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“Transcrição” de Kate Atkinson

Quando os erros do passado te encontram no presente

E ali, num dos molhes, emergindo devagar da bruma, os contornos mais nítidos à medida que o barco se aproximava, encontrava-se a figura inconfundível de Godfrey Toby.
(…) Como se obedecesse a um sinal, a bruma envolveu-o mais uma vez e Godfrey desapareceu.

Um mundo envolvido por uma névoa, repleto de segredos e mentiras , onde nada nem ninguém é o que aparenta ser.

Este é o tema fulcral de Transcrição, de Kate Atkinson (Bertrand, 2020). Um grupo de pessoas, envolvidos numa teia de manipulações arriscadas, num dos períodos mais caóticos da História, onde a sobrevivência depende de ” (…) Enganos, mentiras e um jogo de ilusões e duplicidade em tempos perigosos.”

Atkinson remete o leitor para uma realidade babélica, imersa na II Guerra Mundial, com personagens tão diferentes e ao mesmo tempo tão similares, onde ninguém é totalmente inocente e todos são vítimas.

O que leva à personagem principal, Juliet Armstrong, uma mulher fracturada em muitos sentidos além do físico, que é a premissa em que a encontramos pela primeira vez.

Anos 80, ano do casamento real entre o Príncipe Carlos e Lady Diana Spencer, Juliet é atropelada enquanto atravessa a rua, e eis o momento em que a sua mente começa a vaguear pelas memórias do passado.

O que se segue, são relatos seus de eventos ocorridos entre os anos 40 e 50, representados por vários saltos temporais ao longo da história, como se a própria mente de Juliet estivesse quebrada. O que em parte, se pode considerar válido, dado que passou a sua vida envolvida por momentos dolorosos que a moldaram na mulher que o leitor vê no início da história.

Em pleno ano de 1950, Juliet é produtora na BBC Schools Broadcasting, e inesperadamente, dá de caras com um espectro do passado. Mas o que está por detrás dessa aparição?

Segue-se uma série de situações que poderiam tratar-se apenas de coincidências.

Vai pagar pelo que fez.

A figura do passado desponta-lhe um leque de recordações da época em que foi recrutada para o MI5 e o seu trabalho lado a lado com a equipa da 5ª coluna, composta pelo seu mentor Peregrine Gibbons (Perry), um ser estranho e um pouco excêntrico por vezes, por quem Juliet nutre uma paixonite, por vezes a roçar o ridículo; Reginald Applethwaite (Reg) & Cyril Forbes, responsáveis pelas escutas e gravações, e o elusivo e ultra-misterioso, Godfrey Toby (mais conhecido como O Grande Enigma).

A equipa tem como missão gravar as conversas entre Godfrey Toby, a agir como agente duplo, e os “vizinhos”, os simpatizantes Nazi, Dolly (sempre acompanhada do seu cão), Betty, Trude e Victor, que se encontram, pontualmente, no apartamento ao lado.

Um momento decisivo vai definir a sua vida e dos demais dali em diante. Um segredo obscuro que os vai unir para sempre, quer queiram quer não.

Mas como tudo na vida, nada fica completamente esquecido e o passado tem uma forma estranha de cobrar as dívidas.

Transcrição, de Kate Atkinson, é um romance de suspense e espionagem, onde apesar dos sacrifícios de outrora, o passado vem bater à porta e colectar os pecados cometidos.

Imaginara-se a caçadora, Diana, mas afinal era o cervo, e os cães começavam a cercá-la.



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