“Tejo”
A prova de que quem corre por gosto não cansa (e consegue chegar à meta de taça na mão)
Um inspector, uma femme fatale, uma morte. Vizinhos obcecados, passados não resolvidos e cheiro a suspense, em Lisboa, inspirado em film noir. É assim que nos surge “Tejo”, a curta-metragem de Francisco Baptista e Henrique Pina. Dois putos que chegaram sem medo de arriscar, com muita lata e com a mochila cheia de perspectivas e imagens que se tornaram, depois, num dos seus maiores projectos.
Com um elenco de luxo, mas sem cachet, Filipe Duarte, Miguel Seabra, Adriana Moniz, Rosa do Canto e Ana Bustorff dão alma às personagens que agora fazem parte desta curta-metragem que contou apenas com um orçamento de 700€ (dos próprios guionista e realizador).
“Ao início estava convencido que iríamos investir alguns milhares de euros e que não iríamos conseguir fazer isto sem financiamento.” – confessa Henrique.
Depois do guião estar em cima da mesa, bem como as dificuldades que poderiam ter que ultrapassar, não quiseram deixar passar o barco. E já dizia a minha avó, “quem não arrisca, não petisca”, e eles arriscaram e ainda petiscaram o 3º lugar nos Prémios Zon – Criatividade em Multimédia, em 2010.
“Mas depois a abordagem para o filme acabou por ser: tentar contar com a generosidade das pessoas e da equipa e gastarmos o menos possível, financiando nós o filme (até por causa da dificuldade que é arranjar financiamentos). À medida que fomos avançando percebemos que era possível, gastar pouco tendo o contributo das pessoas, sem outra contra-partida.” – continua Henrique.
Foi por tudo isto e mais alguma coisa que Francisco (guionista) e Henrique (realizador), também foram seleccionados em festivais como o New York City International Film Festival (USA), Portobello Film Festival (UK), CinemadaMare (Italia), New York Portuguese Short Film Festival (USA/PT/BR), Bush Fire Festival (Swazilandia), Golden Lion Film Festival (África Do Sul), Black & White Festival (PT) e Shortcutz Lisboa (PT).
Entrevista
O que é que vos levou até “Tejo”? Pensaram de início todo este projecto para film noir ou foi uma característica que decidiram adoptar depois, devido ao próprio argumento?
Francisco: Uma vez, em casa do Pina, vi um livro sobre film noir e tinha, muito recentemente, visto um filme que curti muito e que me fez lembrar muitas referências dos filmes noir. Acho que sempre estiveram presentes na minha cabeça, toda a vida. E em conversa, descobri que o Henrique também era fã.
E aquilo que surgiu na minha cabeça foi mesmo: “Porque não fazer um film noir?”
E foi assim… tendo em conta que queríamos fazer um film noir, no tal livro do Pina, tinha lá as características. E houve um trabalho de dissecar as características principais, a espinha dorsal do estilo noir e de as aplicar e revesti-las de coisas portuguesas. Como é o caso de uma reunião de condomínio, que é uma coisa que eu acho que não deve acontecer em mais lado nenhum do planeta: uma reunião de condomínio como acontece em Portugal.
Quanto tempo demorou desde o brainstorming sobre o projecto até à realização final?
Francisco: Eu lembro-me que só o argumento demorou cerca de 3 meses…
Henrique: O Francisco mostrou-me o argumento em Julho de 2010 e em Setembro já estávamos a filmar. Filmámos em 3 dias de Setembro e tínhamos tudo editado até ao dia 5 de Novembro, para um primeiro corte, a primeira versão de 10 minutos para irmos ao concurso da Zon.
Depois disso a versão final de edição foi em Dezembro e especialmente o dia 7, que foi quando exibimos o filme pela primeira vez em público, no Musicbox.
Quais foram as vossas maiores dificuldades?
Francisco : Para além de todo o trabalho, que só o projecto em si tem, e de todos os processos, pelo menos na minha opinião, o facto de ser a primeira coisa que fazíamos, levou-me a ser totalmente inconsciente das dificuldades que estávamos a ultrapassar.
Há coisas que eu noto hoje em dia e que penso “isto está a ser complicado”, ou “temos aqui um obstáculo grande à frente”, que, na altura, era tudo muito novo e a abordagem às coisas era muito mais inconsciente e até levada um bocado na diversão.
Henrique: Na véspera das filmagens até me encontrei com o António Pedro Vasconcelos para ele me tranquilizar um bocado e tirar a pressão de cima de mim. A maior dificuldade foi mesmo essa, de estarmos a entrar por caminhos novos.
Em relação ao elenco, sentiram-se de alguma forma “intimidados” por estarem a trabalhar com nomes de referência?
Francisco: Eu lembro-me do momento em que o elenco ficou fechado. Estávamos os dois no Jardim das Amoreiras e o Pina estava a falar ao telefone. Quando ele chegou à mesa disse “olha, temos a Ana Bustorff!”. E nós escrevemos num papel o elenco todo que tínhamos. E foi nesse momento, talvez o primeiro, que nos bateu a responsabilidade gigante que tínhamos.
Porque acho que tanto no elenco, como na equipa, se tivéssemos feito porcaria, que felizmente não aconteceu e toda a gente disse que gostou de trabalhar connosco, eram pessoas muito grandes com quem nos íamos “queimar”; não haveria segunda oportunidade.
Henrique: Mas acho que, por outro lado, talvez um pouco por causa da nossa inconsciência, parecia que sabíamos sempre que iria dar certo (risos). As coisas foram correndo tão bem. Parecia que tínhamos ali uma estrelinha (não tirando mérito ao trabalho de toda a equipa) que não ia deixar que alguma coisa corresse mal.
O que vos levou até este grupo? Foram nomes que, imediatamente, se puseram em cima da mesa?
Henrique: Acho que começa logo no argumento. Se bem que ele não conhecia o Miguel Seabra, isso foi uma dica minha. E o Filipe Duarte era um dado adquirido desde o início, para inspector.
Parece que ao ler aquele argumento, ao lermos aquelas personagens, começámos logo a criar uma imagem delas e um certo perfil, que nos levou até estes cinco actores principais.
E eles disseram logo que sim. Portanto, a nossa primeira escolha foi aquela com que ficámos. Que é sempre bom e gostava que fosse sempre assim.
Francisco: De uma maneira totalmente também inconsciente, porque quando falámos com Filipe Duarte, até ao momento de ele ligar a dizer que sim, obviamente que tínhamos esperança, foi uma situação totalmente irreal. Porque toda a gente sabe que ele é uma das pessoas mais requisitadas para Cinema em Portugal.
Há alguma cena que possam chamar de “preferida”?
Henrique: Tenho duas. Uma é quando a Adriana Moniz entra no prédio, a meio da reunião de condomínio e troca olhares com o contabilista (Miguel Seabra).
A outra é a penúltima cena do Club Hades. Acho que essa cena correu melhor do que aquilo que tinha imaginado. Foi mesmo um trabalho de equipa incrível, tanto da parte do Director de Fotografia, até da nossa parte. O acting estava espectacular!
Francisco: Realmente, agora olhando para trás, essa cena no Club Hades foi completamente louca em termos de produção. Tivemos um chefe electricista, um operador de steady cam… Houve tanta gente nessa cena a fazer coisas diferentes e tão bem!
Mas a minha cena preferida é a primeira conversa entre o inspector e a femme fatalle (Adriana Moniz). Porque que ficou muitos pontos acima do que tinha escrito. Olho para aquela cena e vejo toda a influência de toda a equipa: maquilhagem, guarda-roupa, realização, fotografia, banda sonora, a representação…
Quão importante é para vocês a banda sonora e o que vos levou pensar na Diana Piedade?
Henrique: Aqui não podemos falar só na Diana, porque houve também o André G. Mendes e o Samuel Sim Sim. E acho que a junção destes três está muito bem conseguida.
Não tirando o mérito à Diana e ao Samuel, a banda sonora que o André criou, no espaço de tempo que foi, acho que ficou incrível.
E a banda sonora foi muito importante, até pelo estilo de filme que é, pelas características, não poderia ser uma banda sonora qualquer. Apesar de termos algumas referências de filmes noir como “Pagos a Dobrar”, entre outros, tínhamos também a referência da The Cinematic Orchestra. E o André apanhou a ideia que nós queríamos muito rápido e bem.
O Samuel criou de raiz a música que passa na cena do Club Hades, e eu adoro. Fico imensas vezes com essa música na cabeça porque está mesmo muito bem composta.
Francisco: Por acaso foi muito giro que, quando fomos à Ameba (a empresa de pós-produção de áudio onde o André trabalha) falar com o Víctor Mingates, que nos tinha sido referenciado pelo Filipe Duarte para fazer a sonoplastia do filme, não tínhamos ninguém pensado para fazer a banda sonora.
Enquanto o Victor estava a acabar um trabalhos, o André estava a fumar um cigarro à porta e, na conversa sobre o filme, perguntou-nos as nossas referências. Quando dissemos The Cinematic Orchestra, o André disse que era uma das suas bandas preferidas e ficou muito curioso porque não é uma banda muito referenciada para bandas sonoras. Disse logo que se não tivéssemos ninguém, que adorava fazer.
E ainda bem porque ele é um músico incrível e fez uma grande banda sonora.
Quanto à Diana, tinha acabado de estar do Ídolos e toda a gente reconhece o talento gigantesco que ela tem. E quando estivemos aquele tempo na Ameba a discutir a banda sonora, pensámos numa voz e o primeiro nome que surgiu foi “Diana Piedade”. Mandei-lhe um email e ela veio de Lagos de propósito para gravar.
Que feedback tiveram ao longo das exibições?
Henrique: Tivemos um feedback positivo. Às vezes há criticas construtivas que nos ajudam a pensar naquilo que fizemos e a reparar os pontos onde poderíamos ter sido melhores, mas isso também faz parte do nosso desenvolvimento.
Francisco: Sim, concordo. Tem sido bom, mas sempre com a consciência que este é o nosso primeiro projecto e que, portanto, temos imenso para aprender. E ouvimos sempre o feedback com muita atenção.
Melhor do que ninguém, conhecem a dificuldade de começar um projecto novo, nomeadamente em Cinema. Já dizia Francis F. Coppola “Quem disse que a arte tem de ter preço? E, portanto, quem disse que os artistas têm de ganhar dinheiro?” Acham que é cada vez mais difícil fazer Cinema?
Francisco: Por um lado, acho que com os meios técnicos que temos hoje em dia torna-se mais acessível a quem quiser e isso é bom. Mas também há o reverso da medalha: faz-se em demasia. E as coisas que não são boas acabam misturadas com coisas boas. E como a quantidade de coisas que não são boas é tanta, acho que começa a não haver uma distinção ou a não se dar valor ao que realmente é bom.
O que pensam do Cinema em Portugal?
Francisco: Acho que está a crescer!
O que mais gostam no mundo do Cinema?
Francisco: A mim dá-me uma adrenalina gigante, como nada mais me dá. Adoro ver as coisas a acontecer, e ver uma imagem bonita na câmara e actores espectaculares.
E ver essas outras pessoas todas a trazer algo positivo, porque se toda a gente estiver motiva, todos acrescentam um pouco deles próprios ao projecto.
Henrique: É mesmo isso! O que mais gosto é ver sair a cena do papel, ou um actor a dar-lhe vida. Acho que quando há essa outra dimensão é um momento especial.
Projectos futuros?
Henrique: Temos uma curta para acabar: “O mundo cai aos bocados e ainda assim as pessoas apaixonam-se”, que já temos metade filmada. É uma curta, espero eu, que saia no final do Verão. É com o Albano Jerónimo, Joana Solnado, José Wallenstein e outros actores que ainda não filmámos. E, para não agoirar, não quero dizer os nomes deles (risos).
Francisco: Acho que as curtas são um processo de amadurecimento sempre em direcção a um objectivo que é fazer uma longa. E não quero ficar pelas curtas. Portanto acho que, num futuro próximo, o objectivo é fazer uma longa-metragem.
Uma personalidade de referência/que vos inspira
Francisco: A malta que faz aquilo que gosta, ultrapassando os obstáculos e tentando mudar as coisas… Fora do Cinema por exemplo o Steve Jobs, no Cinema o Christofer Nolen, o Coppola…
Henrique: Estou-me a lembrar agora do George Lucas, porque depois de ter visto a maneira como ele criou o “Star Wars” e a quantidade de factores que ele teve de lutar para pôr aquilo de pé, acho que é espectacular. E também o Alan Ball, o criador do “Six Feet Under”.
“Tejo” @ Shortcutz
“A curta-metragem “Tejo” é um bom exemplo do tipo de trabalhos que recebemos – feita sem qualquer apoio financeiro mas em que o Francisco Baptista e o Henrique Pina, com uma boa ideia, conseguiram juntar um bom cast [Filipe Duarte, Ana Bustorff, Miguel Seabra], arranjar uma câmara [emprestada pela Krypton Films], ter o Paulo Segadães como Director de Fotografia… Mostra como não ficar de braços cruzados dá muitas vezes bom resultado e é, sem qualquer dúvida, uma curta fortíssima na competição deste mês.” Sandra de Almeida, Shortcutz
Quem ainda não teve a oportunidade de a ver, que vá bater à porta do Bicaense dia 8 de Maio, onde “Tejo” vai ser exibida em mais uma sessão Shortcutz (festival de curtas que acontece todas as terças-feiras, às 22h), no Bicaense.
Quão importante é o Shortcutz no mundo da produção cinematográfica?
Sandra de Almeida: O Shortcutz veio dar exposição a um formato que normalmente tem muitas dificuldades em chegar ao público – a curta-metragem. Até ao aparecimento do movimento Shortcutz havia o circuito normal de festivais e pouco mais, o que implicava que uma grande parte dessa produção cinematográfica nunca fosse vista por ninguém. Nesse sentido a importância é inegável porque, de repente, surge um espaço semanal onde trabalhos, que de outra forma não veriam a luz do dia, podem ser vistos, comentados e questionados, independentemente de serem feitos por um estudante de realização ou pelo Edgar Pêra.
Porquê no Bicaense?
Sandra de Almeida: O Shortcutz é um conceito informal, urbano, um movimento com entrada livre e não um festival de Cinema onde é adquirido um bilhete para assistir a uma exibição numa sala mais ou menos convencional. Isso faz com que o Bicaense seja a “casa” ideal, até pelo próprio espaço – tem dois espaços distintos: a entrada, onde é possível verem-se os filmes enquanto se bebe um copo, se dá dois dedos de conversa, sair para fumar um cigarro… e a sala interior onde se pode estar sentado a ver os filmes, em silêncio, e no final fazerem-se perguntas às equipas.
Havendo o Shortcutz noutras cidades da Europa, penso que haverá forma de comparar o nível de adesão do público. Como avaliam Lisboa?
Sandra de Almeida: As cidades têm hábitos diferentes e isso transparece também nas sessões do Shortcutz, é inevitável. Obviamente que, precisamente porque as cidades e a forma como são habitadas não são iguais, os públicos não são iguais. Isto obriga a que os espaços onde as sessões acontecem tenham também características diferentes, de forma a poderem adequar-se a esses públicos. O Shortcutz é um movimento com entrada gratuita e em Lisboa estamos num local privilegiado, numa noite em que normalmente não acontece muita coisa [terça-feira], pelo que as sessões têm muita afluência todas as semanas.
Há algum projecto futuro? Apesar de o Shortcutz já ser a nível internacional, gostariam que fosse levado até um ponto mais ambicioso?
Sandra de Almeida: O Shortcutz está no início, ainda há muito a fazer. Neste momento temos sessões semanais em cinco cidades: Lisboa, Porto, Londres, Berlim e Madrid. O objectivo do Shortcutz é ser um movimento internacional e não apenas europeu, a rede tem de continuar a expandir-se, atravessar oceanos… A grande ambição é possibilitar a interacção entre todas as cidades, não só dos filmes mas também das equipas que os fazem; uma curta-metragem que passe esta semana na sessão de Madrid, no próximo mês ser apresentada na sessão de Los Angeles. Esta é a grande ambição do Shortcutz.
O que acham do Cinema em Portugal?
Sandra de Almeida: Há muitas críticas que se podem fazer ao estado actual do Cinema Português. Estamos a passar uma fase muito complicada, não há qualquer dúvida. O reconhecimento que o Miguel Gomes e o João Salaviza receberam no Festival de Berlim obrigou a Comunicação Social a dar atenção ao Cinema Português. Seria importante que quem nos representa também começasse a dar alguma atenção, não só ao Cinema mas a toda a Cultura; olhe-se para os países ditos mais evoluídos e veja-se a diferença… No entanto acho importante olhar também para os aspectos mais positivos: desde Janeiro estrearam seis filmes portugueses nas salas de Cinema, nesta última edição do IndieLisboa foram exibidos 38 filmes portugueses. As coisas continuam a acontecer.
Creio, aos poucos, estar também a dar-se uma alteração na forma como o público olha para o Cinema Português, o que me faz acreditar que mais tarde ou mais cedo acontecerá o mesmo que com a Música Portuguesa. Há bem pouco tempo ninguém ouvia Música Portuguesa e hoje em dia essa discussão já não faz sentido.
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