SBSR 2014 | Dia #1 (17.7.2014)
Está de parabéns o Super Bock Super Rock
Está de parabéns o Super Bock Super Rock (SBSR). Com duas décadas em cima, algumas mudanças e variações geográficas, assustadoras nuvens de pó e filas de trânsito a fazer lembrar o regresso da Costa de Caparica numa tarde de Domingo, o certo é que o Festival ofereceu alguns dos mais excitantes concertos que passaram pelo País em modo festivaleiro, e seria já difícil viver sem um evento que, apesar da ligação gramatical ao rock, soube acolher também – e felizmente – outro tipo de sonoridades, trazendo até nós muito do que de melhor se vai fazendo no universo musical.
Os Metronomy, banda nascida quase por acaso no quarto de Joseph Mount, não conseguiram apresentar em palco toda a sua criatividade e, sobretudo, revelar as múltiplas camadas de que é feito o seu sonho pop. Com um som pouco definido que usou e abusou dos graves, vieram à tona as maiores debilidades do grupo, como o facto de Josh Mount ter uma voz pouco dada a levantar grandes multidões. Isto apesar de a banda ter dado mostras de uma paixão e entregas coreográficas que, há uns anos em Paredes de Coura, lhes valeu um concerto exemplar e muito apaixonado. Desta vez isso não foi suficiente, valendo-lhes uma actuação pouco inspirada.
Contagiados pelos ares veraneantes que chegavam do areal do Meco atravessando qualquer indício de poeira, os Tame Impala assinaram um dos melhores concertos que já passaram pelo SBSR neste seu mais recente poiso. O quinteto constituído por Kevin Parker, Dominic Simper, Jay Watson, Nick Allbrook e Julien Barbagello conseguiu superar ao vivo tudo aquilo que já apresentou nos seus dois LP’s: uma mistura bem doseada de psicadelismo, folk e pop, que faz deles uma das mais inventivas bandas destes dias.
Acompanhados por projecções visuais embebidas em psicadelismo e uma definição sonora a tocar a perfeição, o maestro Kevin Parker levou-nos numa extasiante viagem através do deserto australiano, para a qual não foi necessário recorrer a substâncias psicotrópicas para alcançar o tão almejado estado máximo de contemplação.
Para além de exímio guitarrista, Kevin Parker tem uma voz capaz de encantar serpentes, oferecendo com os Tame Impala o sonho pop que os Beatles, se tivessem seguido o apelo da sua fase mais endiabrada e alucinada expressa exemplarmente em “Revolver”, não teriam certamente desdenhado. Um triunfo absoluto.
Com quase vinte e cinco anos de carreira e “apenas” cinco discos de originais, os Massive Attack continuam a ser uma das mais enigmáticas e inebriantes bandas da actualidade, mantendo-se por opção longe das luzes da ribalta mas aparecendo, de tempos a tempos, para mostrar ao mundo as suas feridas mais profundas.
Numa altura em que a Faixa de Gaza vive momentos de quase genocídio, os Massive Attack apresentaram no Meco um concerto de contornos políticos, carregado de negrume e apontando a uma introspecção colectiva. Algo como um convite para nos deitarmos num confortável sofá e deixarmos que todo o nosso inconsciente fosse servido, de bandeja, a uma psicanalista dedicada.
O colectivo liderado pela dupla 3D (Robert Del Naja) e Daddy G (Grant Marshall) está definitivamente zangado, ainda mais do que o expressou em “Heligoland”, o longa-duração lançado no ano de 2010. A banda revisitou cada um dos seus discos – além de ter apresentando alguns originais mais dançáveis – vestindo cada um dos temas, mesmo os aparentemente mais calmos – com roupa camuflada à espera de um combate iminente, cerrando os dentes e aguardando nas trincheiras pelo cheiro da carnificina.
Visualmente exemplar, o espectáculo dos Massive Attack foi acima de tudo um convite ao questionamento da ideia de Humanidade, apresentando frases e mensagens – muitas delas escritas em Português – sobre a forma como o mundo mudou tanto em tão poucos anos, e não necessariamente para melhor: a bem oleada e proveitosa máquina de guerra, o peso das grandes corporações, a intolerância dos governos, a manipulação dos media, o Google como enciclopédia universal e a linguagem que se tornou quase binária, onde o aperto de mão, o beijo na face ou a conversa de circunstância foram substituídas pelo Like ou pelo Accept Friend. Esteve longe do típico concerto de festival, mas muito perto de ter arrancado, de nós, a própria essência.
Formados pela dupla de irmãos Guy e Howard Lawrence, os Disclosure tornaram-se em pouco tempo uma banda da moda, muito graças ao recomendado “Settle”, disco com temas capazes de incendiar qualquer boa pista de dança.
Em formato de DJ Set com alguns laivos de Live Act, os Disclosure pretenderam transformar o Meco numa pista a céu aberto, mas talvez o resultado tivesse sido mais entusiasmante no resguardo de uma tenda ou num palco mais pequeno e acolhedor.
Quando de súbito a máquina parou, como se alguém tivesse tropeçado num fio e desligado o suporte pré-gravado, o Live Act foi exposto a uma ténue linha de baixo e um beat a ecoar muito em surdina, recuperando as saudades dos tempos em que as rodelas de vinil iam passando de prato em prato e onde perder uma pendrive não era motivo suficiente para cancelar uma actuação.
Fotografia por Graziela Costa
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