Nick Cave and The Bad Seeds | “Push the Sky Away”

Nick Cave and The Bad Seeds | “Push the Sky Away”

O doce lamento do barqueiro

Aos 55 anos, o prolífero e talentoso Nick Cave tinha mais um desafio na já longa carreira. Os tempos de “From Here to Eternity” já lá vão há muito e os recentes trabalhos de Cave, com ou sem os Bad Seeds eram sinónimo de muita adrenalina. “Dig Lazarus, Dig!!!” e os discos de Grinderman eram um elogio à festa, às guitarras, ao sobressalto.

Antes do lançamento de “Push the Sky Away”, Cave, metafórico, referia-se ao seu mais recente trabalho como “um bebé-fantasma na incubadora”. A curiosidade sobre o disco crescia. Mais, esta é a primeira vez, deste a criação dos Bad Seeds, que Nick Cave não conta com a colaboração de um outro membro fundador pois o multi-instrumentalista Mick Harvey abandonou a banda antes da génese deste álbum.

Num período de constante reconstrução, o australiano e restantes companheiros rumaram a terras de França para gravar “Push the Sky Away”. Assim, o 15º disco de Nick Cave and The Bad Seeds nasceu e cresceu no La Fabrique, um estúdio rural no sudeste francês.

A produção esteve a cargo do inglês Nick Launay, um dos responsáveis pelos recentes sucessos de gente como os Arcade Fire e Yeah Yeah Yeahs e que já tinha trabalhado com Cave aquando da edição de “Junkyard”, disco dos The Birthday Party.

E, ao contrário de outros casos, a expetactiva não foi um entrave criativo e “Push the Sky Away” é, sem dúvida, um dos melhores discos da carreira de Nick Cave. Um trabalho pautado pela criatividade do mestre australiano especialista em ambientes desolados, desertos de esperança mas prolíferos em inspiração e talento.

O som escuro, fantasmagórico, sussurrado do disco – a “culpa” Launay é evidente – remete-nos para um seminal “The Boatman’s Call” (1997), um desarmante “No More Shall We Part” (2001) ou um meloso “Nocturama”.

O resultado são nove canções atmosféricas brilhantes que por vezes tocam o sonho e o pesadelo. Mas essa é uma das marcas da música de Cave. Não importa os ritmos, os decibéis libertados, os silêncios. O mais notório é a dedicação e a inspiração deste homem dos antípodas que já foi apelidado de “príncipe negro”.

O disco abre com uma descontraída e relaxante «We No Who U R» onde Cave disserta sobre a relação entre o homem e a natureza que o rodeia. É o exemplo típico de uma balada do universo Cave, repleta de violinos, flautas e um coro feminino que acentua a beleza da composição.

«Wide Lovely Eyes» começa com uma guitarra intrigante, que acompanha toda a canção, e traz à memória os ambientes mais calmos de umas certas baladas assassinas. O adeus e a perda no feminino marca presença nas palavras de Cave, que nos avisa: “And they’ve hung the Mermaids from the streetlights by they hair / And with wild lovely eyes you wave at the sky…You wave and say goodbye”. A noite cresce à medida que nos aproximamos de um qualquer fim.

Seguimos caminho pela recente via-sacra de Cave e entramos em «Water’s Edge», uma canção cheia por um baixo em crescendo que nos assusta. O amor pode levar-nos ao limite, pode envelhecer uma alma, pode tornar um coração numa pedra. Bíblico, o poeta avisa: “Its’s the will of Love /It’s the thril of Love…”. Uma das mais intensas canções deste “Push The Sky Away”.

Por esta altura já nem nos lembramos que Cave não tem as suas ervas daninhas originais mas sentimos que está, definitivamente, muito bem acompanhado. Ao ouvir o fantástico «Jubilee Street» somos embalados pelo violino de Warren Ellis e bela voz quente de Cave. O ambiente criado lembra uns Tindersticks no auge da sua forma. A música hipnotiza, vibra, brilha, plana. Cave pede-nos para o olharmos a voar, as guitarras surgem, arranham, ao fundo o coro aparece. Seis minutos e meio de pura beleza.

«Mermaids», a música seguinte, faz-nos seguir o lamento encantado das mitológicas criaturas. Num ápice somos atraídos para o mar tranquilo, a imagem mais forte que este disco nos transmite. Sentimos o pulsar das ondas a par da reverberação instrumental. Mergulhamos nas palavras do barqueiro Nick Cave, nadamos nas suas palavras que tanto nos servem de bóia de salvação como de embarcação sem destino.

O drama continua a assolar os nossos corações e ouvidos com «We Real Cool». A linha de baixo, os violinos e os acordes de piano conferem uma forte intensidade a esta canção que serve de ponte perfeita para «Finishing Jubille Street», que, numa toada mais bluesy, nos remete para um sonho que Cave teve depois de escrever «Jubilee Street».

Ainda no capítulo do onírico, chegamos a «Higgs Boson Blues», um recital amnésico que versa sobre alguns dos temas preferidos de Nick Cave: mulheres, Deus, Diabo, árvores inflamadas e um calor resultante da proximidade de um inferno particular que pode acolher uma Hanna Montana numa savana africana. A guitarra de Ellis é o ponto de equilíbrio de toda uma canção à beira do precipício lírico.

E é à boleia deste desvario que chegamos à última canção do disco; «Push the Sky Away», assente num órgão frio e uma bateria minimal. Cave pede-nos, até ao último sussuro,: “You’ve got to just keep on pushing, Keep on pushing, Push the sky away”. O disco acaba mas sentimos que nos atinge em cheio na alma, no coração. A chama de Nick Cave continua acesa e aquece-nos de uma forma única. Até à próxima, capitão!



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