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Russian Roulette

A reinvenção da criação colectiva

Russian Roulette é um projecto de pesquisa e experimentação artística que coloca em jogo, dentro de outras coisas, os modos imediatos do encontro cultural, em que o jogo da roleta russa é o conceito pelo qual assenta toda a metodologia teatral. “Utilizando as características de aleatoriedade e rotatividade, cria uma nova metodologia explorando um novo conceito de criação e encenação colectiva”, como se refere na descrição do projecto. Procura-se potenciar a experimentação a partir da transdisciplinaridade, criando estímulos e promovendo a fusão entre as artes visuais e as artes performativas, entre a realidade e a virtualidade, para questionar a criação colectiva, velho método de democratizar os processos de trabalho através da colaboração participativa sem as hierarquias tradicionais da instituição teatral.

O projecto está a ser desenvolvido pela DEMO (Dispositivo Experimental Multidisciplinar e Orgânico), recente colectivo de performers que criaram um dispositivo de investigação e criação. Em residência no Centre for Contemporary Art Ujazdowski Castle (Varsóvia, Polónia), pode ser acompanhado via web todo o trabalho desenvolvido, com relatórios diários da investigação em live stream, e visualização das performances realizadas semanalmente (ao Sábado), em acção desde 4 de Abril, estendendo-se até 30 de Maio 2011. O Facebook torna-se o locus dos personas deste projecto, imbricando a identidade pessoal com a imaginação ou possibilidade identitária dentro deste evento.

A escolha do Centre for Contemporary Art Ujazdowski Castle prende-se com o facto de este ser uma instituição de grande prestígio e influência na cena artística polaca, bem como, na afirmação de Varsóvia enquanto candidata a Capital Europeia da Cultura 2016. Assim, a residência artística realiza-se no âmbito do programa a-i-r laboratory, no interior do centro cultural.

A estrutura da Roussian Roulette tem por base o número 6. O grupo é composto por 6 performers que durante 6 semanas estarão a trabalhar sobre 6 temas (Underground; Outcast; Celebrity; Environment; Media; Friendship). Estes 6 temas terão de ser tratados numa sociedade desconhecida, em Varsóvia, assumindo-se a demanda de ‘um estranho numa terra estranha’. A roleta russa determinará os papéis que cada performer irá desempenhar em cada performance e para cada tema, dirigida soberanamente por um performer/director. No final, será realizado um trabalho colectivo sem as hierarquias tradicionais do teatro, embora explorando igualmente o trabalho previamente realizado nas performances comandadas individualmente.

Como é que no tempo de uma semana um grupo de jovens artistas constrói uma performance sobre realidades sociais que desconhecem no terreno? Requer uma inserção e pesquisa determinada por cada tema de análise, de onde resultará cada uma das performances e requer rapidez no acesso às realidades correspondentes, para que, neste curto espaço de tempo, surja uma performance construída pela direcção de um performer individual. Aqui, há igualmente (porque não) uma reinvenção do que poderá ser uma possibilidade de turismo, numa sociedade que se pretenda criativa.

O método da Russian Roulette para uma nova criação colectiva?

6 performers em 6 semanas, e 6 temas em 6 performances individuais, uma todos os sábados (o 6.º dia de trabalho semanal). Para a concretização da roleta russa será utilizado um iphone com uma aplicação de um revólver. Em primeiro lugar, a distribuição dos temas estipulados ficará a cargo da instituição de acolhimento que jogará a roleta russa ditando, assim, a sequência dos temas para cada semana. Apenas no início de cada semana será dado ao grupo o tema correspondente (até à escrita deste artigo, na 1.ª saiu Underground, na 2.ª Outcast, na 3.ª Celebrity). Munidos de um tema, resta agora decidir quem é o performer/director da semana e os responsáveis pelas restantes áreas (assistente de realização, de vídeo e luz, de som, de cenografia, e de figurinos).

Durante uma semana todos se submeterão à direcção do performer contemplado que terá a responsabilidade de criar uma performance a partir das saídas para o terreno exploratórias do tema a abordar. A fim de proporcionar uma rotatividade pelas várias áreas, o performer/director da semana anterior apenas entra em jogo depois de sair a primeira bala e repetindo-se o procedimento na distribuição dos restantes papéis.

No final das 6 semanas em que cada performer foi soberano na abordagem a cada tema, no processo de trabalho e criação artística, o grupo partirá para a construção de um espectáculo final embora, agora, respeitando a orgânica natural da criação colectiva, desfazendo as hierarquias e os papéis de criação teatral tradicional, ou a soberania de cada papel no seu lugar. Durante todo o processo de trabalho poder-se-á recorrer a material das performances individuais e/ou produzindo novas abordagens. A estreia deste espectáculo poderá ser visualizada em directo por via de um life stream, possibilitando uma estreia mundial (a língua oficial é o inglês). Simultaneamente, à construção do espectáculo colectivo, construirão de forma gradual uma instalação acumulativa de materiais pertinentes ao processo criativo.

A exploração temática

O primeiro tema foi o Underground, explorando a construção local das micro-comunidades que caracterizam a cidade, e a forma como se relaciona com a emergência de novos movimentos artísticos. O trabalho resultou na performance Digging the Underground.

Já na segunda semana, o jogo determinou Outcast (numa palavra, a exclusão), explorando as rotas na cidade das situações de exclusão social, da forma como ela é construída, e das lógicas de resistência que produzem para uma nova maneira de estar e ser no mundo, da possível inserção que pode emergir da marginalização. O resultado é B_abel.

Celebrity é o novo tema, e procura perceber formas existentes de se alcançar a notabilidade na sua comunidade ou sociedade local, como é que um indivíduo se torna famoso, ou vira mainstream? Environment estuda a intersecção entre o habitat de significado individual (o espaço afectivo, as referências que constituem a sua identidade pessoal) no cruzamento com o espaço público. Como se relacionam e jogam entre si estes dois habitats? Media quer saber, no estado do mundo em que vivemos, como é que um indivíduo se encaixa e é incluído, no senso comum produzido, pelos media? Como realizar um happening que se torne notícia? Finalmente Friendship trata da questão da amizade, da forma como se consegue fazer amigos, quaisquer que sejam os meios de interacção pessoal.

A Russian Roulette que a DEMO nos sugere é uma espécie de fio da navalha dos processos artísticos. Por um lado, ao assumir um relatório diário do processo artístico, corre o risco da estupidificação criada pelos reality shows embora, de igual forma, contribua para a desmistificação do processo artístico e do objecto-rei que esconde processos (ou partilha afectiva do artista ao longo dos processos), e a ideia que por vezes veiculam de que um artista não é uma pessoa (embora não passe disso mesmo). Por outro lado, pela rapidez que a concepção performativa impõe, aliada à imperiosa regra de um performer-director, corre-se o risco da incapacidade em se ter uma resposta suficientemente qualitativa (porque é sempre um work in progress e o tempo é curto) embora, ainda assim, nos diga muito acerca da ansiedade que um artista experimenta para assumir um fim, algo que passa (quase sempre) pela imposição de um deadline. A DEMO pretende ainda realizar esta sua experiência em Medellín (Colômbia) e em Hong Kong e, porventura, assinalar presença em Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura. Até lá, ficamos à escuta na rede social.



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