“Anne Frank – Biografia Gráfica” | Sid Jacobson e Érnie Colón
Aqueles que não aprendem com a História estão condenados a repeti-la
Foi Winston Churchill quem disse que “aqueles que não aprendem com a História estão condenados a repeti-la”. Quando pensamos nos graves erros do passado, o Holocausto é um dos que nos surge rapidamente na memória. De todas as grandes atrocidades cometidas ao longo da História da Humanidade, as da segunda guerra mundial têm sido das mais lembradas e focadas nos mais diversos meios de comunicação.
De todos os registos e explorações do tema, houve um livro em particular que continua ainda hoje a constituir um dos relatos mais importantes e fundamentais desta trágica época: o“Diário de Anne Frank”, que tem a particularidade de nos dar a conhecer a impressão desta (sobre)vivência a partir do ponto de vista de uma adolescente judia.
A história de Anne Frank teve um impacto tão forte que tem vindo ao longo dos anos a ser adaptada a outros meios, tais como ao teatro, à televisão, ao cinema e, agora, à Banda-Desenhada. Pelas mãos de Sid Jacobson e Ernie Colónsurge-nos a primeira adaptação oficial em BD desta história, editada recentemente em Portugal pela “Devir”: “Anne Frank: Biografia Gráfica”.
É sempre de louvar uma tarefa destas, onde a partir da BD a história de Anne Frank volta a ser recordada, podendo chegar inclusive a mais pessoas. Nesse sentido, estamos perante uma adaptação que tem uma vantagem logo à partida – a importância da história em questão -, sendo esta mais uma forma de contribuir para a contínua imortalização deste relato. Não é à toa que a frase citada no início do texto se encontra exposta, actualmente, em Auschwitz.
Enquanto dupla, Sid Jacobson e Ernie Colón são dois nomes bem conhecidos da BD em geral e das biografias em particular, tendo trabalhado juntos na adaptação da vida de Che Guevara e dos acontecimentos do11 de Setembro. Desta vez escolheram debruçar-se sobre a vida da família Frank, mais especificamente de Anne, um projecto que contou com o apoio da “Casa de Anne Frank” em Amesterdão a qual disponibilizou todo o tipo de documentos que possuem sobre esta história. Isto, aliado a vários testemunhos de pessoas que conheceram Anne Frank, contribuiu para a construção de uma biografia rica em factos e bastante realista.
Apesar de o “Diário de Anne Frank” assumir um papel preponderante nesta história, uma vez que se trata de uma biografia, Sid Jacobson foi além do livro, avançando tanto nos acontecimentos que lhe são passado como nos que lhe são futuro, dando uma maior contextualidade a toda a história. Desta forma, Jacobson iniciou esta narrativa com o casamento dos pais de Anne e terminou-a a relatar os últimos dias do seu pai, o único sobrevivente do grupo de pessoas que viveu dois anos escondido naquela que é hoje conhecida por “Casa de Anne Frank”, em Amesterdão. Tudo isto alternando com a história do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado por Adolph Hitler, mostrando-nos a sua subida ao poder e posterior declínio no final da segunda guerra.
Em relação às partes da história que se encontram no diário, o autor introduziu excertos escritos pela própria Anne Frank na história que, tendo em conta a abordagem escolhida por Jacobson ao material, resultaram num dos aspectos mais interessantes deste livro.
Em relação à adaptação em si, a voz do autor assumiu um tom académico e de listagem de acontecimentos, ao invés de deixar as personagens fluírem nas suas interacções, o que resultou num tom narrativo rígido e pouco dinâmico. Uma vez que os autores tiveram acesso a toda a informação disponível sobre Anne Frank, e não se tratando esta de uma adaptação literal do diário, seria interessante ver a utilização de todos estes factos na construção de uma novela gráfica. Apesar do tom mais adulto, “MAUS”, de Art Spiegelman, vem à memória como exemplo.
Em termos gráficos, compreende-se a escolha de um traço mais leve por parte de Ernie Colón quando estamos perante um livro que parece mais direcionado para chegar até aos mais novos. Porém, de uma forma geral, estamos perante um desenho desiquilibrado que, apesar de ter bons momento,s é demasiado ínsipido e desinteressante na sua maioria. Uma das mais valias de Colón neste trabalho esteve na aproximação das personagens em relação aos seus retratos originais, algo que o autor trabalhou a partir de fotografias, mas que por outro lado também lhe parece ter dificultado a expressividade das suas faces em determinadas cenas.
No que toca à importância dada ao tom realístico, o mesmo se pode dizer sobre o trabalho do desenhador no que toca a alguns edifícios que surgem na história, nomeadamente a casa em Amesterdão onde Anne Frank viveu com a família escondida e que se encontra caracterizada ao milímetro como era na altura. Na página 80 temos, por exemplo, uma descrição gráfica desta casa que é um dos momentos mais bem conseguidos pelo autor, tanto no traço como na cor que, de resto, está também longe de impressionar, particularmente no padrão de vários vestidos onde se nota um facilitismo digital que não correu nada bem.
Sobre a narração gráfica, sendo funcional para relatar acontecimentos, é pouco cativante para o leitor. Por fim, a balonagem perde com alguns erros relativos ao posicionamento incorrecto de determinados balões em relação à ordem de leitura. Tudo isto deixa bastante a desejar quando estamos a falar de Ernie Colón, um artista que já provou várias vezes que é capaz de muito melhor.
É de salientar a belíssima edição em capa dura por parte da “Devir” e do segmento relativo a sugestões de leitura, organizadas pelos autores para quem quiser continuar a conhecer mais sobre a vida de Anne Frank.
Não se tratasse este livro da biografia de Anne Frank e o destaque que lhe foi dado seria certamente muito menor. Ainda assim o livro cumpre aquilo a que se propõe: contar a história trágica da família Frank e, com ela, dar-nos a conhecer um pouco do que decorreu durante a segunda guerra, em particular a partir de uma jovem que, infelizmente, não a sobreviveu, mas cujo testemunho é ainda hoje recordado e ensinado. Nesse sentido, “Anne Frank – Biografia Gráfica” surge-nos como um livro muito educacional, mas pouco estimulante do ponto de vista da BD, cuja linguagem artística podia ter sido melhor explorada.
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