rdb_vicentmoon_header

Vincent Moon

Sentindo a música pelo olhar. Conheçam o realizador responsável por alguns dos mais importantes documentários musicais nos últimos anos.

Vincent Moon (pseudónimo de Mathieu Saura) não pára. Foram precisos vários mails para arranjar uma data em que pudesse estar sossegado em frente ao PC a dar uma entrevista por Skype, onde falou calmamente enquanto almoçava. “Estive agora duas semanas no Egipto, e em princípio depois de amanhã volto a sair de Paris”, diz o artista a certa altura. “Não gosto de estar parado”.

A Blogotheque, conhecido site onde podemos ver grande parte do seu trabalho, acaba por ser um exemplo dessa mesma afirmação. Lá vemos bandas a tocar nas mais inesperadas e únicas situações, desde os The National a tocar numa praia acompanhados por jovens raparigas, até aos R.E.M a tocar num carro em andamento e passando, claro, pelos Arcade Fire dentro dum elevador. E são várias as cidades percorridas por Moon e a sua camara; desde Buenos Aires a Paris (óbvio, tendo em conta que Moon é francês), desde Montreal a Copenhaga. Grandes vídeos feitos por todo o mundo, com bandas tão diferentes quanto os locais onde são filmadas, num site que é hoje em dia um verdadeiro templo para qualquer amante de música.

“O grande objectivo da Blogotheque era, inicialmente, o de filmar em Paris músicos que fossem de lá. Mas eu raramente filmava bandas parisienses, o que me interessava mais era realmente filmar em Paris bandas que fossem de outros locais. Na altura eu e o meu amigo Chryde, que foi a outra pessoa por detrás desta ideia, interessávamo-nos imenso por Pop, Rock, Folk e tínhamos praticamente o mesmo gosto. Ouvíamos muito as mesmas bandas e queríamos mesmo envolver-nos naquilo. Hoje em dia já não é assim e raramente trabalhamos juntos, mas na altura nós os dois queríamos arranjar forma de nos aproximar destas bandas e de fazer algo novo com elas” diz de forma descontraída.

Quem olha hoje em dia para a Blogotheque não imagina isso, que tudo nasceu da mente de dois amantes de música que simplesmente queriam mostrar de forma nova ao mundo bandas que adoravam. Mas, de facto, foi essa a ideia base de todo o projecto e, ao falar com Moon, fica-se com a ideia de que ele próprio continua a ser exactamente isso: apenas um tipo que adora música. Fala de forma informal e leve, sendo honesto ao ponto de, quando lhe digo ter gostado de “A Skin, A Night”, documentário que fez sobre os The National, me interromper para dizer, de forma muito sucinta, que não gosta nada desse seu trabalho e que desejava que nunca tivesse sido sequer posto à venda. “Na altura queria apenas fazer uma exploração audiovisual, não me ralei minimamente com a banda e em tentar dizer algo sobre eles. Hoje em dia faria tudo de forma muito diferente”.

O mais fascinante em relação à forma como Moon filma é, de facto, a forma como filma qualquer banda exactamente de acordo com aquilo que qualquer banda é: um grupo de gente a tocar música. Não há glamour, não há grandes edições de vídeo, não há grandes meios; há apenas um grupo de pessoas a tocar na rua com alguém a filmar. E se dito assim isto soa fácil e simples, a verdade é que não o é. Quem mais conseguiria capturar daquela forma os Yo La Tengo a tocar rua abaixo? Ou St. Vincent a tocar sentada num banco em Paris? Aliás, quem mais pensaria sequer nisto? Tudo é improvisado no momento, mas Moon cria a união perfeita entre o músico e o local em que tocam. Aquele estilo gratinado, aqueles movimentos de camara quase descordenados… de certa forma, os filmes de Moon são aqueles que mais podemos ver, de facto, a banda como banda e não como qualquer tipo de ícone. E é ali, onde a música é tocada na sua forma mais crua (versões mais simples de cada canção) e num ambiente mais banal e simples (quer seja num elevador ou num banco de jardim), que tudo ganha uma aura que é, no mínimo, poética. São vídeos que não se vêm apenas: sentem-se.

“Basicamente é uma questão de reagir. Nunca tento ter uma visão objectiva quando filmo, acho que isso é perigoso e há que evitá-lo a todo o custo. Quando filmo alguma coisa não digo “isto foi o que aconteceu” digo apenas “isto foi o que aconteceu de acordo com os meus olhos”. Por isso quanto tenho uma câmara nas mãos tento apenas reagir e ser parte do momento. Quer dizer, eu sou apenas um grande amante de música e acho que tenho eu mesmo um bom ritmo na forma como filmo e na forma como sinto a música, como sinto o ritmo. De certa forma, é quase como ser um dos membros da banda”.

E se o objectivo de Moon é ser parte do momento e até mesmo parte da banda, então um dos seus objectivos também fazer aquilo que faz tão bem: filmar cada banda apenas como banda, e não como símbolo ou ícone de algo. É só um grupo de pessoas a tocar música, afinal de contas.

“Sim, claro. Acho que o cerne de tudo isto é a ideia de que toda a gente é o mesmo, e cada um apenas faz algo diferente na vida. Aqueles tipos tocam música, aqueles tipos cozinham… Não há qualquer tipo de diferença. Acho que é isso que tenho tentado pensar, nem sequer de forma consciente. É isso que faço quando filmo, tento apanhar tudo o que está em frente à câmara, sem discriminação. Há ali um músico a tocar, sim, mas às vezes até deixo de o filmar e filmo apenas o que se passa por trás, porque acho isso mais interessante”.

Esse “despegar” da banda é também aquilo que torna o que faz tão único, juntamente com os locais tão banais e simples onde Moon põe cada banda a tocar. Afinal de contas, como o próprio diz, “Filmar uma banda em palco é inútil. Não significa nada e é inútil. O que é que muda? Qual é o objectivo? Não muda nada, é totalmente inútil. Eles estão a tocar a música para aquele público, não a estão a tocar para ti. Desde o início da Blogotheque que quisemos pedir aos músicos para tocarem a sua música de forma diferente; isso sim, é algo.”

Mas, ainda assim, aceitou o desafio quando os Mogwai lhe propuseram a realização de Burning, primeiro filme ao vivo da banda de post-rock. “Ficámos muito contente com o ‘Adelia, I Want to Love’, o mini-documentário que ele fez para nós anteriormente” diz Stuart Braithwaite, guitarrista da banda. “Jamais quereríamos este filme feito por alguém que não tenha o nosso respeito e a nossa admiração completa. E o Vincent adequa-se sem dúvida nessa categoria”.

“Estou muito contente com o resultado final, foi um desafio muito interessante” diz Moon. ”Principalmente porque são os Mogwai, que nem são uma banda muito espectacular ao vivo. O que é que eu faço quando vou ver os Mogwai? O que é que tu fazes quando vês os Mogwai? Fechas os olhos. Como é que se faz um filme sobre uma banda que dá concertos onde as pessoas fecham os olhos? Sabia bem que era um desafio, um desafio impossível até. Mas ok, aceitei, e fiz o melhor para explorar e para experimentar na ligação entre sons e imagens e entrar mesmo em algo muito abstracto, em certas alturas. E foi muito bom, usar estes tons fortes de preto-e-branco e acho que quanto mais te emerges no filme, menos noção tens do sítio onde estás. De certa forma, nunca sabes bem onde estás, no filme. É tudo preto-e-branco, fumo e ruído. Queria que fosse quase como uma experiência física. Quis questionar o próprio Cinema como meio, quis perguntar-lhe “então e com uma câmara podemos obter a mesma intensidade que num espectáculo ao vivo?”. A resposta é não, claro. Mas o que é que se pode fazer?”.

Vincent Moon é, apenas, um amante de música. Não se preocupa em ganhar dinheiro (“Não faço mesmo dinheiro com isto”, diz a certa altura) e quer apenas “retratar as pessoas que adoro”. Como bem diz no início deste artigo, não gosta de estar parado e não sabe bem onde ir a seguir; até porque, como o próprio diz com uma risada, “Neste momento estou a trabalhar em desobrir qual é o meu lugar no mundo. Viajo muito, apenas. Faço o que quero. Tenho imensa gente a perguntar-me “Adoro as tuas curtas, mas quando é que fazes a tua primeira longa?”, e eu muito sinceramente não sei e não me ralo. O que é que isso interessa? Só quero mesmo fazer o que quero e trabalhar com pessoas que adoro”.

Um amante de música que pegou numa câmara e começou a filmar o que amava; música, portanto. Trabalhou já com nomes como Tom Jones ou os R.E.M, e em ambos os casos foram os próprios músicos que tiveram a ideia e lha sugeriram. Filma sentindo a música mas sempre prestando atenção a todo o redor; o que interessa é não tanto filmar o músico, mas antes assegurar à sua música uma união perfeita com a imagem. Devemos-lhe talvez a inauguração de uma nova forma de filmar bandas, onde não há orçamentos de milhões e onde uma banda toca num sítio o mais normal possível. Moon quer ele próprio apenas trabalhar com os artistas que adora, e nota-se em cada vídeo seu o entusiasmo de alguém que por trás da câmara está realmente a sentir aquilo que se ouve. Vive da música, mas não a faz; apenas a sente. E retrata isso mesmo com a sua câmara, em vídeos onde cada música se transforma numa sucessão das mais belas imagens em movimento.

Efectivamente, Moon é tão bom no que faz talvez não tanto pela forma como filma a música, mas pela forma como faz transparecer essa sua adoração pelo que ouve naquele momento em que filma. Adoração essa que, ao fim de contas, acaba por nos tocar. Porque Vincent Moon é apenas um amante de música; e nós também.



There are no comments

Add yours

Pin It on Pinterest

Share This