Ovarvideo 2009
Realizado pela primeira vez no Centro de Arte de Ovar, o grande vencedor da 14ª edição do festival foi um filme em película. Rescaldo de 14 anos de Ovarvídeo com Ana Vila Real, o rosto mais visível da organização.
O Ovarvideo 2009 decorreu entre os dias 17 e 22 de Novembro, com 26 obras a concurso na sessão competitiva e mais de cinquenta filmes em mostra, divididos pelas várias sessões. À 14ª edição é impossível não se pensar em como o Ovarvideo cresceu. O festival deixou o cantinho sombrio que era o salão de festas do velho Cine-Teatro para se alojar no Centro de Arte de Ovar. Esta edição foi a ideal para potenciar uma reflexão sobre o trajecto do festival. A culpa é, em grande parte, da casa nova.
“Penso que, após 14 edições, o Ovarvídeo já alcançou um lugar incontornável no panorama dos festivais portugueses e tem credibilidade junto dos realizadores e produtores nacionais”, as palavras são de Ana Vila Real, o rosto mais visível da organização. Portugal e nacional são as palavras mais repetidas no seu discurso, à imagem do próprio evento, que tem ganho o seu espaço e identidade por limitar as obras a concurso à produção “feita por cá”. “Embora reconhecendo maiores dificuldades, nomeadamente na atenção dada pelos meios de comunicação, acredito que o Ovarvídeo deve continuar a trilhar o caminho até aqui percorrido: dar especial atenção à curta-metragem nacional que, noutros festivais Portugueses, representa uma fraca percentagem da sua programação.
Ao receber o merecido grande prémio do festival pelo belíssimo “Arca d’Água”, André Gil Mata confessou que lhe era estranho receber a única distinção num festival de vídeo uma vez que tinha rodado o filme em película. Aquando da primeira edição o nome deste festival fazia um sentido que é hoje impossível. “Há umas décadas atrás o fenómeno do vídeo teve uma expressão muito característica. Pelos motivos óbvios, existia realmente uma linguagem própria do vídeo, que nada tinha a ver com a linguagem do cinema.(…)Hoje em dia, essas diferenças – a nível de linguagem, claro – já não existem, de todo.”
A promiscuidade, se assim se pode dizer, entre o vídeo e o cinema fizeram com que aquilo que foi chamado de vídeo-arte fosse caindo em desuso. O festival adaptou-se, mas continua sensível ao formato video. “Inicialmente, o festival não aceitava filmes rodados em película mas dada a profusão de formatos então aparecidos, era muito difícil manter essa imposição. (…)Neste momento, o festival dá “preferência” a trabalhos rodados em vídeo, mas o factor “qualidade” nunca pode ser esquecido.
De volta a 2009, as infra-estruturas pela primeira vez disponíveis permitiram dar outra dimensão ao festival com a realização de sessões para escolas, uma exposição e várias instalações vídeo. “Apesar de achar o velho Cine-Teatro um edifício emblemático, acho que o festival merecia um espaço mais digno. E o Centro de Arte de Ovar tem, sem dúvida, essa dignidade, embora seja de opinião que ainda há questões, a nível de condições técnicas, a melhorar.”
“Tanto a exposição como as vídeo-instalações foram produzidas por pessoas de Ovar, a primeira pelo colectivo “Arte às Tantas”, formado por jovens e as vídeo-instalações por outro colectivo, “Orelha Invisível”. Estas actividades são de extrema importância, pois permitem uma expressão criativa complementar às exibições.” No fim, e “apesar do problema da fraca afluência de público de Ovar” o balanço “é positivo”.
Sessão competitiva
Os festivais são feitos de filmes e este ano a competição não defraudou o público do Ovarvídeo. O júri foi constituído por José Miguel Moreira, Solveig Nordlund e Vítor Almeida. Houve fulgor em muitas das obras presentes e o destaque é “Arca d’Água”, de André Gil-Mata, que conquistou a distinção para o melhor filme a concurso. Uma poética viagem pelas memórias e fantasmas de um homem que vive a bordo de um barco, por si construído, num lago rodeado de prédios.
O filme foi produzido por Rodrigo Areias, uma figura do palmarés desta edição que escreveu, produziu e realizou “Corrente” ( um dos melhores filmes exibidos) ambientado na vivência e desejos dos habitantes de uma aldeia de mineiros. Um filme cheio de ecos de Jim Jarmusch. Prémio de Melhor Argumento e Melhor Fotografia.
Artur Serra Araújo, um jovem cineasta mas já habitué dos festivais portugueses é o realizador de “Desavergonhadamente Real”. Com interpretação de Ivo Canelas (brilhante como sempre) o filme apresenta uma sensibilidade diferente dos dois anteriores. Durante a rodagem de uma “cena de cama”, dois actores deixam-se levar pela tensão sexual e o real e o ficcional vão se esbatendo. Araújo não facilita nem ao lamechas nem ao exploratório e consegue uma bela obra, que é também divertidíssima e sabe potenciar o carisma dos seus actores. Prémio para Melhor Som.
De José Miguel Ribeiro, criador de “A suspeita”, chega-nos “Passeio de Domingo” mais uma conseguida comédia de animação. O imaginário, como sempre, é rico e as personagens rapidamente conquistam a
empatia de quem os vê. Prémio do Público e prémio Melhor Montagem.
O Prémio Jovem Criador foi para “Smolik”, de Cristiano Mourato, uma animação sem narrativa convencional mas com um sentido de movimento e uma musicalidade assinaláveis. “O trabalho de uma ideia sobre dança contemporânea/performance humana e a sua abstracção de emoções, e como tirar vantagem na congregação deste tema com o cinema de animação”.
Esquecidos pelo júri mas não certamente pelo público, encontram-se dois dos melhores filmes a concurso: “Tony”, de Bruno Lourenço e “Mi Vida En Tus Manos”, de Nuno Beato. Os dois não podiam ser mais diferentes. No primeiro destaca-se o riquíssimo imaginário, palpável a cada fotograma, nesta história que se passa num concurso de karaoke dedicado às velhas glórias da canção portuguesa. O “Tony” do título é o Tony de Matos, ou melhor, o seu imitador. Esta obra cheirava a longa-metragem por todos os lados e a avaliar pela reacção do público no fim da sessão, ninguém se importaria se assim fosse.
Foi com alguma estranheza que vi “Mi Vida En Tus Manos” escapar aos prémios. A animação de Nuno Beato em sete minutos aborda a tourada e as suas dicotomias morais. A tradição, o glamour, a paixão, a matança, o amor vão desfilando numa rara mestria dramatúrgica que não cede ao óbvio e envolve o espectador. Um filme com coração que é conceptualmente e tecnicamente coeso.
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