Marco_Franco_Jose_Frade_31052017

MARCO FRANCO @ TEATRO MARIA MATOS (31.05.2017)

Quando há uns meses atrás surgiu o anúncio de que Marco Franco, actualmente baterista dos Memória de Peixe, e com passagens pelos Massive Roar, Ibéria, Os Helena (com quem participou no Festival RTP da Canção em 1990), Braindead, Peste & Sida, Tim Tim por Tim Tum e Mikado Lab mais recentemente (é uma lista longa e eclética esta, não é?), ia lançar um álbum a solo, lembro-me de pensar em algo do género: “Ora bem! Venha ele!”. Mas continuei a ler a nota, que dizia que iríamos conhecer o Marco Franco, pianista. Foi uma surpresa agradável, até porque foi logo possível escutar 3 das canções que integram “Mudra”.

Foi também a primeira vez que li e ouvi a palavra Mudra. Tratam-se de um gestos simbólicos ou rituais comuns às religiões Hindu e Budista, sendo a grande maioria feitos com as mãos e os dedos. E assim, de repente, a escolha que Marco Franco fez para o título da sua estreia a solo no piano fica clara.

A sala do Teatro Maria Matos está diferente. A metade da plateia mais próxima do palco está coberta por bancada inclinada que se eleva quase até ao nível do balcão, que normalmente parece sempre distante e como que separado do resto da sala. Faz-nos sentir e estar mais próximos do palco. No palco, há apenas um piano de cauda e um banco. A ausência de luz impera. Está escuro. É propositado. Tudo começa assim, na escuridão.

Marco Franco entra. Cumprimenta-nos. É reservado. O gorro que trás é mais do que um adereço. Permite esconder-se um pouco. Faz parte da sua personna de palco. As luzes apagam-se. Há apenas um foco de luz que aponta para as teclas e para as mãos do pianista. Começa então a viagem por “Mudra”. Melancólicas, doces, contemplativas. Mas também nervosas, tensas e apreensivas. São as composições que Franco criou e que encerram em si uma miríade de sentimentos e são reveladoras de uma brilhante e surpreendente sensibilidade criativa. É difícil acreditar que Marco Franco apenas se iniciou no piano recentemente, em total segredo e em modo verdadeiramente autodidacta. A vontade, a dedicação e o querer necessários não deixam ninguém indiferente.

O silêncio na sala é de tal ordem que por vezes conseguimos escutar a respiração de alguém. As canções de “Mudra” são orgânicas e comunicam entre si. É impossível escutar «Pole Position», «Lágrima», «Hoje Vamos à Festa Amanhã» e não o sentir. «Rinabaila», partilha a ligação anterior mas soa mais refinada, mais adocicada, e não é por acaso que é a última canção de “Mudra”, como que a assinalar a evolução, a caminhada feita em direcção à luz. Poderiam momentos diferentes de uma canção maior; são uma parte indissociável de “Mudra”. Depois há também o apreensão que pauta «Emnut Derra» ou a deambulação suave de «Serena e Prateada». “Mudra” é um viagem por diferentes estados de alma.

A luz, quase ausente no início do concerto, revela-se fulcral, um elemento essencial. Lentamente, quase sem se fazer anunciar, aparece. Primeiro apenas o foco vertical sobre as mãos e as teclas. Depois, do lado direito do palco, pelo chão, há um fio de luz que a meio se cruza com o foco vertical, como que a assinalar a presença de Marco Franco. Depois, sobre o fundo do palco surge uma luz azul, como que dando corpo à música que se solta das teclas e dos dedos de Marco Franco. Finalmente tudo escurece para logo de seguida surgir um foco que acomoda o piano e o pianista que percorreu o caminho da escuridão em direcção à luz.

Coexistência.



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