mundo de Sines e tive a possibilidade de ter noites no Lux, Club Lua, Fábrica Braço de Prata, Mercado, Kubik, Europa, Passos Manuel, Bazaar, entre outros”, viajou Mute no rescaldo, quase ‘geográfico’, das suas passagens e envolvimentos diversificados aos sonidos.
As referências dum DJ estão , não raras vezes, logicamente interligadas aos sons que passam e produzem. No caso de Mute não foram excepção. “É-me muito dfícil dizer que tipo de música é que passo porque é sempre uma grande mescla. Passo o que gosto, o que mexe comigo – seja dubstep, funk, latin, hip hop, d&b, metal, glitch, jazz, brasil “.
Os predicados que lhe conferem o carisma são tão simples como basilares na forma como lhe captei amiúde a essência e vontades :”Livre, corajoso, apaixonado”,diz de si.
Com residência em Madrid até Março do ano corrente, o músico compara-a , no seguimento duma ideia que lhe é exposta, à cidade de Lisboa.
“Eu só estou em Madrid desde Abril e em Março de 2011 já estarei de volta a Lisboa”, começou por discernir e explica: “a movida madrileña é muito intensa, totalmente distinta de Lisboa, especialmente sob a óptica de DJ. A primeira coisa que me impressionou foi o facto de 90% dos espaços terem DJs com CDs de mp3. É uma raridade encontrar quem passe música em vinil – o que é uma pena. Se tivesse que escolher entre a noite de ambas as cidades, sem pestanejar, escolheria Lisboa. Temos melhores DJs e somos muito mais permeáveis a um leque variado de estilos de música (o dubstep é ainda um bicho estranho em Madrid por exemplo). Uma das desvantagens, contudo, é que o dj em Portugal recebe uma miséria. É impensável conseguir viver exclusivamente dessa actividade em Portugal (tirando um ou outro exemplo) enquanto que em Espanha….” deixou em aberto Mute,sendo,obviamente fácil o complemento que deixou a ideia por ‘finalizar’.
Nos fins do ano antecedente foi convidado pela Circus Maximus para um podcast ,que justificou grande parte da sua visão sonora nesta conversa.
“A convite de um dos fundadores da Circus, o Infestus, fiz um podcast onde me centrei na linguagem que podcasts como a Low End Theory ou a Autonomic debitam. Já tinha pensado em debruçar-me sobre esta estética da música electrónica. Contudo em Madrid só tenho um prato, uma mesa de mistura e um sampler. Ora uma das minhas (muitas) referências é o grande Cut Chemist (que lançou recentemente o registo Sound of da Police -trabalho feito com prato + mesa + pedaleira). Com isto em mente, experimentei utilizar um set-up semelhante e o resultado está neste podcast”, clarificou.
O percurso musical de um músico, dj ou produtor é, por vezes, carregado de histórias e situações caricatas que relembramos em alguns momentos no decorrer das nossas vidas e Mute contou alguns.”São muitas. Uma das mais bonitas foi em 2003 aquando da manifestação contra a guerra no Iraque em Lisboa. Em pleno Terreiro do Paço com um soundsystem potente, misturo Fela Kuti com uma outra coisa qualquer e vem um senhor nigeriano a correr em nossa direcção, lágrimas nos olhos, e num inglês muito arranhado explica que desde que tinha fugido da Nigéria tinha sido a primeira vez que ouvia música do seu país”,lembra, acrescentado ,depois, em jeito de brincadeira:”como compreenderás, há muita histórias na noite para um dj. Depende (também) da quantidade de alcoól que foi consumido – por parte do público ou do dj”.
Mute tem ,curiosamente, algum do seu gosto musical , iniciado na adolescência, por registos bem diferentes daquele em que o agora (re)conhecemos e confessou-os:”O primeiro disco que comprei com o meu dinheiro foi o II dos Led Zeppelin. Sempre gostei de rock e de metal. Em 1991 fui viver para Londres durante 7 anos e aí, musicalmente, oscilava entre o hardcore (tive uma banda terrível chamada Recess) e as pirate radios que debitavam jungle, grime e hip hop.
Como DJ o meu panorama não diria ser dance music, termo aliás que me dá alguma urticária”,reflectiu.
Existem algumas pontes possíveis nos géneros e Mute entende-as do seguinte modo:” Sem dúvida que é possível. Reso e Shlohmo são, por exemplo, metal puro para mim. Por alguma razão os Mixhell e os Cavalera Conspiracy têm tido tanto sucesso”.
Os desejos para 2011 já estão bem estruturados na sua mente e também os partilhou:
“Ajudar com que o projecto Somany Artists cresça, apostar na internacionalização das noites Tighten Up!, trazer o colectivo a que pertenço aqui em Espanha – Doble Copia Collective – a Portugal, continuar a aprender e a engordar a minha colecção de discos, continuar a colaborar com a publicação Icrates, ter um filho e confirmar que sou o melhor DJ do meu bairro (ideia com que se iniciou a conversa).
There are no comments
Add yoursTem de iniciar a sessão para publicar um comentário.
Artigos Relacionados