Primavera Sound Porto 2023 | Dia 1 (07.06.2023)
Arranque do festival ainda só com dois palcos ativos foi marcado pela chuva, que o norte-americano não conseguiu afugentar.
Texto por Daniel Espírito Santo e fotografia por Graziela Costa.
Depressões, dilúvios e Kendrick Lamar
Nunca a expressão “Faça chuva ou faça sol” foi aplicada por tanta gente ao mesmo tempo. Bem, pelo menos desde 2018 (e daquele clássico concerto de Nick Cave precisamente no Porto… ou de qualquer edição do festival Paredes de Coura…). Fazendo as contas e recorrendo à memória, o primeiro dia do Primavera Sound 2023 cumpriu a tradição: não há festival abençoado que não seja molhado.
No entanto, o São Pedro decidiu levar a coisa a extremos nunca antes vistos, nem mesmo em 2018. Com a depressão Óscar a principal estrela e cabeça de cartaz, muitos escolheram ficar em casa na quarta-feira, no arranque da versão portuense do festival, que celebra este ano a sua primeira década. Quem ficou tentou fazer a festa como podia, entre a chuva e a lama, sempre com a música como pano de fundo, enquanto esperava pela estrela maior da noite: Kendrick Lamar, que atuaria depois da meia-noite.
Neste primeiro dia o que sobrou em dilúvio não chegou em palcos. Só dois estavam em pleno funcionamento, o Porto e o Vodafone – os palcos que, de resto, iriam competir pelas atenções dos festivaleiros nos restantes dias também.
Num festival que mais pareceu ter dois palcos principais em alternância, aqui não havia grandes escolhas a fazer: era saltitar entre um e outro e garantir que as pernas aguentavam os quilómetros percorridos num só dia.
Beatriz Pessoa deu o pontapé de saída, já fora de horas, mas “Dona da Verdade”. Georgia continuou a festa e afugentou o sol por momentos. O primeiro dilúvio da (longa) noite surgiu já depois de Baby Keem, que, mesmo assim, não conseguiu atrair muitos, apesar dos esforços (e do Grammy já acumulado aos 22 anos). Afinal de contas, estavam lá todos para ver o primo (mais tarde, subiria novamente ao palco já com ele)… A noite era, claro, de Kendrick Lamar e poucas estrelas brilhavam tanto entre os pingos da chuva como ele, razão para muitos arriscarem gripes no dia seguinte.
Antes disso, Alison Goldfrapp, bem conhecida do público português e habitué nestas lides, teve menos pessoas à sua espera do que se esperaria, no palco Porto. O recinto ainda pouco enchera, fruto de todas as circunstâncias já descritas (ser quarta-feira certamente também não ajudou).
No Vodafone, por sua vez, outra britânica, Holly Humberstone, propunha uma batida menos eletrónica e mais rockalheira (se assim podíamos chamar ao pop da jovem). Uma estreia bem conseguida por terras lusas, mas não memorável.
Seguir-se-iam, no mesmo espaço, os The Comet is Coming, que, com um nome meio profético, fizeram quem estava assumir o tempo e dançar ao fim do mundo. Curto, grosso e psicadélico, como se quer.
A chuva acabou por dar algumas tréguas pouco antes do momento mais esperado da noite.
Kendrick Lamar regressava a um palco onde já fora feliz em 2014, pronto a apresentar ao público o seu “Mr. Morale & the Big Steppers”, editado o ano passado. Começou mesmo por aí, ao som de «N95». No entanto, à explosão e entusiasmo iniciais seguiu-se um concerto morno, pálido especialmente se comparado com o que deu no Altice Arena, em 2016, por ocasião do Super Bock Super Rock.
O Pulitzer ficou por casa, em Compton… Juntamente com a euforia de outros tempos. Sinais de alguma ponderação adquirida no auge da fama ou só fruto da intempérie? Só saberemos da próxima vez que cá vier.
Ainda por cá, atenções focadas no repertório: desfiou alguns dos seus maiores êxitos, numa atuação que em tudo se assemelharia a uma espécie de “best of” ao vivo. Já são, afinal de contas, muitos anos disto. “Desde 2006”, fez questão de recordar, a dada altura.
Sozinho em palco, não houve muitos aparatos cénicos, excepção feita a algumas danças pontuais. A mensagem, essa, era direta, clara, sem dificuldades de interpretação: mais do que um concerto assistiu-se a um protesto contra o racismo nos EUA. Há coisas que nunca mudam.
Remate final para um detalhe bonito no meio da chuva, porque é dessa magia que são feitos os festivais, afterall: à medida que a chuva mostrava que não dar tréguas, o palco do Bits virou uma tenda de improviso, sem música, mas com um tractor no centro como estrela principal. Centenas abrigaram-se na estrutura para fazer frente à intempérie. Provavelmente o line-up mais (in)esperado da primeira noite.
Podem encontrar as reportagens dos restantes dias aqui: 8 de Junho, 9 de Junho e 10 de Junho.
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