“Cloud Atlas”
Algo está podre no reino de Hollywood
A nova proposta dos irmãos Wachowski (que em tempos nos trouxeram “The Matrix”) em colaboração com o alemão Tom Tykwer chega agora aos cinemas. De seu nome “Cloud Atlas”, trata-se da adaptação do livro homónimo de David Mitchell e desenrola-se entre seis histórias distintas: desde 1849 até ao futuro longínquo de 2321. E até aqui não se lhe tire o troféu: este será um dos filmes mais ambiciosos que a memória sustenta da máquina de Hollywood. Assim, não se faz o evento por menos: um elenco que se baseia em algumas das maiores estrelas (algumas cadentes) da indústria actual, a par de um orçamento milionário que permite os mais estrondosos efeitos especiais que o dinheiro pode comprar.
Ora, e se tudo o que rodeia “Cloud Atlas” é gigante (incluindo a sua duração), também o seu falhanço faz jus ao nível que cimenta os arredores. Vai-se tentando coser uma história e transmitir a sensação de que, intimamente, tudo está ligado, mas esta será uma falácia sem precedentes. Ainda que a montagem bem se esforce para isso; em boa verdade, assiste-se ao desenrolar de várias tramas que tentam ludibriar o espectador relativamente à mensagem e respectiva complexidade que comportam. Mas, como vem sendo habitual em mil outros produtos executados pela máquina Hollywood, não são mais do que esporádicos episódios que rodeiam um vazio.
Chega a ser penoso observar como se estoura um orçamento de tal dimensão em planos visualmente fantásticos mas que duram escassos segundos: aliás, toda esta fragmentação só tornam as suas quase três horas mais dolorosas. Parece haver uma urgência de bombardear o espectador com retalhos de informação inconsequente, deixando as personagens no limbo: vieram do nada e para lá transitam. Em última instância, serão os autores que arrastam esta situação para si próprios, na megalomania de juntar no filme a maior infinidade de personagens que seja possível.
Curiosamente, “Cloud Atlas” acaba por quase funcionar quando não se leva tão a sério: de notar a narrativa que decorre no presente, onde trespassa um humor cândido bastante distante das restantes histórias que o parecem interromper.
Se quisermos chegar ao extremo poderemos observar que a origem das personagens comporta consigo a sua sentença: uma moda que os blockbusters gostam de arrastar consigo, que parece dizer pouco mas acaba por ser bastante revelador – seja na negação do final feliz para o casal homossexual ou no endeusamento do mártir para a seguir o liquidar. E “Cloud Atlas” vai-se relevando no meio destas mensagens quase fascistas, recorrendo a filosofias baratas para se “encomplexar” (onde já ouvimos essa história de que, afinal, somos todos gotas num oceano?), arrastando-se para um pseudo-clímax que nada acrescenta às histórias partidas e repartidas que pretende contar.
Lana Wachowski referiu, a propósito do filme, que este tratava dos mesmos temas com que Charles Dickens ou Victor Hugo se debatiam, mas à luz de um contexto mais entusiasmante. Pois bem, também a natureza humana tem vindo a ser matéria-prima da Arte ao longo dos tempos e isto não valida toda a criação, assim como o entusiasmo é efémero.
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