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The National @ Coliseu dos Recreios (28.10.2017)

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À boa maneira portuguesa, a casa que vai receber os The National, que como é sabido, está para além de esgotada, enche lentamente. Mas há um horário para cumprir e por isso às 20h30 em ponto, Buke & Gase sobem ao palco para uma prestação que teve tanto de curta como de efémera o que é pena porque o duo formado por Arone Dyer e Aron Sanchez, que integra o catálogo da Brassland, em disco tem-se revelado interessante. As canções que nos apresentam resultam de camadas compostas ora pela voz de Dyer, por programações ou pelos incontornáveis e sui-generis “buke”, parecido a um ukele barítono de seis cordas e “gase”, que é basicamente um derivado de uma guitarra baixo.

Segue-se a espera. O palco é rico; um piano, inúmeros teclados, a bateria desse enorme senhor que dá pelo nome de Bryan Devendorf (por vezes penso que os ligamentos dos pulsos daquele senhor não podem funcionar segundo as mesmas regras e limitações que se aplicam aos nossos, tal o que consegue fazer com a bateria) e também um número sem fim de guitarras. Eis que nos ecrãs que estão montados ao fundo do palco e suspensos a meia-altura uma mensagem: “please stand by”. Falta pouco. Isso confirma-se quando a mensagem é substituída por imagens da zona que dá acesso ao palco do Coliseu dos Recreios pelo backstage. Estava prestes a iniciar-se um concerto com um alinhamento de luxo e que conseguiu incluir quase todas as canções de “Sleep Well Beast”(!).

Abrir com o “Alligator” não é todo o que a maioria estava à espera mas foi isso que aconteceu. «Karen» foi uma escolha perfeita (haveria outras, com certeza). “Karen, believe me you haven’t seen my good side yet”. Conhecem-nos tão bem, na realidade. E nós a eles. Segue-se «System Only Dreams In Total Darkness», com Dyer a juntar-se para  ajudar nas vozes, e o que dizer? Foi épica. Parecia uma canção que já era cantada por banda e público em uníssono há anos e não um single de um álbum lançado há pouco mais de um mês.

«Walk It Back» teve a dedicatória a Karl Rove (sim, “fuck you, Karl”) e soa sublime. Todos os instrumentos se escutam na perfeição. Nenhum se sobrepõe. Tudo está no seu lugar. Perfeito. Continua-se por “Sleep Well Beast”, desta vez com «Guilty Party». Já escrevi anteriormente que podia ser uma versão 2.0 da «About Today» e continuo a ter a mesma opinião. É uma canção avassaladora. Não é difícil sentir lágrimas. São de angústia ou de prazer? Não sei mas fazem-nos sentir vivos. Se têm uma banda que vos faça sentir assim na vossa vida, não a larguem, nunca. É bem mais raro do que pensam.

É altura de visitar “Trouble Will Find Me” e “High Violet” com «Don’t Swallow the Cap» e «Afraid of Everyone», respectivamente. Por esta altura apercebemo-nos do impacto realmente forte que “Sleep Well Beast” teve, ao ponto de fazer o seu antecessor parecer mais distante no tempo do que realmente está. A entrega e devoção, essas, continuam recíprocas. O uso da iluminação revela-se um elemento essencial ao longo de todo o concerto, pensada em todos os momentos ao ponto de não esquecer que nós, público, estamos ali de braços abertos, a cantar com tudo e a deixar um pouco de nós. “Your voice is swallowing my soul, soul, soul”. O tempo neste momento é mais relativo do que nunca. Não sabemos se já passou muito tempo ou se passou pouco. Estamos completamente imersos nestas canções. Em «Bloodbuzz Ohio» entoa-se “I still owe money to the money to the money I owe / The floors are falling down from everybody I know” e sabemos que a voz pode começar a ceder a qualquer momento. Não interessa.

Por esta altura Dyer regressa para «Born to Beg», simples, despida, intensa e provocadora. “I’d cry, crawl / I’d do it all / Teakettle love, I’d do anything”. Escutar «I Need My Girl» é escutar alguém a cantar com o coração nas mãos. Enquanto isso, Bryce Dessner bate com o braço de um guitarra no chão para obter vibração que atravessa a canção. Arrepia.

A certeira «I’ll Still Destroy You» antecede uma breve troca de palavras, com Matt Berninger a sugerir que o camarote presidencial do Coliseu teria sido construído pelo Trump. «Turtleneck» ao vivo é aquela rockalhada que tinha de pura e simplesmente ser, e sim, Mister Berninger desceu para cantar junto do público e acabou em palco a cantar para o telemóvel de alguém. Seguiu-se uma das melhores surpresas da noite: «Guestroom», num mui saudado regresso ao “Boxer” e logo com uma canção que não era tocada ao vivo há algum tempo. «Secret Meeting» é a representação perfeita da celebração que está a ter lugar ali. De um lado uma banda única e do outro, alguns milhares de pessoas cujo coração foi, nalgum momento, tocado por estas canções.

«Green Gloves» e «Apartment Story» deixam-nos embevecidos. Sentimo-nos uns putos felizes e contentes. “We have our looks and perfume”! «Carin at the Liquor Store» vem acompanhada de dedicatória à esposa de Berninger e «Day I Die» trá-lo novamente para o meio do público, desta vez nas bancadas. «Fake Empire» lembra-nos de como já sentíamos saudades de ver os The National assim: imensos e com uma entrega do tamanho do mundo. Estão realmente num sítio bom nesta fase e isso percebe-se ali, em palco.

«About Today» é… «About Today». E aquele momento que aconteceu com «Guilty Party» ameaça repetir-se. O peso de uma canção pode-se medir pelo silêncio que arranca a uma sala. Ali apenas se escutam os sussurros de quem tem coragem para entoar aquelas palavras. Ai coração! E neste momento a banda deixa o palco. Aplaudimos e tentamo-nos recompôr.

O regresso faz-se com «Nobody Else Will Be There» e um agradecimento ao segurança que o ajudou a subir a rampa de calçada que dá acesso à entrada dos artistas do Coliseu, que pode-se revelar pouco misericordiosa para algum tipo de calçado com tendências mais escorregadias. «Santa Clara» constitui uma meia surpresa e começa a dar o mote para o sentimento que depois se vem instalar, “I’m gonna miss ‘em so much”

A sequência final foi igual a outros concertos mas não pensem, em momento algum, que perdeu intensidade, antes pelo contrário, muito por culpa desta sala, com um som finalmente à altura dos The National (depois de muitas passagens por festivais e pelo Pavilhão Atlântico – old habits die hard) e um público rendido mas ainda não totalmente saciado. «Mr. November», com direito a tentativa de volta Olímpica (interrompida a meio porque os obstáculos eram mais do que muitos) e «Terrible Love» antecedem o final à capela e com pouca ou nenhuma amplificação no microfone do Berninger de «Vanderlyle Crybaby Geeks». Por mim ainda podia estar no Coliseu a entoar “Vanderlyle crybaby cry / O, the water’s a-rising / Still no surprising you / Vanderlyle crybaby cry / Man, it’s all been forgiven / Swans are a-swimmin’ / I’ll explain everything to the geeks / I’ll explain everything to the geeks / I’ll explain everything to the geeks”…

 

Texto por Miguel Barba e fotografia por Graziela Costa.



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