Pongo Land
Os dois habitantes da Pongo Land foram ao CCB apresentar a sua terra. Os opostos complementam-se, no cerco dos macacos.
‘Nós somos os primeiros macacos, os únicos, ou simplesmente não vemos os outros?’.
Nuno Lucas e Hermann Heisig foram os primeiros na edição de 2009 do projecto BOXNOVA, no CCB. Estrearam a sala envoltos de divergências corporais manifestas, só contrariadas pelo magnetismo dinâmico entre os dois, que se vai descortinando até se tornar numa instintiva relação de igualdade física, informal mas dependente, que levanta a curiosidade e aguça a intriga do público.
Se contam sobre eles próprios desatam logo em graçolas. Não sabem se falam português ou inglês, misturam-nos bem, mas põem o alemão de parte, pelo menos por cá.
O Nuno é português, nasceu nas Caldas, vive em Berlim, estudou teatro, musica, economia, dança e, para além disto, ‘não faço mais nada’. O Hermann é alemão, começou a dançar em 1997, estudou e exerce em áreas como a improvisação, coreografia e dança. Estão em Berlim desde 2000 com diferentes projectos.
Conheceram-se em 2007, em Montpellier, França, onde frequentaram um curso de coreografia, e foi vontade de continuar juntos à primeira vista. Tinham toda a liberdade e os professores empurraram-nos, desde logo, para o recurso à imaginação e para a matriz do ‘Safem-se! Não esperem a papa toda feita’. Assim fizeram. Optaram por seguir comédia, e foram os únicos. Continuaram a evoluir e quiseram seguir em frente, ir mais fundo.
Foram para Leipzig, Alemanha, descobrir o Zoo, mesmo no centro da cidade, dividido por zonas. Inspiraram-se numa delas, a Pongo Land, uma área artificial minada de chimpanzés e orangotangos. Aqui conceberam o primeiro esboço criativo, de partida para outras direcções ‘Foi um passo, não foi O passo’, concordam. ‘Também gostámos do exotismo do nome. Ninguém conhece esta terra’. Pensaram então num Zoo como um espaço de exposição (o palco) e fundamentam este tipo de voyeurismo ‘É estarmos expostos às pessoas, a olhar para elas, que também nos estão expostas… uma espécie de paralelismo. Surge na dimensão de um país primitivo a ser construído, com regras, e nós representamos os primeiros passos da obra a edificar’.
Sobre a interacção dos seus corpos díspares e seminus, no mesmo espaço, Herman admite a existência de alguma coisa especial e discordante nos movimentos exagerados da peça ‘Depois esta coisa de eu ser alto, e o Nuno…não tão alto’, ao que Nuno riposta ‘Sim, ele não gosta de me chamar baixote!’. Mas logo assumem o carácter mais sério da provocação dúbia ‘Isto são coisas a que as pessoas começam por reagir com riso, mas como articulamos num contexto de dança contemporânea, é cómico perceber que as pessoas não sabem se é permitido rir. Não diremos que Pongo Land é uma comédia, mas está relacionado, sem dúvida, com o riso. É algo intermédio. Uma situação engraçada mas sobretudo a ambiguidade criada no publico, sobre a reacção e o efeito nas pessoas. A mais-valia será saber que é possível ser visto por pessoas de todas as idades e criar um efeito diferente sobre a percepção humana. A comédia produz entretenimento e riso. Esse é um objectivo, mas não é a nossa preocupação. O que fazemos é uma peça de dança e, essa sim, é a nossa preocupação’.
Depois de saber, há cerca de 2 anos, que o CCB estava interessado em novos projectos, novos artistas, o Nuno foi conhecendo uma dinâmica de promoção de jovens artistas e candidatou-se à BOX. Recebiam 1200 Euros brutos e responsabilizavam-se por toda a produção da peça com este orçamento, em troca da possibilidade da sua apresentação no CCB, de toda a divulgação inerente à promoção da performance e das condições técnicas para apresentar o trabalho, cedidas por este espaço.
O duo exibiu o contentamento pela decisão que lhes foi favorável, e agarrou a oportunidade de estrear a peça em Portugal, sob grande expectativa.
Só querem (continuar a) ser artistas, não correm na mainstream das lamentações de ‘La Crise’ e consideram-se uns privilegiados por já terem espalhado as suas criações pela Alemanha, com apoios e espaços para ensaio, na Suíça, em França e um pouco por todo lado onde possam, sempre em constante mutação dos trabalhos que ambicionam evolutivos.
Têm referências por todo o lado, que estão sempre a mudar, ou a aumentar. De momento respeitam franceses, alemães, professores, ex colegas, apontam nomes como Miguel Pereira, Márcia Lança, Meg Stuart, Jonathan Burrows, Xavier le Roy, Vera Mantero, João Fiadeiro, de um e do outro, e lamentam a injustiça de esquecerem tantos mais.
Em Portugal, como na Alemanha, acreditam haver mais arte do que dinheiro. Mas Hermann ainda consegue espantar-se com a existência de algum tipo de concedimento de arte ou cultura no interior do nosso país, depois de cá ter estado a actuar em Abril do ano passado, em locais como Vila Velha de Ródão (e o que lhe custou pronunciar esta). ‘Aquele sito é fantástico! Não poderia existir na Alemanha, com este sentido artístico. Ninguém lá ofereceria um espaço para produções artísticas, no campo!’.
Nuno encontrou aqui uma boa oportunidade num espaço com condições, ainda que limitadas ‘Tive que andar à procura deste linóleo (para o chão) por toda a cidade de Lisboa, em várias instituições! Só para fazer uma ideia do que tem de se fazer para trabalhar aqui em Portugal. É um esforço, difícil em todo o lado, mas também uma questão de estratégia; de definir o que queres para a vida. Não quero trabalhar para uma só pessoa durante 5 anos, mas sim ter colaborações regulares, trabalhar como intérprete, bailarino, coreógrafo… Iremos onde tivermos oportunidades. Já não há recurso a um só lugar que signifique a solução para os nossos problemas. Mesmo as instituições de grande património, com pessoas e experiência enormes, usam sempre uma noção de sinergia de recursos, que já é transnacional. Na dança contemporânea isso é muito evidente. Ou seja, não é suficiente ficar aqui, num só espaço. Há uma grande necessidade de mobilizar recursos, o que exige também uma precariedade a nível da nossa vida pessoal, como é obvio’.
‘Não são os recursos que vêem ter com os artistas, são os artistas que vão ter com os recursos. Tanto lá como cá. Sempre’.
Chegar ao que se quer ser envolve um longo processo, uma mistura de muito mais que um dia, sorte, talento, aproveitar situações, contextos e oportunidades. Hermann concorda e repara que ‘agora que temos vinte e tal anos (risos?) e acabámos os estudos, é também o momento em que sentimos que existe um mercado para a Dança. Não é um mercado real, porque o dinheiro vem do Estado e instituições privadas, mas há um certo esquema e sinto que estamos a entrar nele na posição de jovens artistas. Significa que, dentro nestes limites, podemos também angariar residências e trabalhar. Isso é muito bom! Mas não deixa de ser um esquema e de nos fazer questionar como serão os ‘quarentas’, se não tivermos uma estrutura que sustente o nosso trabalho?‘. Reforça com o exemplo natal ‘Na Alemanha 20% dos artistas trabalham com e para o Estado. Mas os outros 80% não deixam de ter trabalho. É interessante seguir o que fazem, e perceber como o fazem!’.
Gostavam de conhecer a fórmula magica para pensar no futuro, sem sentir o medo, respeito e desconhecimento inerentes a ela.
‘Começamos a querer agradar a toda a gente, e temos medo de criar um padrão de homogeneização. Porque isto não pode ser igual para toda a gente. Queremos que nos vejam, mas não nos queremos mostrar ao agrado de todos. É um encontro. Temos esta ideia mas sabemos que existe o perigo da dança contemporânea se tornar numa coisa plana, onde os mercados nos puxam a tomar as suas decisões, não as nossas. É difícil saber como sobreviver neste meio, quando temos de pensar em nós e, simultaneamente, nos outros’.
O mito da subordinação entre artistas e instituições fica desmistificado pelo Hermann ‘Elas (instituições) não podem atender a todos os nossos desejos, nem nós podemos servir exclusivamente os de uma instituição. Temos de negociar. É um negócio, muito produtivo’.
E os ‘macacos’ terminam com vontade de recomeçar. Como se não houvesse amanhã.
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