Geração Joana Linda
Quando o cinema, a música e a fotografia se unem para impulsionar a individualidade de um estilo.
Joana Linda tem 29 anos e é lisboeta. Inaugurou o registo artístico na expressão fotográfica, e experimenta hoje a passos certeiros o trabalho da imagem em movimento. O palco da prova é o virtual, a primazia dos instrumentos de trabalho tira proveito do digital. É artista em part-time e confessa o fôlego na própria autonomia.
Entre a sucedida reinvenção através do auto-retrato, as revelações fotografadas de bastidores, os registos de concertos, os videoclips de edição indie e os memoráveis retratos dos rostos que marcam a actual geração do cinema português, rima uma reconhecível estética através das plataformas distintas do seu legado.
O reino da criação de Joana Linda assina-se com cores subtis, mergulhando os quadros em ambiências desertificadas e em frequentes cenários de evasão natural, num envolvente convite à abstracção.
Em detalhe e em confidência, bem-vindos a uma geração chamada Joana Linda.
Como te iniciaste no trabalho fotográfico?
Já faço fotografia há cerca de dez anos. Começou como uma brincadeira, sem que alguma vez pensasse que viria a ser o que haveria de seguir, ou o que iria gostar mais de fazer. Não tive formação em fotografia. Comecei como qualquer pessoa a tirar fotografias com máquinas descartáveis, polaroids, tudo coisas com pouca qualidade. Com o tempo percebi que era realmente uma coisa que gostava de fazer, e não parei mais. Estudei Ciências da Comunicação, e sempre tive um gosto muito grande pelo cinema. Sabia que era uma coisa que eu gostaria de fazer, não sabendo muito bem em que posição, digamos assim. Quando era miúda queria ser actriz, depois passei a querer ser realizadora. Mas depois achava que era uma coisa muito complicada, e não uma coisa que eu pudesse um dia chegar a fazer. E a fotografia foi uma forma de ir ao encontro daquilo que eu gostava na representação, do que eu gostava e gosto no cinema. E foi a entrada para essas coisas, de certa maneira.
Consegues fazer do trabalho artístico a tua única profissão?
Não. Nem pouco mais ou menos. É um part-time e, de vez em quando, ganho dinheiro com o meu lado artístico. Se estivesse à espera disso para comer e pagar as contas não valia a pena, mesmo. Se calhar talvez o conseguisse fazer se fosse por outro lado, se estivesse disposta a abrir algumas concessões. E apesar de estar, essas oportunidades não aparecem assim tantas vezes, e também não estou assim tão disponível a procurar por elas. Pelo menos até agora. Veremos o que será do futuro.
Para esse futuro, já pensaste em ser uma artista a tempo inteiro?
Não sei. Gostava essencialmente de conseguir ter tempo e dinheiro para fazer as coisas como gostaria de as fazer. Sinto que tenho andado um bocado a improvisar, mas por falta de meios. Isso eu gostava de ter. Se isso significa ser artista a tempo inteiro ou não, não sei. Já gostei menos dessa ideia do que gosto hoje. Mas também não me agrada muito estar ligada apenas a uma coisa, e contactar apenas com um género de pessoas. Quando comecei o meu part-time, era uma coisa de que gostava imenso porque me disciplinava a sair de casa, todos os dias, e a ter um trabalho que não era propriamente artístico e que me dava também uma visão do que é a vida, do que é trabalhar. Acho que isso é importante para qualquer pessoa, o não perder esse lado de vida e de quotidiano que a maioria das pessoas tem, e que eu não gostaria de perder. Agora, percebo cada vez melhor que conciliar as duas coisas é difícil, por isso, estou numa fase em que tenho de tomar uma opção e ainda não a tomei.
Que influências estéticas ou outras julgas terem marcado decisivamente o teu trabalho, ao longo do tempo?
Essencialmente, começou pelo cinema. Sempre gostei muito de cinema, sempre vi muitos filmes. Quando aqui falo de cinema, não me vou restringir a falar de cinema de autor. Falo de cinema no geral, desde o “Pretty Woman” aos filmes do Bergman. Tudo foi uma influência. Depois, a música, que sempre teve parte importante na minha vida, porque estudei música e gosto muito, oiço imenso. Sempre foi algo que me inspirou para criar. Em termos de fotografia, comecei com uns auto-retratos. Aqui, houve uma particular inspiração na altura, a Francesca Woodman. Embora hoje continue a gostar muito, já não significa o mesmo que na altura. Mas é exactamente pela importância que ela teve quando comecei, que continuo a mencioná-la como referência importante.
Como surgiu a oportunidade de te iniciares na realização de videoclips e de pequenos filmes?
Vem detrás, de sempre ter ficado com esta vontade de fazer cinema. Acontece após alguns anos de fotografia, e de ter estado presente nalguns trabalhos de amigos que estão mais ligados a essas áreas, e de achar que se calhar poderia experimentar. Também há que referir o facto da tecnologia ter evoluído, e de poderes ter uma máquina fotográfica que também tem um modo de vídeo. E às vezes é tão simples como: ok, deixa-me pôr isto no modo de vídeo para ver o que é que consigo fazer. E tinha esta grande vontade de experimentar. Tinha-me feito amiga da Marissa Nadler no Myspace, e ela, por essa altura, precisava de pessoas para fazerem um videoclip, assim numa espécie de concurso, à borla. Falei com ela, ela gostou, e acabei por fazer uma coisa sem compromissos. E então, foi o que me abriu as portas para começar a fazer coisas dentro dessa área.
Que outros projectos tens nessa direcção?
Agora estou a preparar uma outra curta-metragem, é a segunda. Vou fazer também um videoclip para um novo artista do Barreiro, que é o Nick Nicotine. Estou um bocado ansiosa, já que admiro imenso a música dele, e quero fazer uma coisa bonita para ele também. E estou ainda a preparar um vídeo para os Rose Blanket, outro projecto português. E de momento as coisas que tenho na calha são estas.
Que materiais costumas usar no teu trabalho?
Eu faço essencialmente fotografia digital. Não comecei com digital, mas há já algum tempo que só uso digital, não só porque é mais barato, a principal razão, mas também porque me dá uma grande liberdade que o filme não me dava, porque estava sempre demasiado preocupada com o dinheiro que estava a gastar em rolos e em revelações. No entanto, gosto mesmo do filme e queria imenso voltar a fotografar em filme, mas não sei se não estou demasiado presa ao outro lado.
Já expuseste o teu trabalho publicamente?
Já fiz algumas exposições, não muitas. Também não sou representada por nenhuma galeria. Até aqui, porque nunca foi uma coisa que me tenha interessado particularmente. Em fotografia, interessava-me mais o expor em livros do que numa galeria. Pessoalmente, prefiro o papel a ter as fotografias numa parede. Por isso, foi uma coisa que nunca procurei muito. Depois também me irrita um bocadinho o sistema da arte em Portugal. Então, nunca quis muito ir por aí. Por acaso agora, apetece-me fazer uma exposição, tenho andado a pensar, ainda sem ter trabalhado nesse sentido. Mas pronto, essencialmente foi isto. Como começou por ser uma brincadeira, comecei por colocar as coisas na internet. Isto acabou por ser um hábito para mim. Nunca tive a preocupação ou a necessidade de expor noutro lado, de certa forma isso chegava-me. Chegava a um certo número de pessoas, o que para mim era suficiente já que a minha preocupação era mais a de tirar umas fotografias do que fazer daí uma carreira ou do que ganhar o prémio x ou y. Nunca foi a minha prioridade. As exposições que fiz até hoje, foram sempre ocasiões para as quais me convidaram e é claro que, por isso, nunca recusei.
Comecei por fazer uma exposição no castelo de S.Jorge, uma mostra internacional de fotografia, e nesse momento comecei a detectar um grande movimento na internet, situado no advento da fotografia digital, das máquinas digitais. Especialmente vindo de raparigas, que faziam auto-retratos. Reuni-me então com mais trinta raparigas e fizemos uma exposição no S. Jorge. Há pouco tempo, fiz uma exposição no Barreiro, no Outfest, e depois fiz uma exposição no Porto, no Maria Vai Com As Outras. De seguida, expus a propósito do lançamento de um livro de uma poetisa italiana que tinha uma fotografia minha na capa. Houve uma outra exposição, a título individual, no Teatro Taborda, e ainda uma outra, que comissariei com uma fotógrafa espanhola, a partir de um intercâmbio de artistas entre Lisboa e Córdova.
Há algum artista com quem sintas uma especial vontade de trabalhar?
Assim de repente… não me lembro de ninguém. As coisas que me têm aparecido, são por parte de pessoas que me procuram. É sempre um bocadinho inesperado e na maior parte das vezes, são pessoas que eu não conheço. Gosto sempre dessa surpresa, assim como do desafio de tentar fazer qualquer coisa. Não tenho procurado. Mas há músicos para os quais gostava de fazer um videoclip ou porque gosto das suas músicas, ou porque, por ocasião, ouvi uma música em particular. Mas agora, neste preciso momento, não há realmente alguém para quem estivesse desejosa de fazer alguma coisa.
Falaste do estado da arte em Portugal. Há algum apelo que queiras dirigir, nessa direcção?
Eu costumo ser um bocadinho implacável a falar disso. Sei que tenho algum tipo de culpa neste discurso que faço, já que sei que está tudo muito mal, mas também não faço nada para o reparar, uma vez que também é verdade que nunca fiz muito para entrar dentro desse círculo. Não tenho muito estômago para isso. No entanto, continuo a achar que está tudo demasiado centrado. Não se valoriza o novo, o que nunca se viu antes, a menos que venha validado do estrangeiro. Ainda somos muito parolos nesse aspecto. Se um artista cá está a imitar uma coisa que já quarenta pessoas fizeram em Londres, então, é óptimo. Se estiver a fazer uma coisa que, por acaso, até tem uma voz própria, ninguém lhe liga nenhuma, se calhar, até ele fazer uma exposição não sei onde, e daí lhe dizerem que é muito bom. Acho que neste aspecto, temos muita falta de confiança naquilo que nós próprios fazemos cá. Que é uma coisa que, por exemplo, os americanos não têm. Para eles, é americano, é bom. É claro que às vezes o levam um pouco ao exagero, o que pode tornar-se um pouco mau. Mas é certo que nos fazia falta um bocadinho desse orgulho.
Pontualmente, temos algum artista a surgir. Mas é muito raro acontecer. Depois, há outra questão que é válida para tudo, não só na arte. Vai tudo pelo amigo do amigo do amigo. Ninguém te conhece e tu não conheces o amigo daquela pessoa, então não interessas. E isto é um acto de estupidez muito grande por parte das pessoas. Em termos mais simples, as pessoas que efectivamente trabalham na arte, galeristas, comissários, tudo isso, têm um bocado a ideia que são umas lâmpadas e que os artistas, como mosquitos que são, hão-de andar ali à volta da luz. Ora, se tu não és um mosquito que ande ali à volta, não interessas. Está tudo demasiado centralizado nas Belas Artes e no Ar.Co, e se não vieste de lá, não vais às festas e não fazes o jogo, então és um pouco desconsiderado. O que a mim não me incomoda nada, mas há aí muito boa gente a fazer muito boas coisas e que simplesmente não tem paciência para andar a fazer parte de lobbies. Acabamos por perder pessoas interessantes por causa disto.
E também porque – e isto já me aconteceu umas duas ou três vezes – há a atitude das galerias. Tu aborda-las, na tentativa de mostrar o teu trabalho, e eles, à partida, adoptam imediatamente uma posição snobe, dizendo que já têm os artistas suficientes, ou que, de momento, não têm espaço para mais ninguém. Acho que as pessoas têm, primeiro, de ver o teu trabalho para dizer que não. E eu não tenho problema nenhum em ouvir que não, porque não podemos agradar a toda a gente. Mas quando à partida és posta de parte, só porque aquela pessoa não te conhece ou porque não vais recomendada, acho que é um acto de estupidez incrível. Eu costumo dar este exemplo: eu podia ser um novo Picasso e ter passado a vida toda a pintar na cave, sem nunca ter saído de lá. E de repente, ter ido a uma galeria e se eles não sabem e não têm a abertura de espírito suficiente para querer conhecer, para procurar saber o que é que estás a fazer, então logo aí prova-se que não pode vir muito destas pessoas. É claro que também percebo que esta atitude os resguarda de estarem a ver quarenta mil portfolios que não valem nada, mas é o trabalho deles. Se, pelo menos, uma vez por semana se sentassem a vê-los, com certeza haveria um em cem que seria bom e que lhes faria ganhar muito dinheiro.
Sublinhaste o teu gosto pelo cinema. Gostavas de continuar a trabalhar nessa direcção, arriscando, por exemplo, um projecto de longa-metragem?
Eu trabalhei uma vez num projecto de longa-metragem, que acabou por ficar parada. Tornou-se impossível fazê-la sem dinheiro. Então tivemos que parar e estamos neste momento à procura desse financiamento. Depois, acabei por fazer a curta que esteve no Motelx. E é uma coisa da qual gosto mesmo muito e que sim, possivelmente vou continuar a fazer. Mas esta entrevista encontra-me num momento em que estou a reformular o que quero e não quero fazer a partir de agora. Acho que sim, que vou continuar a fazer cinema, mas estou a tentar perceber que tipo de cinema é que quero fazer. Não no sentido do que quero mostrar ou da própria abordagem estética, mas noutro sentido, nos termos da produção e da organização. Eu gosto, e foi por isto que comecei com a fotografia e com o auto-retrato, de manter as coisas num nível muito pessoal e muito íntimo. E quando começas a ter muita gente a trabalhar no mesmo projecto, com muitas ideias e muitas pessoas a colaborar, acaba por se perder isso. O que não é necessariamente mau. Um filme, se for uma grande produção, precisa de muita gente a trabalhar nele para chegar a bom porto. E eu percebi que não é a minha cena, por isso não sei se vou chegar ao ponto de fazer cinema mesmo ou se não me vou ficar por um híbrido entre o vídeo e algo mais pessoal, sem tomar um rumo assumidamente linear, narrativo e clássico do cinema. É esta a minha questão agora. Mas não me vejo a fazer grandes produções, com grandes equipas. Não, o meu caminho não é por aí, mas antes por algo mais pessoal, mais pequeno, mais experimental, embora não goste muito desta expressão.
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