Musa Collective
Entrevista e Intervenção Gráfica na Ruadebaixo por parte de um colectivo de Design que tem vindo a vincar a sua linha em Portugal: Musa.
A Musa: Portuguese Design Collective é actualmente uma das grandes referências a nível do design feito em Portugal. Constituído por três elementos, este colectivo tem-se esforçado por divulgar o trabalho feito “dentro de portas” e por mostrar que, afinal, nem só no estrangeiro existe qualidade. Para melhor percebermos o que os leva a abdicar de grande parte do seu tempo nestes objectivos e o que se pode esperar deles no futuro falámos com Raquel Viana, uma das representantes do projecto.
Rua de Baixo – Se calhar começávamos por desvendar a musa. De onde nasceu a ideia de criar um colectivo de design para divulgar o trabalho feito em Portugal? Há quanto tempo existem exactamente?
Raquel Viana – Oficialmente a Musa nasceu no Verão de 2003, altura em que nos juntámos e demos corpo a ideias que já tínhamos há muito em conversas de café ou em noites de copos. Nessa altura sentimos que era o momento certo para o fazer, por variadíssimas razões. Daí até o projecto ser lançado ao público foram 3 ou 4 meses de preparação. No dia 6 de Outubro de 2003 lançamos o nosso manifesto numa mailing list recolhida por nós, onde fazíamos o apelo para o projecto, levando as pessoas ao site.
A vontade de fazer um projecto como este surgiu num momento particular das nossas vidas como indivíduos, fez parte da nossa evolução e objectivos a alcançar como profissionais, mas principalmente num momento específico do panorama do design português. Algo pedia por este tipo de projectos.
Rdb: Quem são vocês? Ou seja, o que fazem em concreto e já fizeram, o que pretendem fazer no futuro, não só como colectivo mas também individualmente.
RV: Nós somos 3 designers gráficos, com uma carreira igual a tantos outros. Trabalhamos há muitos anos em ateliers de design.
Inicialmente este projecto surgiu como um hobbie para preencher a rotina e o vazio em que nos sentíamos como profissionais frustrados em agências, mas rapidamente se tornou num objectivo prioritário nas nossas vidas. Neste momento já não é uma “brincadeira” e é um trajecto traçado com objectivos bem definidos para o futuro, que passa por várias coisas como por exemplo a consolidação do atelier MusaWorklab.
Rdb:Quais as principais dificuldades que existem para vingar em Portugal com um projecto como o vosso?
RV: As dificuldades normais de qualquer projecto em qualquer área em Portugal. Somos um país ainda em desenvolvimento e com muitos problemas a nível económico, e isso, como é óbvio, tem influência em tudo. Os apoios são inexistentes e a caminhada que traçares tem de ser feita sozinha, por ti. Se não forem pessoas muito persistentes e com uma grande capacidade de luta e de saberem o que querem e onde querem chegar, é fácil desistir a meio. A dificuldade é precisamente essa, continuar a acreditar sempre.
Rdb: Achas que os objectivos principais da criação da Musa têm sido alcançados? Há agora uma maior noção da qualidade do design nacional?
RV: Os objectivos iniciais foram largamente alcançados. Quando lançámos o projecto, nunca pensámos chegar tão longe e em tão pouco tempo. As coisas foram fluindo e crescendo, e foram surgindo novos objectivos sem nós quase nos darmos conta.
Mas queremos mais e hoje vemos os objectivos iniciais como pouco. Fomos crescendo e os nossos objectivos também. Hoje somos mais ambiciosos. Acho que, como qualquer designer ou indivíduo, vais tendo outra maturidade e vais traçando novos caminhos, vais ultrapassando etapa a etapa mas tem de existir sempre uma meta mais à frente.
Acho que a par do nosso projecto surgiram muitos outros, alguns deles que nós apoiámos e que ajudámos a darem o salto, e com isso surgiu principalmente um despertar de um certo tipo de design mais experimental e urbano, mais livre de regras, que estava escondido. Olhava-se muito lá para fora apenas, e cá dentro andávamos todos dispersos sem nos darmos a conhecer uns aos outros. Acho que foi aí que o nosso projecto despertou a vontade que existia dentro de muita gente. Acho que essa noção do design português não foi obra nossa, mas espero que tenhamos ajudado, assim como todos os projectos que surgiram desde aí .Todos tiveram a sua dose de contribuição.
Rdb: Em que medida é que iniciativas como esta são necessárias para a evolução do meio?
RV: Como em tudo, qualquer iniciativa é bem-vinda, desde que venha contribuir com alguma coisa, por pequena que seja. Acho que este tipo de iniciativas é sempre bom para “mexer” com as pessoas e com o meio porque as espevita. Os portugueses sofrem um bocadinho de inércia por vezes e o surgimento de projectos como estes são não só são estímulo para quem se empenha neles como para os que estão de fora.
Rdb: Que achas da situação actual a nível de Design em Portugal? Há mais internacionalização?
RV: Hoje há mais nomes e projectos a serem divulgados a nível internacional. Não é que antes não houvesse, mas eram apenas uma elite. Hoje em dia parece-me que o leque se alargou. Ser feito um artigo de várias páginas sobre o design em Portugal na IDN, que irá sair brevemente, com destaque para alguns projectos portugueses, penso que seria impensável para muitos há uns anos atrás, assim como vermos nomes portugueses hoje em dia convidados para participar ao lado das grandes referências internacionais.
Rdb: A falta de raízes de design no nosso país, pesa assim tanto na evolução da cultura visual de um modo geral?
RV: O design é muito recente em Portugal, ainda estamos nas primeiras gerações e isso é visível na sociedade; ainda somos um país com uma cultura visual pouco explorada. A profissão de designer é pouco reconhecida e isso dificulta, de uma forma geral, a valorização e evolução do design em particular.
Rdb: As grandes influências do design vêm basicamente do estrangeiro, das grandes metrópoles. É mais fácil arranjar bons projectos de design fora de portas?
RV: “Cá dentro” poucas pessoas estão preparadas para desafios “alternativos”. Não por falta de talento mas porque ainda não estamos focados para isso ou talvez não tenhamos maturidade suficiente. Mas existem muitos bons projectos nacionais e esperemos que apareçam cada vez mais. Acho que é essa a tendência. Toma-se por isso mais fácil descobrir projectos de design a nível internacional.
Rdb: Poderá o Design ser considerado Arte numa forma pura e criativa?
RV: Essa é uma pergunta polémica.
Arte faz alguém que é criativo que, como o nome indica, cria. A criação de uma peça original que exprime um sentimento estético em relação a algo, que comunica. Tudo isto, como nas outras artes, música, pintura, escultura, cinema, arquitectura, também acontece no design.
Os puristas do design não concordarão com a nossa visão, mas penso que o design hoje em dia é sem dúvida também uma forma de arte. Não vemos as áreas assim tão separadas e acho que na actualidade deixou de fazer sentido. O que é ilustração, o que é design, ou que é arte, hoje essas fronteiras são muito ténues e penso que a tendência é deixarem de existir.
O design pode ser encarado tanto na sua génese forma/função quando fazemos um trabalho para solucionar um problema concreto, como pode ser visto na sua versão mais livre e pura sem restrições de clientes e briefings, e por isso não deixa de ser design. Não é ilustração, não é pintura, são novas formas de encarar o design. Os designers são por isso hoje em dia também novos artistas plásticos.
Rdb: A Musa caracteriza-se pela incursão em várias iniciativas. O vosso projecto principal será talvez o lançamento do Musabook. Podemos contar com ele para breve? Quais os designers seleccionados para sair nele?
RV: A lista dos designers seleccionados pode já ser vista no nosso site no link MusaBook. Em relação ao lançamento do livro podemos avançar que será para breve. A espera deveu-se apenas à nossa exigência de uma editora internacional e às dificuldades que surgiram numa primeira fase que nos obrigou a uma segunda fase de recolha de mais material. Este é sem dúvida um dos pontos fundamentais para nós, e que queremos ver realizado o mais depressa possível. Sabemos da ansiedade de todos, mas penso que a espera será por uma boa causa. Não podemos divulgar nomes por enquanto, por uma questão de negociação com a editora, mas se este objectivo se concretizar como esperamos, será sem dúvida um patamar que conseguimos alcançar.
Rdb: Além disso são também responsáveis por projectos como a NLF Magazine, Elephant Motion e o Re:tro. Estes dois últimos ainda não saíram. Queres revelar um pouco mais sobre eles e quando está prevista a sua saída?
RV: O elephant motion era uma das nossas prioridades iniciais, mas não esperávamos que os outros projectos e a Musa em si crescesse tanto e nos ocupasse tanto tempo. O lançamento do elephant acabou por ficar assim adiado pela nossa disponibilidade. Neste momento o projecto encontra-se quase pronto e esperemos lançá-lo muito em breve.
Em relação ao re:tro, é um projecto com muita margem de manobra e que dará largas a muitas actividades de certeza. Temos várias ideias quanto a isso, mas que neste momento tem sido impossível dedicarmo-nos a ele como queríamos. Infelizmente o tempo não dá para tudo, e para além disto tudo somos pessoas com vida própria.
Rdb: Há novos projectos em vista?
RV: Haverá sempre projectos em vista. Estamos sempre a fervilhar de ideias e com vontade de fazer mil coisas, mas o segredo está em conseguir focar as prioridades, o que é mais importante e ir por etapas, não dispersando. Traçar um caminho e conseguir acabar não nos perdendo, não é fácil.
Aprendemos, e acho que o nosso sucesso enquanto colectivo deve-se a isso mesmo, as ideias passarem à pratica e a conseguirmos realizar e acabar o que nos propusemos. É esse o nosso objectivo principal.
Rdb: Sei que as vossas influências vêm de todos os campos, das coisas do dia-a-dia. Em termos de designers, quais os vossos favoritos e que mais acabam por influenciar também?
RV: De uma maneira geral, quase todos. Acho que todo o percurso de um designer constrói o que ele é hoje, por isso as referências vêm de todo o lado. Desde o brody e carson até hoje aos DR, build, Rinzen,Buro, Ded associates, neubau, Non-format…
Rdb: Quais os vossos projectos nacionais favoritos?
RV: Temos alguns nomes que sempre foram nossas referências como a RMAC. Foi um marco para a nossa geração, crescemos com o seu sucesso e qualidade.
Depois temos outros de que inevitavelmente temos algum carinho, não só porque apareceram ao nosso lado ou nos cruzámos em algum momento. Desde a Dialéctica e VectorBrigade, à Krv kurva, Passvite, Tipos de Portugal, Secretonix, Conspira, Experimenta design, até a nomes que ainda estão a dar os primeiros passos e às novas gerações como o Caracolas, niponik…e muitos outros que podíamos agora referenciar.
Rdb: Para terminar, podes tecer um comentário à actual comunidade de design em Portugal?
RV: Resistam, e lutem sempre contra o pensamento português e a atitude crítica em relação a tudo o que se faz cá dentro. Cabe-nos a nós mudar. Cabe-nos a nós o design em Portugal neste momento. Não deixem de acreditar nunca.
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