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(Sobre)Viver do teatro? Riam com a Palmilha…

Sem dinheiro, fazem aquilo que sempre quiseram e gostam desse estatuto. Com oito anos de vida, dez produções realizadas, um público fiel um pouco por todo o país, sem medo de fazer comédia, eis os Palmilha Dentada.

Não conseguiríamos ser mais claros (e por isso roubamos as palavras deles): “Primeiro era o silêncio. Depois fez-se luz. Mais tarde o mar abriu-se e Roma ardeu. As coisas precipitaram-se quando alguém inventou o clip. Mataram o pacifista e o próprio rei morreu. Um pouco mais tarde aparece o Teatro da Palmilha Dentada. Isto resumidamente”. Porque oito anos de vida, dez produções em grupo, tardes /noites de brainstorming e costas voltadas depois de muita discussão dão pérolas bem mais preciosas que queremos conhecer. Ah, numa vida de oito anos sempre sem dinheiro…

Será por fazerem “patetices” que nunca receberam um subsídio estatal? “Antes diziam-nos que fazíamos comédias, que a comédia é comercial. Agora dizem-nos que ‘sim, senhor’, que gostam do nosso trabalho, mas…” E por isso são oitos anos, contados dedo a dedo, sem apoios do Estado ou de qualquer entidade patronal. Mas… “Ah, espera lá. Não. Há que fazer justiça ao Governo Civil do Porto que, logo nos primeiros anos da tomada de posse nos cedeu um pequeno subsídio que nem me lembro de quanto era”. Não o foram buscar. “Desculpem!”. E poderia ser esse o ínicio de uma bela e saudável amizade…

Ivo Bastos, Rodrigo Santos e Ricardo Alves. Juntos formam um dos grupos mais divertidos (lá está a comédia!) do panorama teatral da cidade do Porto (se já lhes conhecem o humor, experimentem perguntar o que cada um acha de cada qual!). São os Palmilha Dentada, “’palmilha’ vem de palmilhar porque já sabia que dificilmente teríamos casa e a ideia sempre foi ser um grupo de digressão; ‘dentada’ de roda dentada, de mecanismos, porque porque sempre me agradou a ideia de um teatro apoiado em cenografia”. Ricardo Alves via gtalk dias depois da conversa. “Mas principalmente porque gostei da sonoridade e estranheza do nome”. (pergunta que ficou por fazer porque o “senhor Bastos” interrompeu com a histórias das borboletas que teimam em não deixar o local onde trabalha… mas já lá vamos!).

O encontro

Voltemos ao local do crime (onde todas as noites, ainda hoje e até 15 de Novembro, procuram dar a conhecer a “Norma” que nos deve valer!). Sala Estúdio Latino. Teatro Sá da Bandeira. Rodrigo Santos, o actor do bigode. Ivo Bastos, o actor da barba. Ricardo Alves, o encenador. (ou, numa outra versão, Rodrigo Santos, o actor que não gosta de holofotes; Ivo Bastos, o actor que até foi a casa mudar de camisa para a sessão fotográfica; e Ricardo Alves, o encenador que tenta (in)disciplinar tudo!). Fim de tarde de quinta-feira, a poucas horas de mais um espectáculo, “Norma”, “uma peça sobre o aumento do cepticismo na sociedade actual” – lê-se no blogue, até porque “Jesus Cristo disse “Abençoados os que crêem sem ver”. Respeitamos, mas venham ver na mesma”. Em cena até 15 de Novembro – e atenção Lisboa, de 3 a 13 de Dezembro, na Casa da Comédia (lá está, não há volta a dar!).

Vamos à conversa. À formação. “Eu tinha saído do Teatro Art’Imagem há três ou quatro anos e queria criar uma companhia, andei à procura das pessoas com quem trabalhar. Tive azar, saíram-me estes dois”, graceja Alves. Contrapõe Bastos: “Este ‘gajo’ conheceu-me porque eu tinha jeito para a electricidade e electrifiquei uma aldeia de gonomos. E ele não conduz, contratava-me para motorista”.

Decidido a criar a companhia, depois de ter trabalhado com outros nomes, lá se chega ao núcleo de três, com afinidades e vontades em comum. “Foi ideia inicial criar uma coisa mais pequena. Também sejamos realistas, não íamos criar uma companhia com 20 pessoas, senão não íamos a lado nenhum”, revela Ricardo Alves. Ainda hoje continuam a ser três. “É um modelo de três mais as esferas de influência”. Ou “uma democracia musculada”, como diz Ivo Bastos. A verdade é que ouvem a opinião daqueles que trabalham com eles, mas quando necessitam de tomar a coisa resume-se aos três.

“É uma cretinice caótica porque às vezes fazemos aquelas reuniões para decidir o que temos de fazer e não fazemos nada. E só fazemos quando nos apetecer”, revela Rodrigo Santos. Tudo por causa do dinheiro – ou a falta dele. “O que te permite fazer ainda hoje patetices”, “se tivesses dinheiro fazias patetices na mesma”.

A carreira

O primeiro espectáculo data de 2001. “Os Pirata do Fio de Água” , de rua e na rua. “O primeiro raciocínio que fizemos foi: não há salas no Porto. Já em 2001 não havia salas no Porto. Na altura era muito difícil entrar no Rivoli, hoje é impossível; e não havendo salas, o que pensamos foi: ‘vamos trabalhar para a rua!’ Vamos fazer tudo, uma cenografia que seja ao mesmo tempo camarins, palco, e fizemos um palco que era em forma de barco”, conta Ricardo Alves – no dia da conversa passavam poucos dias que se tinham desfeito dessa velha carcaça, que jazia ainda junto ao Tertúlia Castelense. Aliás, foi no Tertúlia que ganharam forte notoridade, com os ciclos de café teatro e que os levou á rádio, a um programa diário de humor chamado, ironicamente, “Palmilha News” na Antena 1. Rádio – Tertúlia. Rádio – Tertúlia.

Os dias eram passados assim, já que acumulavam o café teatro com os programas na rádio. “Foi isso (os cafés-teatro) que fez o nosso público. Primeiro vinham os amigos, depois foram chegando mais pessoas. E isso criou o público fiel da Palmilha”, revelam. Hoje sentem saudades do Tertúlia, já lá não passam com tanta regularidade. “Temos saudades porque foi um sítio onde sempre nos demos bem”, diz um. “Foi onde nos pudemos conhecer melhor”, sentencia outro. Muitas experiências por lá passaram, como “o bingo, onde tirávamos números de bingo para as pessoas, não tinha mais nenhum desenvolvimento. Eram dois gajos que apenas tiravam números de bingo, num bingo sem cartões”. Ou: “Noutro construíamos uma mesa de madeira em palco, uma mesa redonda, martelar e depois leiloar a mesa. E dava dinheiro”. Dinheiro que levavam para comprar a madeira para a próxima mesa.

E o improviso, a marca das marcas da Palmilha Dentada. “Fazíamos muito improviso, era uma espécie de ‘Sai de Baixo’ a armar ao pedante”, avalia Rodrigo. Ciclo que terminou em 2005/2006. Seguiram-se outros espectaculos, “Bucket”  ou os baldes falantes e a “A Cidade dos Que Partem”, a peça que os levou ao Teatro Carlos Alberto mas que, nem por isso, lhes deu uma carga de maior responsabilidade. Seguiu-se…

O final

… Ainda a história da companhia vai a meio quando chega aquele foi o garante de boas tardes passadas em frente a um ecrã gigante. Senhor Bastos, o antigo porteiro do Sá da Bandeira, o agora novo guardião das tarde e noites do Cinema Estúdio 111. Fala do quanto o feriado lhe vai dificultar a vida, que depois não tem autocarros para casa. Resmunga das borboletas que não lhe desamparam a loja, mesmo que a Primavera já lá vá. São visitas regulares da casa.

E a companhia? Venham mais oito anos. Mais dez produções. Mas o que é que isso interessa agora? Vamos mas é ajudar o Senhor Bastos a matar aquelas duas borboletas/melgas que teimam em não sair do Estúdio 111.



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