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Adres

A criança que pinta na rua.

Uma parede branca, se for interior, deve ser preenchida com algo que a decore e minimize a sua monotonia o mais depressa possível. Quando passamos para o campo exterior, a situação muda completamente de figura e assume proporções de crime. É na descrença por esta dualidade que reside o movimento da arte de rua e vivem os seus mais interessantes protagonistas.

Adres, um dos inconformados com o aborrecimento monocolorido das cidades, é um dos membros dessa corrente artística. O seu interesse pela arte de rua é anterior a 2004, altura em que abordou o graffiti. É a partir da arte das inscrições feitas em parede que acaba por resvalar para a técnica por que hoje mais se interessa e domina: o stencil.

Sobre esta técnica, Adres explica-nos tratar-se de “qualquer molde em cartão ou até a própria mão” sobre o qual ao passarmos tinta deixará uma composição na superfície pintada. O stencil não é recente e, de acordo com a explicação de Adres, não parece oferecer grandes obstáculos à sua concretização. No entanto, quando confrontados com o seu trabalho percebemos estar perante algo que desafia a nossa atenção e que vai para além das características históricas e técnicas do stencil.

Um dos melhores exemplos é o famoso “Troco Magalhães por Playstation”, em que Adres usa o stencil para, num belíssimo toque de humor, olhar um detalhe da realidade portuguesa. O mesmo que Bordalo Pinheiro fazia com a personagem Zé Povinho que, nem de propósito, também Adres pinta. São estas as suas principais características que fazem com que aquilo que produz ganhe um toque próprio e se distinga do que demais é pintado e lhe seja facilmente atribuído o devido crédito. Por um lado, o seu humor inteligente e certeiro e, por outro, o aplicar no retrato de pormenores da sociedade portuguesa.

O mesmo se pode dizer quando leva o stencil para o campo das instalações e nos dá coisas como “Demolido de fresco” ou “Confie o seu dinheiro a profissionais”. São como que marcas que Adres deixa, no primeiro caso, em restos de demolições e, no segundo exemplo, em colchões que encontram pela rua em vias de serem recolhidos pelas equipas da recolha do lixo.

Uma das inspirações mais fortes para o seu trabalho é, sem dúvida, a realidade, pois, como nos confessa, “acabo por beber mais da informação de Portugal do que propriamente dos artistas”. Mas não é por causa disso que deixa de olhar para o que é feito em termos de arte, tanto cá dentro como lá fora, e não hesita em enumerar nomes como Tosco, Target, Dirty Cop, C215, Btoy, Sten, Vhils, Dolk, Spy e Banky. Deste último, um dos nomes mais conhecidos da corrente em que Adres se insere, vai buscar sobretudo a habilidade para os jogos de ironia, visível no “Capuchinho Vermelho” que Adres arma de Gewehr 3, a famosa espingarda automática alemã mais conhecida por G3, ou o Polícia de costas para o mundo que devia vigiar. A mesma fonte de inspiração serve para a representação da Criança que pinta na rua, uma metáfora, mista de “ilegalidade e inocência”, do próprio acto de pintar na rua. Sobre o motivo, Adres explica-nos que “se houvesse uma criança que estivesse na rua a pintar, por muito bonito que fosse o que ela estivesse a pintar, ela vai ter de ser igualmente responsabilizada”.

No que toca à fronteira entre ser ou não vandalismo, o artista prontamente nos responde que “acaba sempre por ser vandalismo”. No entanto, no caso de Adres, trata-se duma perversão do termo vandalismo, pois quando olhamos para as suas obras, por pouco tempo que o façamos, não sentimos que houve destruição. Antes sentimos que ganhámos algo que sem a abordagem das obras de Adres naturalmente poríamos de lado ou deixaríamos para mais tarde. No final de contas, é também essa uma das funções da arte e o motivo pelo qual iremos estando agradecidos aos artistas.



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