Entrevista a Jorge Coelho

Jorge Coelho

"Trabalhar em BD nacional é um grande berbicacho". Conversa com um dos ilustradores e desenhadores de “Polarity”, uma nova BD com selo norte-americano

A editora norte-americana BOOM! Studios editou, este mês, o primeiro número de “Polarity”, uma BD sobre um bipolar maníaco-depressivo que, após sobreviver a um acidente de viação, descobre que a sua medicação lhe tem bloqueado os super-poderes.

O argumento é de Max Bemis e, o desenho, do português Jorge Coelho, um dos ilustradores e desenhadores de BD nacional que tem vindo a publicar material nos Estados Unidos. Aproveitando o lançamento deste número – o qual podem comprar em qualquer loja especializada de BD –, a Rua de Baixo convidou-o para uma pequena grande conversa.

Entrevista a Jorge Coelho

Como é que a tua vida foi parar à Banda Desenhada?

A BD foi o início, já obrigava o meu pai a comprar-me BD quando ainda não sabia ler. A princípio queria ser o Homem-Aranha e, pouco depois, já muito adulto, queria desenhar o Homem-Aranha. Sempre quis ser desenhador e fui escolhendo o meu futuro em função disso.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar em “Polarity”?

Fui contactado por Eric Harburn, editor na BOOM! Studios, a propósito das peças que havia desenvolvido para o colectivo Brand New Nostalgia. Mostrei disponibilidade e, uns bons meses mais tarde, fiz uma actualização desse contacto com novas peças de portefólio. Nessa altura ele pediu-me para fazer umas páginas de teste e o resto é história. Colocou-me em contacto com Jasmine Amiri, que tem sido a nossa editora e tem feito um trabalho fantástico a gerir a produção de Polarity: comigo em Portugal, o Max Bemis nos EUA a escrever, o Felipe Sobreiro, colombiano residente no Brasil, a colorir e o Frazer Irving, Inglaterra, a ilustrar as capas. Uma equipa verdadeiramente internacional!

“Polarity” foi escrito por Max Bemis, vocalista da banda Say Anything. Como foi o processo de parceria entre vocês os dois? Sendo ele de outro meio, tinha experiência a escrever BD, ou tiveste um papel mais preponderante no storytelling?

Ainda não tive a oportunidade de o conhecer pessoalmente, mas segundo sei a música e a BD são as suas duas grandes paixões. Como ele sempre escreveu as letras das suas músicas, o pulo para a escrita em arte sequencial foi natural. No que toca a input pessoal, o script chega-me já acabado nessa altura. Eu abordo e acrescento a parte visual o que, por si só, já é um grande desafio e input pessoal.

Entrevista a Jorge Coelho

Antes de Polarity já tinhas feito trabalhos editados na indústria norte-americana, tal como “Egg: Hard-boiled Stories”, “Forgetless” ou “Outlaw Territory”. Como entraste pela primeira vez nesse mercado? E destes, tens algum trabalho do qual te orgulhes mais?

Trabalhar no “Egg” foi especial, pois foi a minha primeira colaboração internacional. Mas acabaram por ser todos especiais, já que dei o meu máximo e ajudaram-me bastante a crescer como artista e storyteller.

E em relação à BD em Portugal? Tens planos para lançar álbuns no futuro? Como avalias a edição de BD portuguesa na actualidade?

Trabalhar em BD nacional é um grande berbicacho. Provavelmente o público não faz ideia, mas o nível de esforço é brutal. Trata-se de uma disciplina muito exigente, no âmbito do trabalho de autor: uma prancha a cores exige cerca de três dias de trabalho (a PB dois), um álbum é composto por cerca de 64 pranchas no mínimo, 192 dias úteis de trabalho. Ora bem, financiar um projecto desta envergadura sai caro e precisa de escoamento comercial, coisa que no nosso País está cada vez mais difícil. Os livros vendem pouco e a BD muito menos. A edição de BD em Portugal mostra pequenas pérolas muito esporádicas, mas nada como um verdadeiro corpo de edição anual, e assim deverá continuar no futuro.

Quais as tuas maiores influências?

Tantos… Frank Miller, John Byrne, Will Eisner, Moebius, Ron Frenz, Brian Bolland, mais recentemente Sean Murphy, entre muitos. Devo acrescentar que hoje em dia, com 15 anos de ilustração freelance e alguma BD já produzida, todas estas influências já se misturaram bastante dentro do meu imaginário, ajudando a formar uma linguagem visual mas não sendo, de todo (penso) identificáveis.

E a nível de BD nacional, quais os teus autores predilectos?

Rui Lacas, João Fazenda, Paulo Monteiro, Ricardo Cabral, Filipe Andrade, João Lemos… Temos autores tão bons, que são grandes de mais para o nosso pequeno mercado.

Além de desenhador és também um super-herói, pois segundo me disseram és um dos protagonistas da BD “Asteroid Fighters”, do Rui Lacas. Qual a sensação de ser imortalizado no papel?

É tão giro e estranho ao mesmo tempo. No fundo um ilustrador é um bichinho de estirador e, o sair cá para fora, o sermos retratados em vez de retratar, não é natural! Senti isso como uma enorme homenagem do meu bom amigo e mega talentoso Rui Lacas.

Por falar no Rui Lacas, ele é um de vários autores que pertence ao “The Lisbon Studio”. Para quem nunca ouviu falar neste estúdio, do qual foste fundador, podes contar-nos em que consiste e como surgiu?

Sim. Na altura era o Atelier de Alfama, comigo, o Rui Gamito, Sérgio Duque e Frederico Penteado. Mais tarde entraram o Rui Lacas e o Pepedelrey e, posteriormente, fundimo-nos com o Atelier da Bica e passou a ser conhecido como The Lisbon Studio. Trata-se de um simples atelier, composto por amigos que trabalham na mesma área, que serve para podermos ter o nosso espaço fora de casa – a solidão pode ser um dos problemas em ser ilustrador e freelancer em geral – e, ao mesmo tempo, usufruir dos conselhos, espírito crítico, know-how, contactos, e companhia.

Entrevista a Jorge Coelho

Para o teu próximo trabalho, se pudesses escolher o argumentista com que ias trabalhar (qualquer um no mundo), quem seria?

Alan Moore. Podemos sonhar não é? Por tudo o que já fez e pelo que me obrigaria a crescer enquanto artista e, consequentemente, como pessoa.

Tens projectos para o futuro após o término de “Polarity”?

Nada certo, mas há ideias e uma hipótese no ar.

Para terminar, tens algum conselho para jovens desenhadores que procurem enveredar por esta carreira?

Sim. Dêem o máximo, pois a área é muito competitiva e os orçamentos bastante baixos. Quem consegue trabalhar bem em Portugal tem de ser muito versátil e relativamente extrovertido, pois temos de ser os nossos RP’s.



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