James Brown

R.I.P - 1933 - 2006

No dia de Natal morreu James Brown. Quando alguém morre há sempre algo que se pode dizer. Quando morre alguém como James Brown, muito se tem que dizer.

A biografia de Brown é o paradigma do “sonho americano”. Cresceu na pobreza, segregado pela cor da sua pele e obrigado a adquirir independência, desde muito cedo, devido às ausências quer da mãe, quer, mais tarde, do pai. Na infância trabalhou nos campos de algodão, a engraxar sapatos e a dançar nas ruas. Como se vê, a música desde cedo apareceu na sua vida, através dos cantos gospel das igrejas, da rádio e (como praticante) através de um pequeno órgão oferecido pelo seu pai. Na adolescência acabou por entrar na delinquência, devido a pequenos furtos que lhe garantiam alguma independência financeira. Em consequência disso, aos 16 anos vai parar à cadeia, por tentativa de roubo de um carro.

Apesar da sua idade, é julgado como se fosse adulto, injustiça que o marcará para sempre. Apesar de tudo, é na prisão que conhece duas pessoas cruciais da sua vida musical: John Terry, com quem forma um grupo gospel que chega a actuar para os reclusos; e também Bobby Bird, amigo que lhe dá guarida depois da sua saída da prisão e, mais tarde, se aventura com os Flames, também com John Terry. Os Flames tornam-se assim o grupo com quem James Brown passa a encarar de forma séria a actividade musical. Servem também como uma óptima escola, onde Brown aprende a dar azo à sua espontaneidade em palco, de forma a minimizar o impacto da falta de equipamentos musicais. É, portanto, o tubo de ensaio dos magníficos espectáculos a que o artista nos habituou, com a componente de espectáculo bem valorizada, através de vistosas coreografias.

Os anos seguintes são de ascensão. Os Flames conseguem alguns sucessos regionais e, naturalmente, Brown assume lugar de protagonismo, facto que leva ao fim do grupo e dá início à sua aventura a solo. Essa aventura começa em 1958, com o lançamento de dois singles, «That dood it» e «Begging begging».

O resto já se sabe, James colecciona sucessos atrás de sucessos, estadias prolongadas em listas de tops de vendas.

Discografia

Numa discografia tão extensa – e marcada, essencialmente, por singles – é difícil eleger quais os discos incontornáveis. Existem, no entanto, alguns que vale a pensa referir, numa tarefa injusta e consciente de possíveis lacunas:

“Live at the Apollo” – Editado em 1963. Numa época em que era raro gravar e editar espectáculos ao vivo, Brown aventura-se nessa tarefa, mesmo sem o apoio da sua editora. A gravação foi feita na mítica sala de espectáculos Apollo Theater e regista em disco toda a grandeza típica de James, num feito não muito usual quando se trata de um artista que vale sobretudo pelo espectáculo que dá e não só pela capacidade vocal e instrumental da sua música.

“Live at the Apollo” é assim um disco feito de entrega vocal do artista e de uma irrepreensível qualidade instrumental por parte da banda de suporte, os Famous Flames.

“Say It Loud – I’m Black and I’m Proud” – Editado em 1969, pode não ser o melhor álbum de Brown, mas consegue ser uma boa montra do melhor que o artista era capaz, misturando poderosos e enérgicos temas funk com algumas baladas soul, bem melosas e plenas de sentimento.

“The Payback” – Disco atípico de Brown, foge ao formato de canção. É talvez um dos discos mais ambiciosos, que se assemelha a uma jam, com sonoridades jazzy, funk e recheado de doces solos oferecidos pelos elementos da sua banda.

Influência

Quando soube da notícia da morte de James Brown, imediatamente me questionei: – O que fazer de um reino quando morre o seu rei?

Esta questão não possui o mínimo de exagero. James era (e sempre será) o rei da música moderna (DJ Shadow chamou-lhe “o inventor da música moderna”). Nenhum músico vivo influenciou tanto a música que se ouve por estes dias. Se não vejamos; inventou o funk, que, ao dar destaque à bateria, veio fazer com que os breaks desse instrumento se revelassem fundamentais para o nascimento do Hip-Hop, sendo também um dos artistas mais samplados. Pela sua banda passaram diversos músicos marcantes, como por exemplo Bootsy Collins, que mais tarde, com os Funkadelic/Parliament, gerou o saboroso P-Funk. Os gordos grooves contagiaram quase toda a música de dança, como por exemplo a House (ler o livro “House – A História”, escrito por Rui Miguel Abreu). As suas coreografias inspiraram diversos artistas, uns quantos clones, ou a bela “actualização” chamada Michael Jackson (o dos anos oitenta). Por fim, e não menos importante, James Brown marcou a cultura popular. Eddie Murphy imitou-o numa das suas mais famosas representações, diversos temas em publicidade, música para filmes e algumas aparições (poucas) em filmes.

Por tudo isto, James Brown não merece que lhe dediquemos uma discussão simplista e redutora baseada em inócuos “gosto!” ou “não gosto!”. James foi mais que isso e ainda bem … (vou até ali dançar).



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