Red Bull Music Academy @ NEOPOP 2011 – 30 Julho
Paródia, latas e como Harvey salvou a manhã.
Das oito da noite às dez da manhã??? Isso é para gente que manda mais cenas que eu. Mas caramba, é o Harvey! Depois o gajo acaba com o sistema de som ou extingue uma japonesa em chamas e tu não estiveste lá para ver. E para além disso vais ter DJ Koze, Junior Boys… não, não podes faltar. Siga para Viana!
E foi com esse raciocínio que o vosso intrépido repórter, treinado por meia semana de jogar vídeo-jogos até às seis da manhã para ver se apanhava o ritmo, saiu da sua casa no Porto e se movimentou para a maratona musical organizada pela omnipresente Red Bull Music Academy para concluir a terceira edição do Festival NEOPOP, claro nome de referência no lado mais escuro e techno do panorama da música electrónica nacional.
Chegado ao recinto, dava para ver Motownjunkie e Ghuna X fazendo os possíveis perante um campo vazio. Se Portugal já por si tem a tradição de começar as coisas a horas mais avançadas, para um público NEOPOP chegar ao festival às onze da noite era uma proposta realmente absurda. Mesmo quando DJ Ride, acompanhado por Stereossauro para um set como Beatbombers, tomou o palco, o público ainda se contava pelos dedos.
Com uma actuação que se prolongou bem além das (já por si exageradas) duas horas previstas, os moços mostraram o seu valor. Claramente cientes de onde estavam, o seu set desviou-se frequentemente do Hip-Hop ao qual são associados; a textura mais predominante foi UK, coleccionando faixas e sons avulsos da era pós-Dubstep. Mas houve também espaço para ouvir «You» de Gold Panda; espaço para uma showcase de scratch, incluindo uma improvisação por cima do «Verdes Anos» que em teoria seria uma coisa um bocadinho demasiado óbvia e a roçar o lamechas, mas que funcionou à mesma porque, como notou um amigo meu, “não há um segundo no original que não seja brilhante”; e houve, claro, ocasião para dançar ao som de «Give Me Some ‘Mo», «99 Problems», «C.R.E.A.M.» e outros tantos clássicos do Hip-Hop dos quais nunca me irei fartar. Nem tudo funcionou, mas a dupla cumpriu com distinção a tarefa de aquecer o público. Para isto contribuiu também a sua dinâmica pessoal: DJ Ride, sorridente e enérgico, e Stereossauro, silencioso e resmungão, tiravam partido por inteiro da sua pinta de duo Vaudeville, com os bonés a saírem repetidamente das suas cabeças via chapadas mútuas em bom estilo slapstick. Ponto alto: «Yonkers», a faixa mais conhecida do menino-do-ano Tyler, The Creator, cuja audição levou o artista Gaslamp Killer a correr para o palco, roubar o microfone e gritar “THIS IS THE REAL L.A. SHIT RIGHT HERE!” Um dos grandes momentos “fuck yeah” do meu 2011.
Junior Boys, representantes sobreviventes daquela espécie em vias de extinção, a bandinha indie com popularidade no cenário electrónico, foram uma escolha estranha para seguir tanta euforia. E de facto, as primeiras canções que tocaram fora tão calminhas que levavam uma pessoa a inquirir-se se ser-se só “agradável” era o suficiente a essas horas da noite. Mas à medida que o concerto ia ficando mais clubístico, a banda ia lentamente conquistando a aprovação do vosso escriba e do restante público; os Junior Boys têm aquela qualidade pouco extrovertida que se vai entranhando aos poucos, com detalhes interessantes em cada música a fazer subir o nível de apreciação. “This concludes the pussified part of the night” disse Jeremy Greenspan apologeticamente no fim; depois, como bom canadiano, ajudou a remover os instrumentos do palco e a montar a DJ booth para o próximo convidado. Só apetece abraçar.
Gaslamp Killer? Uma força da natureza. Um Dâm-Funk branco, ou um Andrew WK que descobriu a electrónica. O seu set, composto de Techno, Hip-Hop, Drone, Classic Rock, R&B e Tropicália, era boa música, mas tinha todo o fio condutor de um ipod random shuffle. O que o tornou transcendental, e para mim a melhor actuação da noite, foi simplesmente o entusiasmo evangelizante do DJ, a sua energia de Demónio da Tasmânia, a sua fronha permanente de “FODA-SE! MÚSICA, MAN! MÚSICA É TÃO ALTAMENTE! TU NEM ESTÁS A ENTENDER!”. Nem no tributo ao Japão consegui sentir cinismo. O mundo precisa de mais gente assim. “YOU BETTER MAKE SOME NOISE FOR THIS LAST ONE” gritou o Killer, enquanto perto de mim no público o Stereossauro tentava balançar uma lata de Red Bull na cabeça do Ride.
A partir daí, a coisa só podia descer, e a queda proporcionada pelos Modeselektor (para continuar as metáforas Warner Brothers) fez com que sentisse o mesmo misto de frustração e fatalismo exibido pelo Coiote nas suas frequentes descidas ravina abaixo. Pouco de bom há a dizer sobre o set de Techno genérico, com a inevitável inclusão condescendente de uma faixa dos Buraka Som Sistema, que a banda alemã trouxe ao público (que, verdade seja dita, adorou). Muito pior, no entanto, era a sua presença em palco, com fatiotas de douchebag que pareciam querer confirmar todas as tiradas anti-hipster alguma vez publicadas na internet; casacos de couro, lencinho de Arafat, óculos escuros. Alguns momentos “ei vou fazer de conta que o microfone é a minha PILA!” serviram para dar força a estereótipos odiosos sobre a fraca capacidade humorística dos germânicos; um banho de champagne fez-me pensar se teria acidentalmente entrado num concerto do Steve Aoki. Enquanto isso, notei que o Sol já tinha subido, e sentei-me a ler “Os Filhos de D.João I” ao pé do glorioso Forte Santiago da Barra. Obrigado, Modeselektor, por essa oportunidade.
Desmontada a Cabana dos Parodiantes dos Modeselektor, restou a DJ Koze salvar a honra da sua nação. E começou muito bem, com uma remistura Disco do clássico «Weak Become Heroes» de Streets; infelizmente, o que se seguiu foi um set de minimal bem disciplinado, e pouco adequado para as sete e meia da manhã. A cara “serious DJ is serious” do Koze, por sua vez, deu aos Modeselktor a desculpa para voltarem ao palco e prosseguirem o seu treino na difícil arte de ter piada. E eis que o público também entrou na paródia, com uma tipa jeitosa (anteriormente notável principalmente por andar franticamente a cravar cigarros pelas primeiras filas) a subir ao palco para fazer de conta que estava a passar som. Foi só rir, claro.
Estava o Koze a arrumar as suas cenas, estava um tipo a gritar “só mais uma!” para o palco e estava eu a perder toda a fé na humanidade, quando de repente o amigo do orador se vira para ele e diz “não man, agora é no outro palco!” Ao fundo, na relva, um palco com pinta de programa infantil britânico, e nos controles, a cara familiar do melhor hippie de sempre. Houve uma corrida para o novo espaço de acção, onde já se ouvia doces sons de Disco. E foi nessa sonoridade que o DJ Harvey se manteve pela maior parte do set, com algumas excursões pelo Afro-Beat e pelas bandas sonoras italianas dos anos 70, criando também uma estranha mas agradável ponte para a sonoridade Minimal que tinha dominado anteriormente. Dancei, sorri e fui para casa satisfeito.
Fotografia por Francisco Martins
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