Rui Pedro Tendinha
Conversa com o crítico, programador e realizador que estará em competição na edição deste ano do Fantas.
Começou a interessar-se pelo cinema enquanto espectador e pelo gosto em partilhar bons filmes. Falamos de Rui Pedro Tendinha: crítico de cinema, programador, mas acima de tudo um cinéfilo confesso. Pelo caminho fez Teatro, agora prepara-se para rodar um filme e já realizou dois documentários. O último, “Brecht – Livre Acesso”, é um filme documental sobre o processo de criação, as dificuldades inerentes ao trabalho de actor, a constante repetição dos ensaios e a grande emoção da estreia da peça “O Senhor Puntilla e o seu amigo Matti”, e vai estar em competição no Fantasporto no dia 2 de Março. Conversámos com Rui Pedro Tendinha sobre Teatro, Cinema, e ainda houve tempo para as previsões da próxima cerimónia dos Óscares.
Porquê fazer um documentário sobre o “Senhor Puntilla e o seu amigo Matti”?
Porque interessava-me ver o interior de uma encenação de uma peça de Brecht nos nossos dias. Tive sorte. Sorte das grandes – o encenador deu-me a mim e à minha equipa acesso total. Pressenti, desde logo, que estava ali o maior sucesso dos últimos anos do Teatro Aberto. Queria perceber também como se desenvolve um espectáculo desde o primeiro dia de ensaios até à noite de estreia. E, como já fiz teatro, penso que poderia ser apelativo todo aquele catálogo de rituais e de receios.
Como reagiu toda a equipa à tua presença nos ensaios?
Tentei sempre que a câmara fosse invisível. Claro que no começo não foi. Eles desconfiaram…No fim, senti que já fazia parte do grupo…São muitas horas enfiados num local escuro, dia e noite. E este Verão estava um sol lá fora bem bonito…
Na descrição que me enviaram sobre o documentário, referem “Livre Acesso” como um anti-making of. Porquê?
Odeio making-ofs. No futuro, quero fazer o que fiz com esta peça, num plateau. O que me irrita solenemente nos making-ofs é aquela facilidade no elogio. Além do mais, anda tudo a fazer making-ofs formatados. Quando vejo essas coisas parece que estamos nos bastidores de um mar de rosas: são todos amigos, são todos talentosos. Nunca se vêem os problemas, as dificuldades. Pior: nunca se vê o acto de criação.
Brecht é um autor de que gostas particularmente?
Sim, mas o que me motiva em teatro são tipos como o Tom Stoppard, o Neil LaButte ou o Charles Grodin. O novo teatro contemporâneo está a precisar de dramaturgos com uma sofisticação diferente. Os próximos anos serão decisivos, mas estou optimista. Estamos todos fartinhos de estar à espera do novo Mamet ou do do novo Pinter.
Achas que a linguagem do cinema e do teatro se cruzam de alguma forma?
Não, mas cada vez estou mais apaixonado por teatro com cinema e por cinema com teatro. Ainda no outro dia revia um Bergman e pensava nisso, que bela promuscuidade.
A tua formação de base é na área da comunicação institucional, mas tens-te especializado mais enquanto crítico, programador e realizador de cinema. Como é que isso aconteceu?
Por deformação cinéfila. A afiliação na crítica era mais forte que tudo. Surgiu como um designío: quis escrever sobre filmes para estar perto do espectador mal informado. E há um gozo extremo de partilhar. A programação foi um desafio de Paulo Branco, o homem forte do Estoril Film Festival, um festival onde se conseguem descobrir pérolas como CANINO, ROOM AND A HALPH ou valorizar um filme português como DUAS MULHERES. É um festival onde cabem muitas fluências de cinema. Isso é tão raro. A questão da realização está a ser um acidente. Pensei que os meus dois documentários iriam ser casos únicos, mas estou já a preparar outro filme. Um filme com um olhar de jornalista de cinema mas sem um pingo de cinema.
Gostas mais de cinema ou documentário?
Mas há cinema documental…E sim, gosto do cinema documental. O olhar de cinema de um JOSÉ E PILAR só não emociona um troll. Sou fã também da metodologia de Errol Morris e , em tempos, apreciava o lado incendiário de um Michael Moore. Em Portugal há um sopro novo de documentaristas que não fica atrás daquilo que vejo nos principais festivais de cinema internacionais.
É dificil fazer documentário em Portugal?
Cá confunde-se documentário com reportagem. Claro que há repulsa de quem gosta de cinema por esses objectos que , de vez em quando, são glorificados com cinema. Mas claro que temos de estar de sorriso aberto: temos cineastas de ficção que sabem fazer cinema documental com uma gravidade sublime. E depois há putos que fazem cinema de guerrilha muito bom. Como programador do Shortcutz tenho vindo a testemunhar um rastilho de revolução. E há uma produtora que está à frente de todas: a Elemento Indesejado.
Quando dizes que cá se confunde reportagem com documentário, lembro-me da polémica que surgiu no ano passado quando o Pelicano ganhou o DocLisboa com o “Pare, Escute e Olhe”. Muita gente afirmou que aquilo era reportagem e não documentário. Tu concordas com essa opinião? Onde acaba a reportagem e começa o documentário?
Em cinema não pode haver reportagem. Isso não se explica. Sente-se. Obviamente, sou alérgico a docs com preocupações jornalísticas, ou seja, com cabeças falantes, preocupações em explicar tudo como na escola primária e em éticas explanativas. É estranho, mas quando é reportagem nota-se à légua. Não se sente sente o tempo de cinema – tudo é editado, justificado e contextualizado. No cinema, o tema tem de ter uma visão. E uma neutralidade, mesmo que seja uma neutralidade «filha da mãe».
Como vês o panorama cinematográfico em Portugal? Há projectos com qualidade?
Sim, o cinema português de arte e ensaio vai bem e recomenda-se. Não há festival internacional que não se babe por cinema tuga. Nomes como Miguel Gomes, Hugo Vieira da Silva, João Salavisa ou Sandro Aguilar não vão salvar o cinema português, mas nunca nos deixam envergonhados. O nosso pequeno cancro são os filmes que tentam ser comerciais…à viva força. E há falta de sentido de humor nas comédias, meios técnicos nos thrillers e mau storytelling nos melodramas. Aí sim, precisamos de um Dom Sebastião, mas lembro que em Espanha, antes do boom Almodóvar, o discurso era o mesmo. O que digo sempre é que não vale fazer queixinhas.
Está aí à porta mais uma cerimónia dos óscares. Quem é que achas que vão ser os favoritos deste ano (Melhor Realizador, Melhor Filme, Melhor Actriz e Melhor Actor)?
O realizador que deve ganhar é o Tom Hooper ou o David Fincher, mas quem eu queria era os Coen. No melhor filme, aposto que ganha O DISCURSO DO REI, o mais consensual de todos, mas claro que TOY STORY 3 tem mais cinema. Ou mesmo o realismo ultra cinéfilo de THE FIGHTER atrai-me mais.
Qual foi o melhor filme que viste ultimamente (independentemente de estar ou não nomeado para os óscares)?
PROMISES WRITTEN IN THE WATER, de Vincent Gallo. Proposta de umbigo em estado de graça. Claro que não é filme para Óscares nem para detratores das ambiências de Gallo, mas está lá um momento. Um momento de cinema que nos faz ficar no altar da morte.
Fotografia de Graziela Costa
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