Homem em Catarse | “catarse natural”
Homem em Catarse oferece-nos um álbum de canções muito portuguesas. Conseguimos sentir isso ao escutá-las, mas há nelas também uma enorme abertura para o mundo que temos perante nós, mesmo à nossa porta.
“catarse natural”, assim mesmo, escrito com minúsculas, é o título do novo álbum de Homem em Catarse, o projecto de Afonso Dorido, que ao quarto álbum se aventura como nunca, abraçando diversos géneros e experimentação, sempre com olhar sobre o presente, mas sem esquecer o passado e o futuro, sempre interdependentes. Ao longo de doze faixas, Afonso Dorido e um rol de convidados que ajudam sempre a tornar o resultado, em algo maior do que a soma das suas partes, oferece-nos “catarse natural”, difícil de rotular e ainda bem. E não cabe dentro de um género porque não é isso que procura. Em vez disso, cada canção leva-nos por um registo (talvez “caminho” possa ser uma melhor palavra) próprio, revelando a versatilidade de Afonso Dorido como músico e compositor.
«Paredes em Flor» embala-nos ao som de uma guitarra portuguesa. Triste, é certo, mas bela, igualmente certo. «Hipoteca» põe o dedo numa ferida que se teima em abrir cada vez mais. “Venham todos, venham todos / Venham todos turistar / Não interessa gente sem casa / O que interessa é faturar”.
«Eu Não Serei» apresenta o primeiro convidado que figura em “catarse natural”, Nuno Rancho (Few Fingers, Jerónimo). Uma canção que versa sobre a procura do nosso lugar, num mundo repleto de incertezas, espaciais ou pessoais. “Eu não serei de ninguém em nenhum lugar / Talvez serei… quando um dia me encontrar”. «Amélia», que conta com a voz de Sara Yasmine (Retimbar, Sopa de Pedra) é num dueto folk suave, ao som de uma guitarra e uma percussão suave, quase sussurrada.
«Fado Sem Exceção» é uma canção que poderia ter nascido numa sessão com os Dead Combo, até ao momento em Luca Argel, com seu registo único, lhe confere aquele elemento diferenciador, acentuado pela maneira como os acordes de guitarra que pincelam um pouco de fado se misturam com o português do Brasil de Luca Argel, num registo que termina suave, mas quase abruptamente.
«O Tempo Vem Atrás de Nós» baralha e volta a dar, desta vez num registo shoegaze, enquanto «Balada de Vila Pouca» transpira uma reflexão sobre nostalgia e saudade.
«Gueto da Paz» é sobre a procura de paz (uma utopia?). Talvez por isso seja a canção mais rápida, a que mais nos procura puxar para cima, não só pela batida constante, mas pela mensagem passada em conjunto por Afonso Dorido, Luca Argel, Sara Yasmine e Nuno Prata (Cara de Espelho, Ornatos Violeta).
«Gaivota Embaixatriz» devolve-nos a um folk minimalista, sobre esperança e salvação. E em «As Chaves do Tâmega» as teclas do piano, fluem como um rio e envolvem-nos num estado de suspensão, ainda que momentâneo. Um interregno antes dos dois momentos densos que marcam o final de “catarse natural”. «Padrão dos Encobrimentos», pautada pelo dedilhar sobre a guitarra, enquanto um som, ao fundo, vai pairando, como uma sombra, que trás duma angústia quase palpável, que por várias vezes se desvanece, e «O Nosso Ultramar», que ao contrário da canção anterior, que nos leva a pensar e a pesar um passado não tão distante quanto isso, e a encarar o futuro, procurando ser consciente do caminho trilhado até aqui e do muito que falta percorrer…
Homem em Catarse oferece-nos um álbum de canções muito portuguesas. Conseguimos sentir isso ao escutá-las, mas há nelas também uma enorme abertura para o mundo que temos perante nós, mesmo à nossa porta.
O álbum, que contou com o apoio à edição da Função GDA, já se encontra disponível na vossa plataforma digital, e conta também com uma edição física em formato CD, a que se seguirá – muito brevemente – uma outra em formato vinil.
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