Nema Trevo
"Projecto quer dizer que dura mais seis meses. Ou oito. Nós queremos mais tempo.”
Henrique Lopes, Ivo Monteiro, Vasco Rodrigues, e Zé Nuno Almeida atreveram-se. E o resultado está à vista. Definem-se como “Quatro gajos/ Four gajes/ Vier… gajos/ Quatre mecs/ Cuatro tíos” e nunca, jamais, como “projecto”. E porque não consideram a banda um projecto? Porque há duas coisas das quais podemos ter a certeza: “uma delas é que, na vida, não há “produtos acabados”, portanto, não há necessidade nenhuma de atares, debaixo essa justificação, tudo o que se passa no meio artístico ao termo “projecto”. “Projecto” quer dizer que dura mais seis meses. Ou oito. Nós queremos mais tempo.” Do Porto trazem “Dauphin”, e o melhor será mesmo encontrar o tempo para o ouvir.
Afinal, quem são os Nema Trevo? Do que nos diz Ivo, “Somos nós: eu trato do catering; o Vasco é produtor; o Henrique tocava baixo e agora toca guitarra portuguesa; e o Zé é um ansiolítico.” São descontraídos no tom, mas transpiram honestidade. Aliás, são as coisas honestas que os movem: “É como quando alguém te beija: há quem te ame e há quem só queira o teu dinheiro. Eu gosto de saber que há amor no gesto – e não o digo dum ponto de vista egoísta: não preciso de sentir que as coisas acontecem para mim, só preciso de sentir que a cena parte daí.”
Lançaram “Dauphin” com a consciência de que um disco não se promove sozinho, e assumem: “estamos a fazer o que podemos”. As estratégias de promoção que escolheram primam pela diferença. Veja-se a “provocação” ao público: “Contamos com a vosso tempo para o ouvir, podendo desde já assegurar que o disco não vai agredir-vos. No máximo, pode não bater certo com a vossa cabeça, contudo, nós sabemos que vocês sabem que isso não é risco que chegue para amedrontar uma Pessoa.” Não escolheram um marketing alternativo, se assim lhe podemos chamar, por “convicção” ou por “inovação”: “é necessidade”. Até porque “os discos não andam nem falam”. E, reiteram, o disco não foi criado enquanto desafio ao público. “É um facto que explorámos estruturas diferentes e recursos estilísticos pouco comuns, mas não propositadamente para erguer uma barreira.” Até porque a recepção está a ser positiva, ainda que a assumam por enquanto “fechada dentro dum círculo que nós criámos, feito de amigos, alguns conhecidos e o fã casual.” O esforço será agora “tentar chegar aos estranhos desse mundo.”
E ainda que “Dauphin” efectivamente por vezes possa “não bater certo com a cabeça” de quem o ouve, há que acreditar na abertura enquanto ouvinte de música “porque a verdade é que, ao superares o desafio, costumas encontrar coisas realmente especiais.” As palavras que irradiam da composição musical original e irreverente parecem surgir naturalmente, num momento perfeito de encaixe. Aliás, reconhecem: “a ordem é precisamente essa. Pelo menos neste disco foi.” Não excluem, até parecem por vezes desejosos de explorar, uma outra forma de fazer as coisas. “Se chegarmos definitivamente à conclusão que queremos outra coisa, vamos procurar pelas palavras antes.” E ainda que pela complexidade musical nos façam crer o contrário, é a letra que se lhes surge exigente: “a música não nos exige tanto esforço. Uma letra, uma expressão verbal seja do que for, está sempre ao fundo dum dia que nunca mais acaba. É… quase violento.”
Em «View», single de apresentação, essa violência criativa fica longe da nossa visão. O cenário é idílico, é quase como se a voz gritasse insatisfação, mas simultaneamente sussurrasse comodismo. Claro que tudo parte de uma leitura própria de quem ouve e atribui significado. Se isso preocupa os Nema Trevo? “Quando nos comprometemos com um arranjo e uma letra, sabemos, olhando para donde viemos, o que aquilo é para nós e somente para nós. De uma certa forma, podemos dizer que isso é precisamente o que gostávamos que a canção fosse, na sua essência. Contudo, não podemos ser egoístas no que toca à arte.” Até porque assumirem-se enquanto banda é, na sua essência, assumir partilhar. “A partir do momento em que a tocas para alguém, ela deixa de ser só tua e passa a ser também de quem a ouve (…) Há que respeitar isso, porque, no fundo, é a derradeira beleza do objecto artístico – a capacidade que ele tem de se abrigar dentro de nós e de se dar à nossa consciência, e evoluir a partir dela.”
E para a partilha que lhes é exigida assumem-se preparados. Apenas recusam ser rotulados. Essa é a única barreira que se permitem erguer ao público. Sem preconceitos, pré-definições, ou clichés na definição, os quatro audazes rapazes merecem uma visita. Com tempo. E sem receio de serem surpreendidos.
There are no comments
Add yoursTem de iniciar a sessão para publicar um comentário.
Artigos Relacionados