“Marcelo Rebelo de Sousa” | Entrevista com Vítor Matos

“Marcelo Rebelo de Sousa” | Entrevista com Vítor Matos

A vida do Professor deu um livro

Se fôssemos questionados na rua sobre quais seriam as figuras nacionais mais mediáticas, pondo de lado a azáfama dos programas da manhã/tarde, os segredos e sussurros nocturnos e limitássemos a nossa escolha ao comentário político, poderíamos muito bem esboçar um destes triângulos: Miguel Sousa Tavares, o rolo compressor e implacável da opinião pública; José Gomes Ferreira, o Robin Hood português da vida económica; e Marcelo Rebelo de Sousa, o Professor, diplomata nato e possuidor de um olhar moderado mas sempre acutilante.

Vítor Matos, jornalista de política da revista Sábado e director do site de informação sobre Portugal em Inglês Portugal Daily View, aceitou o convite de A Esfera dos Livros para escrever a biografia de Marcelo Rebelo de Sousa. Biografia essa que rejeitou o habitual modelo à inglesa, em que o entrevistado tem acesso ao manuscrito final e pode propor alterações antes de ir para gráfica, para se tornar em qualquer coisa como uma “biografia consentida”: Marcelo esteve disponível para horas e horas de entrevistas, facultou o acesso ao seu arquivo pessoal e cumpriu todas as regras sem fazer batota.

Durante mais de 600 páginas, a vida do Professor é contada da infância aos tempos actuais, tendo como pano de fundo alguns dos momentos mais importantes da vida política nacional que conheceu: o período de governação de Marcello Caetano, a passagem de Marcelo Rebelo de Sousa pela liderança do PSD e a aliança desastrosa com o CDS-PP de Paulo Portas ou a previsão, em jeito de oráculo, de que um dia se irá tornar Presidente da República Portuguesa.

Falámos com Vítor Matos sobre aquilo que o levou a escrever esta biografia, aproveitando também para lhe pedir que tirasse ao Professor uma radiografia de corpo inteiro.

“Marcelo Rebelo de Sousa” | Entrevista com Vítor Matos

Como é isto de escrever uma biografia não oficial, rejeitando o modelo à inglesa como se pode ler no prefácio?

Como jornalista de política não aceitaria escrever uma biografia oficial a pedido de quem quer que fosse. Mas como a iniciativa foi minha e da editora, informei o biografado de que ia escrever o livro e convidei-o a participar. As regras jornalísticas mandam que se oiçam as partes, e, no caso de uma biografia, se o visado estiver vivo, é parte inteira e deve ser ouvido, a não ser que o trabalho tenha uma finalidade hostil. Não era o caso. O professor aceitou as regras e cumpriu até ao fim. É notável. Não conheço outro político que o fizesse. Nunca me perguntou se o texto ia ser mais positivo ou negativo, nem me tentou sondar a perceber. Nunca tentou que eu tivesse menos liberdade do que ele toda a vida exigiu para si mesmo. Daí que me tenha lembrado da expressão “biografia consentida”: consentiu e colaborou, mas não autorizou o manuscrito.

Como aparece Marcelo Rebelo de Sousa na vida de Vítor Matos ao ponto de valer a escrita de uma biografia?

Foi simples. A Esfera dos Livros convidou-me para escrever a biografia de um político e escolhemos Marcelo Rebelo de Sousa, por ser uma das figuras mais interessantes e populares da política portuguesa. Mal nos conhecíamos. Falávamos por vezes ao telefone, quando eu ligava como jornalista da Sábado.

Até há uns tempos atrás, talvez não fosse tão habitual lançar biografias em vida. O que terá mudado para que tal passasse a ser visto com outros olhos?

Penso que começou por ser um trabalho muito meritório e pioneiro da Esfera dos Livros que começou por abrir esse mercado e por ser seguida por outras editoras.

Apesar do carácter não oficial, a biografia parece escrita por alguém que nutre uma admiração profunda pelo biografado

Quem ler os três volumes da biografia de Álvaro Cunhal escritos por José Pacheco Pereira percebe que há uma admiração profunda pelo personagem, embora o autor não concorde nem um pouco com ele. A história de Marcelo é rara e singular: nasceu e viveu sempre no centro do poder; tem características de excentricidade que são raríssimas no panorama cinzento da política em Portugal; possui um poder de influência sem ter cargo formal que o torna num caso único pelo menos na Europa; a sua carreira política pode ainda não ter terminado.

Marcelo cresceu cercado pela política, como se esta fosse um destino ao qual nunca poderia escapar. O que terá pesado mais, a tradição ou a convicção?

A tradição: porque foi criado para ser um chefe político, que falhou quando perseguiu esse destino e que se frustrou quando o tentou cumprir.

Como vês a ligação entre Marcello Caetano e Marcelo Rebelo de Sousa? Foi algo que, na altura, valeu muitas críticas, principalmente vindas do quadrante esquerdo da política

Para mim, é uma das partes mais interessantes do livro: a proximidade familiar levou à afinidade política. Quando Marcelo Nuno se afasta de Caetano já é tarde, tendo em conta a sua geração. É natural que houvesse críticas da esquerda, porque nessa época não havia espaço para grandes moderações. Nessa altura, Rebelo de Sousa era mais defensor da democracia ocidental do que a maioria dessa esquerda.

Essa relação, ou pelo menos o estado de graça, acabou por terminar quando Marcelo iniciou a sua coluna de opinião no jornal “A Capital”, perdendo qualquer fé na reforma do Regime e assinando um artigo onde criticava a reforma do ensino universitário. Na altura trabalhava no Gabinete de Estudos e Planeamento e Acção Educativa, tendo sido o próprio Marcello Caetano a pedir ao então Ministro da Educação para o demitir

O jovem Marcelo começou a criticar o regime em público e Caetano considerou isso como uma traição, renegando-o política e pessoalmente. Nunca mais o recebeu, nem quando o jovem lhe enviava cartas pungentes. Chegou a pedir à família Rebelo de Sousa para que Marcelo Nuno não a acompanhasse na habitual visita de cumprimentos por ocasião do aniversário do presidente do conselho.

A fundação do MAI (Movimento de Acção Académica) também lhe valeu comentários trocados. Uns acusavam-no de ser um instrumento do regime, outros de uma ideia de direita democratizadora. Onde ficamos?

O MAI presta um serviço ao regime porque a intenção era gerar movimentos anti-associativos (contra as associações de estudantes de esquerda); mas também ninguém consegue controlar Marcelo. Ele veicula ideias moderadas e democratizadoras. Não é fascista nem comunista, está no meio. A sua posição é muito original nessa época.

A passagem pela liderança do PSD ficou de certa forma assombrada pela ligação falhada com o CDS-PP de Paulo Portas. Terá sido esta experiência ingrata que o afastou da política durante todos estes anos?

Sim, porque dificilmente um líder que saia regressa com sucesso. Sá Carneiro foi caso único nesse aspecto. Não diria que ele se tenha afastado assim tanto da política…

Visto de outro prisma, talvez tenha sido esse mesmo afastamento que o terá tornado numa das mais respeitadas figuras nacionais em termos do comentário político; até por gente de outros quadrantes políticos (e mesmo que por vezes a sua posição mais à direita se faça notar). Concordas com esta ideia?

Não. Ele está onde sempre esteve desde 1973, data da fundação do Expresso. Aos 25 anos já era uma das figuras mais respeitadas no comentário político, com muito peso nas elites. Mas só se popularizou e massificou na TVI. Quanto às posições à direita, o partido que mais teme e sofre com Marcelo é o PSD. Quando o PSD está no Governo, o poder de Marcelo aumenta.

A sua devoção ao catolicismo deve ser, por vezes, um fardo difícil de suportar. Sentes que pode haver alguma amargura perante todas as regras e imposições criadas pela Igreja Católica em relação, por exemplo, à impossibilidade de viver plenamente o amor?

Suponho que não viva essas questões com grande angústia, nem religiosa nem amorosa.

Marcelo Rebelo de Sousa pode ainda ser considerado um desenquadrado da direita?

Sim. Ele foi sempre um solitário. Nunca teve uma corte e nunca foi incondicional de ninguém.

No futuro poderemos ver Marcelo como Primeiro-Ministro? Ou apenas o cenário de Presidente da República deve ser levado a sério?

Acho que só é possível o cenário da Presidência.

Marcelo Rebelo de Sousa já te telefonou a dar a sua opinião sobre a biografia?

Não, nem faço ideia sobre o que pensa sobre o conteúdo do livro.

Uma edição A Esfera dos Livros



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