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Porto a preto e branco

Durante os passados dias 21, 22, 23 e 24 de Abril as cores desvaneceram-se na cidade do Porto. A 7ª edição do festival Black & White reuniu, mais uma vez, produções inóspitas e singulares e, também, vários cinéfilos locais que obviamente tiveram dificuldade em encontrar a combinação RGB.

Empoleirado no edifício da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa (UCP), localizado na zona da Foz, na Invicta, Damiel, o anjo que em “As Asas do Desejo” decide sacrificar a sua transcendência em prol da banalidade que dizem ser dotados os comuns mortais, dá as boas vindas a alunos, docentes, cineastas, fotógrafos, compositores, cinéfilos e demais interessados.

Não se escuta Nick Cave, nem se vislumbram as habilidades de uma trapezista ruiva pelos corredores. Porém, na tela do auditório Ilídio Pinto reúnem-se os dilemas das personagens das 50 narrativas a preto e branco em competição, bem como todas as problemáticas teóricas e técnicas que lhes são inerentes. Trata-se do evento Black & White, o festival audiovisual que tem como particularidade a estética do preto e branco, comum a todas as obras submetidas a concurso nas vertentes áudio, audiovisual e fotografia.

A organização do certame, que tem como principal objectivo a angariação de novos públicos, luta na tentativa de contrariar o preconceito de que esta opção artística é sinónimo de enfado ou elitismo a que facilmente lhe associam. Para isso, durante os quatro dias de duração do festival foram exibidos 37 filmes (18 filmes de ficção, seis filmes experimentais, cinco documentários, quatro videoclips e quatro filmes de animação), nove sequências fotográficas e quatro composições sonoras, oriundos de 17 países.

Corrida ao galardão

Os filmes em competição foram avaliados pelo público e pelo painel de jurados composto por: Chus Domínguez, videasta e documentarista espanhol; Humberto Duque, artista plástico mexicano de cujo trabalho se destacam instalações coloridas, onde se recriam ambientes ficcionais onde o público é levado a criar uma estória; Jenny Feray, fotógrafa francesa responsável pela catalogação fotográfica da obra de Camille Claudel; e Henrique Manuel Pereira, ensaísta e docente na UCP. Sem excepção, todos ressalvam a qualidade da organização, bem como o bom ambiente vivido no decorrer destes quatro dias. Referem a grande variedade dos trabalhos em concurso, embora Chus Domínguez lamente que não haja mais documentários.

Na noite de encerramento, pela voz de Humberto Duque, foram anunciados os vencedores. O grande premiado da noite, “Traffic Jam”, documentário finlandês da autoria de Arthur Franck e Oskar Forstén, onde é relatado o quotidiano ao volante de dois distribuidores de mercadorias, destacou-se “pela aplicação do preto e branco bem como de outros elementos cinematográficos na construção da narrativa”, referiu o júri. Para além do galardão de Melhor Documentário, arrecadou ainda o prémio Black & White, a honra de maior relevo do certame.

Ainda na categoria audiovisual foram distribuídos prémios para o Melhor Filme de Ficção, Melhor Filme Experimental e Melhor Videoclip. A curta-metragem de ficção búlgara “Magicians”, baseada na peça Elizaveta Bam, do escritor russo Daniil Kharms, evidenciou-se pela sua “atemporalidade e intrigante desenvolvimento da narrativa”. Na opinião do público, a Melhor Ficção foi atribuída a “La Carte”, comédia simpática que conjuga a imagem a cores e a imagem a preto e branco, que surge num postal de época, apresentando-se, portanto, como uma técnica para reforçar a noção de passado.

“Homeland”
, filme elaborado com desenhos feitos à mão e com música original do realizador Juan de Dios Marfil, que entretanto tem vindo a ser premiado e destacado em muitos outros festivais arrecadou, pela “simplicidade e estória emocionante”, o prémio de Melhor Filme de Animação. Também em animação, “Bottom of the River”, da dupla inglesa composta por Alasdair Brotherston e Jock Mooney, foi o vencedor para Melhor Videoclip. Graças à estética visual depurada e à atmosfera que criada, o prémio de Melhor Filme Experimental foi atribuído a “Last message from Mr Cogito”, baseado num poema de Zbigniew Herbert, ilustre escritor polaco.

Segue-se a categoria de Áudio e também a questão que, de acordo com Jaime Neves, director do festival, é  frequentemente mais colocada: como é que o som, que nos chega por vias auditivas, pode ser a preto e branco? Não será esta uma característica fundamentalmente ligada à percepção visual? O exercício proposto pede ao público que feche os olhos e embarque para os imaginários que lhes possam suscitar as composições sonoras apresentadas, imaginários esses que deverão de imediato remeter para o preto e branco. Espera-se, portanto, que se veja com os ouvidos. A questão colocada não é, portanto, de fácil resolução. Aliás, de acordo com Jenny Feray, artista essencialmente visual, é complicado “estabelecer uma ponte concreta entre o som e a imagem a preto e branco”.

“O dia do baptizado do Nuno”
, da autoria de Nuno Cruz, foi a composição escolhida pelo júri como Melhor Áudio. O preto e branco surge, através da associação à recordação, como um artifício do passado. Já o público optou por premiar “Mostrengo-Interlude”, composição sonora onde são postas em confronto duas leituras de “O Mostrengo”, de Fernando Pessoa (uma por Luís Miguel Cintra, a outra por João Villaret).
Os prémios de Melhor Fotografia foram atribuídos pelo júri a “Expressões”, de Pedro Machado, uma sequência de retratos de cegos e surdos-mudos, que aborda a expressão como máscara ao serviço da inserção social; e “Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra”, da autoria de Vanessa Rodrigues, trabalho que documenta a referida organização brasileira.

E enquanto se compete

“Não utilizo guião. Quando gravo não há muita preparação, no entanto há sim muita intensidade, procura e descoberta. É preciso ser-se aberto, porque corre-se o risco de não se encontrar nada, o que pode ser muito frustrante” explica Chus Domínguez, membro do júri do festival, durante a Artist Talk dedicada ao seu trabalho.

Intensidade, procura e descoberta são palavras que facilmente definem o sentimento do público do festival Black & White quando participa nos seus diversos eventos. A iniciativa, organizada por um conjunto de profissionais ligados à área artística, não é feita apenas de filmes em competição e Screenings, Artist Talks, Workshops, Espectáculos, Concertos, Festas e também um Encontro de Blogues enchem a sua programação e têm vindo a entreter os interessados durante as últimas edições do festival.

Portanto, longe daqueles momentos em que o público assiste, quieto e concentrado, às projecções em disputa, existiram também conversas, troca de impressões, de ideias, de cartões, e-mail e números de telefone. Os participantes falaram, conversaram, questionaram, riram, filmaram, beberam, fotografaram e divertiram-se. Isto porque é um festival a sério e a sua programação é recheada de sugestões e opções.

Na tela do auditório Ilídio Pinto passaram filmes oriundos de festivais europeus, respectivamente do “Institute of Documentary Film”, da República Checa, e do Festival “Era New Horizons”, da Polónia. Na abertura do festival, foram também apresentados trabalhos dos alunos do curso de Som&Imagem da Escola das Artes. O público teve a oportunidade de contemplar a estreia da longa-metragem The Forest, criada pelo realizador polaco Piotr Dumala, que foi exibida fora do país pela primeira vez e conta a história da relação entre um pai e filho em duas realidades distintas. Com este exemplo, reforça-se a ideia base do festival, que é precisamente a de oferecer ao público programação que normalmente não está acessível nos meios de comunicação.

E por falar em meios de comunicação, quem é que hoje em dia não consulta as críticas e opiniões dos jornais ou dos milhares de blogues emergentes na Internet? É por este motivo que o festival Black & White decidiu criar também um encontro de blogues de cinema para saciar a curiosidade dos cinéfilos mais impacientes.

Hoje em dia já não existem festivais que não requeiram a interacção com o público e, nesse segmento, paralelamente às projecções ocorreram dois workshops: um que foi o grande rebuçado – organizado pela Escola das Artes, permitiu aos participantes trabalhar em película, algo que actualmente é bastante raro e difícil de acontecer; e o outro, promovido e patrocinado pela Sony, com o nome de Sony Experience, foi dedicado a realizadores amadores e profissionais.

As Artists Talks visam dar oportunidade aos artistas internacionais e júris que nos visitam de explicar o seu trabalho. A 7ª edição do Black & White, considerada a edição do azar por Jaime Neves, director do festival, ficou pautada pelas restrições de voo causadas pela erupção do vulcão islandês Eyjafjallajokull. O acontecimento impediu a presença do alemão Ludger Brümmer, membro do júri, que ficou retido no seu país de origem, assim como a fotógrafa iraniana Arezu Karubi que não pertencia ao jurado, mas tinha uma Artist Talk marcada e uma bela exposição de corpos nus envoltos em sombras que logrou furor longe da sua autora.

Porém, o Black & White conseguiu trazer para o júri os artistas internacionais: Chus Domínguez, Jenny Feray e Humberto Duque. E foi precisamente nas Artist Talks que o público pôde escutar as dissertações dos artistas e também fazer perguntas relativamente ao trabalho desenvolvido e mostrado no evento.

Documentários e cinepoesia é núcleo de acção de Chus Domínguez, artista espanhol natural de León. Apresentou o trabalho “Cine Kubrick”, em que, sob a imagem parada e focada da entrada do local e as suas luzes néon a piscar “Kubrick”, vários empregados do cinema comentaram o decréscimo da afluência de público do cinema alternativo em prol das salas criadas nos shoppings. Queixaram-se também da alteração do perfil dos clientes que antigamente eram conhecidos pelos empregados e a relação era familiar e actualmente tal não acontecia. À conversa com o documentarista, ele revelou-nos que não utiliza um guião para os seus trabalhos e que as suas produções vivem da incerteza do momento da gravação. Pode conseguir algo espectacular, como pode não conseguir nada.

Já Humberto Duque afirma que as suas origens nada influenciam o seu trabalho, que se apresenta muito colorido e infantil “tenho o absurdo como elemento importante e construo diferentes camadas de significado naquilo que faço”, sustenta o artista. Colagens, plasticina, vinil, papel e livros desdobráveis de crianças preenchem as salas de exposição do criador.

Por fim, Jenny Feray mostrou o seu recente trabalho que articula escrita visual e escrita em braile nas suas fotografias de paisagens arquitectónicas fomentando a correspondência entre cegos e não cegos para que a totalidade da obra seja percebida “é necessária a presença de um visual e um invisual para que a fotografia seja entendida” disse a fotógrafa de nacionalidade francesa.

A cerimónia de abertura, na primeira noite do festival, apresentou a Corleone Big Band em palco, juntamente com uma projecção criada em especial para o certame, que destacou fragmentos de obras realizadas pelos grandes realizadores da história do cinema, tais como: “La sortie de l´usine Lumière à Lyon” (1895, Louis Lumière), “L´éclipse du soleil en pleine lune” (1907, Georges Méliès), “King Kong” (1933, Merien C. Cooper), “The Lady from Shanghai” (1947, Orson Welles), “À bout de soufflé” (1960 Jean-Luc Godard), etc.

Ainda durante a noite, nas várias que decorreram durante o festival, os participantes puderam contemplar no bar da Escolas das Artes o grupo Kucni Teatar Skripzikl, vindo da Croácia, que apresentou os seus quatro elementos, magrinhos e lunáticos, cujo ridículo agradou e divertiu por muito tempo a plateia.

A festa promovida pela empresa Jump Willy, organização criada por ex-alunos da Universidade Católica, fez o pré-aquecimento do fim-de-semana Black & White e também para o encerramento do evento, no Sábado, dia 24 de Abril. Terminadas as competições, a festa prosseguiu para o bar Passos Manuel, o local de encontro dos artistas portuenses, e que albergou mais uma data deles nessa noite num convívio informal e descontraído.

Esperamos a próxima edição do festival Black & White, que já tem data marcada para os dias 11 a 14 de Maio de 2011. Entretanto, em formato itinerante e reduzido, prepara-se para percorrer os principais pontos do país e assim, se ainda não tiveram a oportunidade de assistir ainda o poderão fazer no decurso deste ano. Aproveitem.



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