Lisboa Irish Festival @ Fábrica XL (09.03.2013)

Lisboa Irish Festival @ Fábrica XL (09.03.2013)

Dublin, Cork, Limerick, Galway e Waterford num só espaço

No sábado passado, a Irlanda invadiu Portugal para um evento que juntou música, gastronomia, literatura e artes plásticas num só espaço, em Lisboa. Dentro da Fábrica XL, espaço reservado para a celebração deste evento, as tonalidades verdes reinavam projectadas em paredes de pedra; o cartaz musical, esse, prometia ser variado, varrendo vários géneros musicais, da electrónica à folk. Depois de uma tarde solarenga, que contracenou com o clima chuvoso que se fez sentir durante toda a semana, o ambiente vivido na Lx Factory não se podia manifestar mais sul-europeu, com uma noite a iniciar-se quente e seca.

Os Ghost Estates tinham como missão inaugurar a noite de concertos. E fizeram-no perante uma plateia fragilmente composta e algo tímida. Do palco chegaram-nos sonoridades rock, com orientações espaciais à Jane’s Addiction e alguma incidência popeana à imagem de Coldplay; da plateia foram lançados alguns aplausos em resposta às parcas palavras proferidas pelo quinteto. Os irlandeses trouxeram como mote o seu novo “In Waves” – cuja capa surgia projectada na tela que se erguia por detrás da banda –, mas também temas do álbum de estreia homónimo, como «Pop Song», «Winters Day», «Sea Shanty» e o single «October». Uma actuação que transbordou rock, mas que não chegou a extrair mais que frouxos aplausos dos presentes.

Aqueles que aproveitaram para jantar durante a actuação dos Ghost Estates regressaram a tempo do início do concerto dos Ham Sandwich. Por essa mesma razão, a audiência mostrou-se mais bem-composta para o espectáculo do colectivo que se exprime através de um nome peculiar, que despoletou algumas piadas na plateia em torno da concepção de sandes. Entre outras, ouviram-se expressões como “prefiro uma de queijo”. Com queijo ou sem queijo, o colectivo oriundo de Meath mostrou, logo no primeiro tema, que não estava ali para brincadeiras, numa explosão de energia, guiada pela voz de Niamh Farrell, que viajou acompanhada da guitarra de Podge McNamee. O público, apesar de teimar em manter-se à distância do palco, entrou na onda e absorveu a energia que a dupla libertava em palco, cantando e dançando ao som de temas como «White Fox», «Models», «Keepsake», «Oh-Oh», «Cick Click Boom», «I Feel Love», «Long Distance» e, a fechar o concerto, «Ants», que teve direito a um momento lúdico com balões a serem atirados para a plateia.

Obviamente, este festival não girou apenas em torno da música. Bastava um breve olhar sobre a programação para se descobrir toda uma panóplia de zonas paralelas com atividades. Dentro da Fábrica XL, um dos patrocinadores do festival teve o cuidado de colocar uma zona lounge destinada àqueles que, desligados dos momentos musicais, procurassem algum repouso, ou simplesmente um local para conversar. Esta zona lounge, para além de conter pufes e outros elementos que visavam o repouso, estava interiormente revestida por uma pequena exposição focada nas questões ambientais e na preocupação de manter saudáveis os mares e oceanos. No exterior do barracão, uma tenda grande transformou-se em irish pub, com alguns dos presentes a aproveitarem para revisitarem hábitos gastronómicos e para degustarem algumas das cervejas típicas da ilha britânica. Ainda no campo do entretenimento extra musical, animadores passeavam-se, munidos de andas, recrutando nova militância para o festival que então decorria – houve um pouco de tudo.

A noite tendia a ficar cada vez mais fria e, contrastando com a tarde quente que se viveu em Lisboa, o mau tempo visitou a capital portuguesa, trazendo com ele uma boa dose de chuva. Dentro da Fábrica XL, as mudanças para Wallis Bird tardavam e, como consequência, o público dispersou um pouco por toda a parte. Resolvidas algumas questões técnicas, a artista de Wexford subiu ao palco, acompanhada pela sua banda, por uma carregada essência folk e por um groove forte derivado da guitarra acústica que toca. É incrível a forma como a artista tuteou a sua viola, apesar do acidente sofrido enquanto jovem que a fez perder parte dos dedos que constituem a sua mão esquerda. A verdade é que tal levou a que a mesma desenvolvesse o seu próprio estilo de tocar. E cuidem-se violas e as vossas respectivas cordas, que a jovem não é poupada na forma como as ataca, revelando uma energia e uma coordenação invejáveis.

Com muito rock à mistura, Wallis Bird mostrou como é que uma mulher pode dominar por completo uma noite, numa atitude efusiva que levou a sua banda de arrasto e mergulhou o público num profundo estado de euforia, que não descansou enquanto não arrancou à artista o primeiro e único encore da noite. Mas antes disso, a irlandesa ainda teve tempo de elogiar a arquitectura e a cultura portuguesa e de trocar de posições com o seu baterista, mostrando a sua versatilidade instrumental, num momento acompanhado por beatbox, melódica e canto, no qual o “homem das baquetas” ainda expos a sua vertente de MC/toaster. Entre gritos de guerra, cordas partidas (como seria de prever), a cappellas e incentivos de acompanhamento ao público, Wallis interpretou canções como «Take Me Home», «Travelling Bird», «To My Bones», «The Circle», «Encore» e «In Dictum», que encerrou o concerto sob uma enorme ovação por parte da audiência. Wallis Bird coloca as suas entranhas naquilo que faz, e isso satisfaz quem a ouve, não conseguindo ficar indiferente à sua música. Assim se cativa um público.

Depois da prestação exímia da artista anterior, os Le Galaxie tinham uma missão difícil em mãos, que se tornava ainda mais complicada devido ao avançar da hora e ao facto de algumas pessoas já se encontrarem esgotadas. Computadores, sequenciadores, sintetizadores, todos estes “ores” presentes em palco faziam prever a componente electrónica que os “galácticos” irlandeses carregam às costas. Uma característica que nos transportou dos campos verdejantes do folk para uma pista de dança algures entre o techno norte-americano e os sintetizadores alemães. Se o objetivo era recolocar as pessoas a dançar, então a missão do Le Galaxie foi bem sucedida, com as várias dezenas de pessoas que ainda restavam a embarcarem nesta aventura musical. Os concertos deste quarteto desenham-se em crescentes epopeias electrónicas que desembocam em fortes momentos rock de registo mais orgânico. Ficaram para a história desta actuação temas como «Midnight, Midnight», «Love System», «The Nightcaller» e «We Bleed The Blood Of Androids».

Finalizado o concerto dos Le Galaxie, algumas pessoas abandonaram o local, outras mantiveram as suas posições e assistiram ao DJ set de Generic People que envolveu, também, vjing e projecção de vídeo.

Encerrou-se, assim, esta celebração irlandesa em terras de Camões, a uma semana de se solenizar o St. Patrick’s Day, uma tradição religiosa Éiriana que celebra a chegada do cristianismo à Irlanda e que se manifesta através de eventos culturais um pouco por todo o mundo. Se a ideia do Lisboa Irish Festival era a de recriar ao máximo a tradição e a cultura irlandesas, então a chuva que se fez sentir à saída terá sido o teletransporte perfeito para o País em questão. Eventos deste cariz são primorosas oportunidades para cruzar universos diferentes, resultando em verdadeiros exercícios de ensino e aprendizagem com culturas exteriores – esperam-se mais!

Fotografia por José Eduardo Real



There are no comments

Add yours

Pin It on Pinterest

Share This