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8 1/2, 3ª Festa do Cinema Italiano

Findo mais um festival, desta vez dedicado ao cinema contemporâneo Italiano, é tempo para a análise de uma programação cheia de surpresas.

Não é apenas mais um festival, é uma selecção urgente. O Cinema Italiano não é só Fellini, há muito para descobrir. O melodrama, as personagens e os diálogos fulminantes, uma componente social mais forte que a estética dos cenários que outrora deram nome à indústria Italiana.

Mais que isso. 8 1/2 é também uma competição que nos deu a escolher bons filmes que já haviam feito furor lá fora. Esta oportunidade é de ouro, muitos dos filmes são ante-estreias e outros nunca irão passar por cá em cartaz. Este ano a Festa do Cinema Italiano trás outra componente, extensões do festival no Porto, em Coimbra e em Abrantes, levando bons filmes ao país inteiro.

Filmes, então. A grande estreia de “Vencer”, de Marco Bellocchio, épico sobre a mulher que Mussolinni quis esconder, o fantástico “La Doppia Ora”, todos os filmes de Matteo Garrone, “Cosmonauta” de Susanna Nicchiarelli, “Good Morning Aman”, o filme vencedor da competição.

A retrospectiva de Marco Bellochio é outro dos pontos fortes. “I Pugni in Tasca” (Fists in the Pocket) é a primeira obra do realizador. Este filme de 1965 é um poderoso ensaio com travo surrealista, uma pedrada no charco numa sociedade profundamente católica e conservadora, antecipando o Maio de 68. Com esse sarcasmo, Bellochio constrói uma narrativa incómoda, a ascensão da raiva que culmina na morte como fuga à existência dolorosa. A magnífica banda sonora de Ennio Morricone aliada ao humor negro e assustador faz de “I Pugni in Tasca” uma das grandes sessões do festival.

“Gomorra”, de Matteo Garrone é uma espécie de resposta a Traffic de Steven Soderbergh, sem o excesso de espectáculo que o americano faz questão de exibir. É baseado no romance não-ficcionado de Roberto Saviano, sobre a Camorra, uma organização mafiosa que opera na região de Nápoles. O filme segue dois jovens que pretendem também eles serem chefes da sua própria Camorra, mas com a inexperiência e sede de poder que os caracteriza são alvos da sua própria armadilha. Mas é também um relato de várias estórias que se cruzam, muitas vezes de forma confusa, mas que no final resultam num filme intenso, com uma força jovial muito própria, merecedor de atenção.

Uma das grandes surpresas foi, sem dúvida, “La Doppia Ora” de Giuseppe Capotondi. Uma estreia no Cinema aos 41 anos. Nos últimos tempos têm havido poucas incursões pelo legado que Hitchcock nos deixou, o suspense de cortar à faca em narrativas que brincam com a percepção do espectador, dirigidas com o requinte clássico que era a marca do realizador. Este thriller dramático segue esse legado à letra, inventando o esperado twist e oferecendo-o quando estamos já desesperados e à espera do desenlace final, mas o filme vai apenas a meio e esse twist é apenas um acessório, no fundo é um twist inexistente que quando aparece é quase ridículo mas quando o final do filme chega sentimo-nos enganados, no melhor sentido possível, e vamos para casa com a sensação que Capotondi esteve a brincar connosco o tempo todo. Salvo algumas excessivas contemplações melodramáticas e pequenos pormenores de narrativa, “La Doppia Ora” é uma experiência de Cinema à maneira antiga. Clássico.

“Cosmonauta” de Susanna Nicchiarelli segue outro estilo, muito mais próximo do que o Cinema Italiano nos habituou. Passado nos anos sessenta, em plena corrida ao espaço, conta-nos a estória de dois irmãos inscritos numa secção do Partido Comunista Italiano que acreditam que os Soviéticos serão os primeiros a chegar à lua. Nicchiarelli trata de criar uma bonita fábula de adolescentes, com todas as suas contradições, mas que cai demasiadas vezes no lugar comum que é o despertar, a necessidade de sentir. Contudo, é um filme despreocupado, embora por vezes o tom seja sério, com personagens e momentos de poesia vindos directamente da imaginação da eterna adolescência.

Razões não faltaram para assistir a esta verdadeira festa de Cinema, e embora as sessões não estivessem cheias, a importância deste festival cresce de ano para ano. É uma pena ver lugares vazios, porque muitos realizadores portugueses deveriam seguir atentamente estas narrativas para aprenderem como se deve construir um argumento. Porque Itália é já ali ao lado e a sua produção cinematográfica não se compara à nossa em termos de quantidade e, sobretudo qualidade. Essa foi a maior falha de um festival que faz falta, mesmo com a enchente de propostas que enchem anualmente a cidade de Lisboa. Quem perdeu não pode chorar.



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