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Fantasporto 2012

O humor grotesco em destaque no Fantas.

A narrativa do Fantasporto este ano poderia ter sido “o Fantas e a crise” (com os bilhetes a custar cinco euros, as salas pouco frequentadas e o já tradicional aviso que não sabemos se para o ano ainda vai haver Fantas), “o Fantas e o saudosismo” (com as primeiras notícias sobre o evento a darem um destaque ridículo à exibição do “Blade Runner”, filme que passou recentemente não só no festival como nas salas de cinema normais, e à retrospectiva Ed Wood, outra ideia recuperada de uma edição semi-recente do evento) ou até mesmo “o Fantas e a questão asiática”, com a ausência da secção Orient Express, uma decisão bizarra num tempo em que a paixão pelo cinema e pela animação asiática mantém-se como uma das poucas vertentes da cultura geek em franca ascensão em Portugal. O próprio Dorminsky justificou a decisão pela falta de fundos (ok) e pela falta de “grandes filmes”, o que chega a ser ofensivo quando tivermos em conta de que se está a falar das indústrias cinematográficas não só de um, mas de vários países.

Mas nenhum destes factores marcou indelevelmente os procedimentos. E também não foi o marketing que moldou o festival por aí além, se bem que, como todos os anos, podemos apontar os triunfos (o dragão à frente do Rivoli, a ausência de um anúncio emblematicamente irritante como houve em edições passadas, a experiência religioso-psicadélica de olhar para a cara do Jorge Sampaio na exposição de hologramas do andar zero) e os fracassos (o anúncio televisivo a listar os maiores convidados ao longo do tempo, fazendo assim o alinhamento actual parecer bastante precário; o cartaz, com estética de conferência genérica sobre design gráfico; o pessoal vestido de fantasma… bem, suponho que isto não possa ser totalmente categorizado de fracasso, por mais azeiteiro que seja – deve funcionar bem para atingir o público de adolescentes com fixação pelo Tim Burton). A verdade é que, numa selecção bastante internacional, uma série de filmes conseguiu exaltar os ânimos e, entre si, estabelecer uma espécie de diálogo em torno de um certo sub-genre: a comédia de terror.

Vencedor do Prémio do Júri e Prémio da Crítica, “Lobos de Arga” de Juan Martínez Moreno é uma comédia de lobisomens simpática; não brilha pela sua originalidade, nem no enredo nem no humor (piadas sobre camponeses que fodem ovelhas, a sério?), e as influências de um “American Werewolf In London” de John Landis ou de um “Hot Fuzz” de Edgar Wright fazem-se sentir de forma clara, mas o filme consegue convencer à mesma graças à sua atmosfera divertida de filme de Domingo à tarde e pelo trabalho bastante bem elaborado no que toca às criaturas em si, que mostram um look clássico sem parecer baratucho.

O antecipado “Attack The Block” não desiludiu: como um John Carpenter do século XXI, Joe Cornish sabe fazer filmes de acção excitantes e excêntricos que encerram mensagens sociais mais profundas. A história de um bando de adolescentes que defronta uma invasão alienígena, “Attack The Block” teve exactamente a mistura de humor, acção e terror pretendida.

E também a comédia gore japonesa teve o seu lugar, com o escatológico “Zombie Ass” de Noboru Iguchi. Pessoalmente não derivo grande prazer desta fase auto-consciente “ZOMBIES PIRATAS SAMURAIS ROBÔS LOL” do cinema de género japonês (e não só), mas acho bem que tenha exposição, e o circuito de festivais será certamente o único lugar em que os fãs portugueses poderão ter acesso a este tipo de caos no grande ecrã.

Mas o grande vencedor desta edição, com melhor actor, melhor argumento e o prémio do público, foi “Juan de Los Muertos”, uma comédia de zombies cubana realizada por Alejandro Brugués. Não é difícil entender o que fez com que as pessoas se sentissem atraídas ao filme: “Juan” possui a mesma energia cinética do cinema de Hong-Kong dos anos 80; a mesma atmosfera de improviso, a mesma insistência no humor físico e nas piadas de estereótipos (a homossexualidade não é vista propriamente como algo desprezível, mas como uma excentricidade cómica; baby steps). E vinga também pelo próprio Juan, um Zé Povinho desempenhado de forma carismática por Alexis Díaz de Villegas. O filme acaba por funcionar melhor como um conjunto de rábulas do que como produto inteiro (o prémio de melhor guião não faz lá muito sentido), mas “Juan de Los Muertos” tem uma atmosfera irreverente que lhe dá bastante brio – principalmente se o compararmos com o outro grande vencedor, “Hell” de Tim Fehlbaum (melhor filme, melhor actriz), uma combinação de clichés pós-apocalípticos com prestações de telenovela alemã, maneirismos visuais monótonos (APOCALIPSE = TONS SATURADOS), personagens de cartolina e uma ausência total de qualquer tipo de sentido de humor.

Há mais a contar, sobre o promissor “Bellflower” (um episódio de “Melrose Place” em formato Chillwave, e bem melhor do que esta descrição implica), sobre a cópia “restaurada” mas bastante deficiente do mega-clássico “Get Carter” e sobre os inevitáveis filmes que nada têm de fantástico ou sequer de genre cinema; mas o facto é que em 2012, o Fantasporto conseguiu fazer transparecer que ainda existe um diálogo interessante no mundo do cinema de género; e que este parece ser feito principalmente através do riso.



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