Os Capitães da Areia
Alegria e(m) lata.
“Verão Eterno” é o disco de estreia neste Inverno gelado.
Estes quatro capitães da pope portuguesa trazem um alinhamento de aquecer corpos, descongelar mentes e uma mensagem forte: não é Verão mas ‘bora lá dançar como se fosse?
Já não é de agora que ouvimos falar nos Capitães da Areia. Em Maio de 2009 estrearam-se na primeira parte d’Os Golpes, no Santiago Alquimista. Têm dados concertos aqui e ali a abrir, que é como quem diz no Coliseu, na abertura dos GNR, a encher o TMN ao vivo, no Optimus Alive, Musicbox, Maxime.
Agora os Capitães fazem-se ouvir pelas rádios com o single «Dezassete Anos» e a espirituosa «Canção de Natal». E foi mesmo “Rudolfo a Rena com enfisema que faltou ao Natal” que nos pôs o ouvido a rir e perguntar. Capitães quem?
Capitães da Areia faz lembrar imediatamente o livro. E a verdade é que estamos em maré de tal pressão política que sabia bem um Jorge Amado com acordes no máximo.
Todavia, chego ao ponto de encontro e não vejo miúdos de pés descalços e cabelos desgrenhados pelas revoluções sociais e ideias de mudar o mundo. Não. Calça de ganga tingida e bem garrida. Sapatilha branca de pano. Riscas no padrão, nem um vinco no colarinho e até um casaco com galões.
A verdade é que capitão, mar e galões lembram-me logo panados de peixe mole assustadoramente prensados e simétricos ainda que saudavelmente empacotado para miúdos.
Mas estes são Os Capitães da Areia, não são para miúdos, mas para público de todas as idades de ouvido brincalhão e não vêm num pacote pronto a fritar. Alerta para os críticos de música que estejam já aquecer o óleo só porque os quatro rapazes são novos, tanto quanto as borbulhas que têm na cara. Daí vêm os temas juvenis e despreocupados arranjados numa pope já criticada como luminosa, não fosse “Verão Eterno” banhado a sol de início ao fim entre sintetizadores e guitarras. Mas luminosa é também Lisboa de onde surgem os Capitães. “Ouvimos falar tanto da luz de Lisboa e sim esta luz dá aos capitães uma doentia vontade de sonhar”.
Chegamos então às Portas do Sol, miradouro onde em 2009 tiraram a primeira foto da banda em calças vermelha, azul, amarela e brancas. Vejo-os bem parecidos e, alinhados à minha frente, não consigo deixar de me questionar: Quantas sardinhas cabem numa lata? Exactamente quatro.
Mas repete-se a quem já estava pronto a petiscar: Os Capitães da Areia não são da lata. Eles são a lata toda. Uma lata que já não se ouvia na pope portuguesa há muito tempo. “Uma questão de atitude”, dizem. “Somos os príncipes da pope e viemos para ficar”, avisam.
Pedro ( vocalista): É verdade foi aqui que tirámos a primeira foto das pernas com o Tejo por trás. Quando aqui cheguei até me senti emocionado.
Aproveita a “regressão” e conta-nos como tudo isto começou.
Pedro: Nós não nos conhecíamos antes da formação da banda. Foi um conjunto de acasos que nos fez estar aqui. Mas a história começa aqui. Foi o Manuel Fúria da editora Amor Fúria que nos propôs o desafio de existir uma nova banda na editora. Uma banda com raízes pope, raízes de Lisboa, com determinadas ambições e que fizesse algo para alterar o panorama da pope nacional.
O Manuel fez-me essa proposta. Começou comigo porque eu tinha um lado excêntrico e melancólico. A partir daí surgiu a oportunidade de começar logo na Amor Fúria e procurar outros elementos.
Vasco (baixista): Eu cheguei depois. Eu e o Pedro conhecemo-nos num projecto de corrupção. Num jogo em que pensámos no futuro poder ter sucesso como parceiros. Assim nasceu o Capitão Vasco dentro de mim, e entrei na demanda de procurar um novo elemento.
António (bateria): Eu era um velho amigo do Vasco, recebi a proposta, gostei do conceito da banda, achei que podia dar algum contributo. Eles precisavam de um rapaz jovem.
Tiago (guitarrista): Ligaram-me a dizer que os Capitães já estavam e que só faltava o guitarrista. Logo no primeiro ensaio tudo começou a correr bem. Uma semana e meia depois estava a banda formada.
E passadas pouco mais de duas semanas estavam a estrear no Santiago Alquimista na abertura d´Os Golpes.
Tiago: Tinha tudo para correr mal. Nenhuma banda se junta sem os elementos se conheceram. As bandas costumam acontecer entre amigos. Foi uma feliz coincidência. E uma grande evolução. Não éramos o que somos hoje em dia. Nem em termos relacionais nem musicais.
Pedro: Foi tudo muito rápido, até a estreia no Santiago Alquimista. Estivemos juntos cerca de onze vezes. Foi um risco grande. Estávamos dispostos a correr esse risco, como estávamos aliás desde início. Aliás, isto tudo não teria acontecido se não fosse essa força de vontade que sempre tivemos porque tudo partiu daí. Mas correu bem. Tocámos apenas três músicas.
Éramos mesmo verdes mas a verdade é que funcionou e provocou reacções, boas.
António: Desde o início começámos logo a exigir muito de nós. Ter uma imagem forte, coisas a dizer, boas músicas e canções. Sempre tivemos metas e isso só ajudou. Chegámos a ter músicas que foram escritas no próprio dia. Mas foram tocadas e cantadas com a atitude confiante de as apresentar como se fossem a melhor canção do mundo.
Como foram surgindo as canções que hoje compõem o disco de estreia?
Tiago: As canções foram surgindo no seio da banda nestes dois anos de ensaios e sendo arranjadas pelo Manuel Fúria que nos ajudou a construi-las melhor. Foi ele, no papel de produtor, que nos deu o olhar final sobre as músicas que hoje estão presentes no disco. Foi tudo uma evolução até ao disco, as músicas que constam têm uma coerência e alinhamento lógico
Pedro: Como sou o único que não tenho um instrumento a não ser a voz acabo por ser o que mais participa na composição das letras para que as coisas soem a algo que faça sentido na minha cabeça. Das minhas ideias e experiências parte a composição em que o Manuel Fúria também participa.
António: Nós cantamos para todas as faixas. Mais depressa uma pessoa com cinquenta anos ouve e percebe melhor o single «dezassete anos».
Estiveram recentemente na festa da Música Portuguesa a Gostar Dela Própria. Como correu?
Pedro: Foi muito bom porque as pessoas que ali estavam nunca nos tinham ouvido e gostaram. Era malta que ouvia Iconoclasts e coisas do género. Foi como no geral dos concertos. Primeiro ficam petrificados. Quem são estes miúdos. Mas depois entram na onda estival dos capitães.
Com tantas novas bandas portuguesas, que diferença é que Os Capitães da Areia vêm marcar?
Pedro: Achamos que está tudo muito deprimido e com muitos problemas para contar. Nós também podemos ter esses problemas, é impossível não ter, mas a ideia é mostrá-los de uma outra forma, com esperança, com optimismo que as faz rir e sobretudo dançar. É isso que acontece nos nossos concertos e começa por nós, pela nossa atitude em palco. É ir ver-nos de maracas na mão. É ir para a primeira fila e dançar para crer. Porquê não gozar, dançar com tristezas?
É dessa alegria que vem o “Verão Eterno”?
Vasco: Sim, também mas não só. “Verão Eterno” vem de uma ideia que é o Verão fora do Verão. É um imaginário. O imaginário e mensagem dos Capitães. Isto já não é Verão mas as pessoas podem dançar como se fosse.
Pedro: Quem ouvir o disco verá que nós levamos muito a sério esta nossa maneira alegre.
Os Capitães da Areia vão começar a onda de concertos de “Verão Eterno” já em Janeiro. Nós aguardamos por vê-los ao vivo, verdes como abacaxis, refrescantes todo o ano e ácidos q.b.
Fotografias por Ana Jerónimo
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