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Os portugueses no DocLisboa 2011

Acompanhamento diário dos documentários portugueses.

O DocLisboa já começou. A oferta é muita, difícil é escolher o que não ver. No programa deste ano temos 172 filmes, divididos em retrospectivas, sessões especiais e competições: nacionais e internacionais de longas e curtas-metragens. Desta selecção 29 filmes são portugueses. Será que vale a pena escolher ver dos nossos?

Neste DocLisboa a Rua de Baixo vai estar atenta aos produtos nacionais.

1º dia de competição nacional

19.30 – Culturgest – Grande Auditório

Depois da lotação esgotada do dia anterior, para assistir à sessão de abertura, na sala esteve um número reduzido de espectadores. Ainda assim, os que lá estiveram encheram-na de entusiasmo e à-vontade. Mesmo antes da apresentação dos filmes pelos seus realizadores era fácil perceber que a maior parte do público estava de alguma forma relacionada com os filmes. As dedicatórias e aplausos antes da sessão começar não deixaram qualquer dúvida.

“Orquestra Geração” – Quando a arte nos inspira

Não há que enganar. Se todos os filmes portugueses em competição forem como este, vai ser um prazer dar prioridade a estas sessões.

Filipa Reis e João Miller Guerra já não são novos por aqui. O ano passado levaram para casa o prémio para melhor longa-metragem na competição nacional. Este ano, mesmo que não repitam a façanha, só têm razão para estar orgulhosos, eles e os restantes membros da equipa. “Orquestra Geração” é um filme completo. Realização, montagem, som e imagem não têm qualquer incoerência ou desequilíbrio.

Em “Orquestra Geração” temos um olhar privilegiado, através do qual acompanhamos de perto um grupo de adolescentes, sem nunca nos sentirmos a mais. A vida deles gira em torno da música, mas não é só isso que vemos. Os seus sonhos e a sua inocência também estão lá, de uma forma muito simples: gostar de chocolate ou de tocar violoncelo tem para eles a mesma naturalidade.

Neste filme sente-se vida. Uma vida inspirada, genuína, cheia de pessoas e de sensibilidade, que enche a tela.

 

“Píton”

“Píton” é o segundo filme de André Guiomar, um projecto de escola que nasce da sua curiosidade ao saber que Juliana, a rapariga mais tímida e bem-educada da sua turma, se tornou campeã nacional de boxe.

Isto é o que nos explica André, antes do filme. Nos 20 minutos de “Píton”, sente-se mais o orgulho de um pai e de um treinador que se vão gabando das vitórias de Juliana, que também são as suas, do que a motivação e talento da campeã ou do realizador.

“Píton” é um filme a preto-e-branco com uma montagem que tenta puxar pela emoção sem o conseguir, confundindo-se o genérico inicial e o final com um anúncio de uma qualquer marca em que a vida é uma luta constante.

Para lembrar fica o sorriso de Juliana e o seu olhar doce e inocente, que vislumbramos por breves instantes.


Ambos os filmes repetem dia 28/10 – 16h no Pequeno Auditório da Culturgest

 

2º dia de competição nacional

Um dia de salas cheias e primeiras obras.

17h – Culturgest – Grande Auditório
Lotação aproximadamente 2/3 da sala.

“A Nossa Forma de Vida” – Uma vida inteira

“A nossa forma de vida” é já tido pela crítica como um dos favoritos na competição nacional desta edição. Compreende-se bem porquê.

Na sua primeira obra, Pedro Filipe Marques (montador de “Juventude em Marcha”, “Lisboetas” e “Xavier”, entre muitos outros) apresenta-nos um filme que fica satisfeito por poder mostrar em grande, esperando que, ao vê-lo, “passemos um bom bocado”. A verdade é que durante 91 minutos, aparentemente, todos nos divertimos com a forma de vida de Armando e Maria Fernanda Cunha.

Pedro mostra-nos este casal de forma íntima, na sua rotina caseira, que parece ser esta desde sempre. Juntos depois de 60 anos de casamento vivem uma vida tranquila, com ternura e cumplicidade.

Armando é comunista e passa os dias entre a escrita de poemas, os arranjos lá de casa, as notícias do jornal e da televisão. Maria acompanha-o nas notícias e trata das contas e das compras. Assiste à vida de quem passa, do alto da torre azul, e vai falando sozinha das pessoas que vê.

Gostam de conversar. Por momentos chegam a parecer personagens de Harold Pinter, recordando o passado numa conversa cruzada: Armando que foi viajar de avião e Maria, que seria incapaz de andar de avião, ficou sozinha com os filhos, sem rancor. Sempre com uma enorme boa disposição, até sobre a política conseguem fazer piadas com um sarcasmo saudável.

Armando e Maria são os avós de Pedro, podiam ser os nossos, mas acima de tudo gostávamos que fossemos nós.

Repete dia 25 às 18.30h no Pequeno Auditório da Culturgest

 

21h – Culturgest – Pequeno Auditório

A lotação estava praticamente esgotada. Uma sala cheia, sem ar condicionado ligado, para assistir a dois “filmes-relato”. Tanto a curta como a longa remetem-nos para o passado pelos relatos de quem viveu em condições difíceis. Ao vê-los uma coisa se torna clara: falar sobre o passado pode não ser suficiente para lá chegarmos.

“Minas da Borralha”

“Minas da Borralha” é mais uma curta feita em contexto académico. Neste projecto os quatro realizadores, Fábio Oliveira, Luís Brandão, Teresa Pinto e Tiago Alonso, assumem também a pós-produção, na montagem, som e imagem. Tecnicamente a coisa não está lá: som e imagem não estão em harmonia.

“Minas da Borralha” conta com uma série de relatos de quem trabalhou nas minas agora fechadas de volfrâmio. Uma população envelhecida pelo tempo e pelo trabalho duro que nos conta as suas histórias em casas, no café ou nas ruínas da mina.

Apesar de no princípio prometer, “Minas da Borralha” vai-se perdendo. As histórias e as personagens castiças que lá estão não chegam para que o resultado seja um filme concluído. Com uma montagem pouco fluída, os planos estáticos e vazios não chegam para nos dar nem a sensação do espaço abandonado nem do abandono a que as pessoas foram sujeitas.

“Cartas de Angola”

“Cartas de Angola” é o primeiro filme de Dulce Fernandes. Este é um filme sobre Angola, em Cuba, através de três pontos de vista: o dos cubanos que combateram em Angola, o das suas cartas para casa e o da realizadora.

Dos cubanos temos os relatos de quem foi combater para uma guerra sobre a qual nada sabia, num país e num continente que muitos nem imaginavam que existia. Das suas cartas, lidas em voz-off, temos a paixão, a nostalgia e a saudade de quem quer voltar para casa, procurando conforto.

Na narração a realizadora primeiro assume um registo de diário, introduzindo a chegada a Cuba e a procura dos combatentes, para depois nos relatar a sua história (nascida em Angola e “retornada” a um Portugal que não era o seu), fazendo paralelismos entre as histórias dos cubanos e a sua própria história.

A isto juntam-se ainda uma dúzia de parágrafos que explicam o contexto histórico e os números da guerra.

É nesta mistura de pontos de vista que o filme se torna confuso. O filme no início procura os combatentes cubanos, tentando mostrar uma história da qual pouco se sabe. No entanto perdemo-nos entre essa história, a da realizadora e a História propriamente dita.

Talvez este filme seja, como dizia um espectador na conversa com os realizadores, “um filme para quem esteve em Angola”.

Ambos os filmes repetem dia 27 às 17h no Grande Auditório da Culturgest

 

 

4º dia da competição nacional

19.30 Grande Auditório da Culturgest
Lotação da sala: aproximadamente metade.

“A Arca do Éden”

“A Arca do Éden” é a primeira obra documental de Marcelo Félix, que assume a realização, o argumento e a montagem.

Na breve introdução da sessão, Marcelo opta por não nos apresentar o filme. Ele acredita que, tal como as pessoas, os filmes devem apresentar-se a si próprios. De facto é espantosa a forma clara como o filme se apresenta, quer na temática quer enquanto objecto.
“A Arca do Éden” assume-se como uma experiência de poesia visual, sonora e textual, introduzindo-nos uma complexidade de vozes e discursos que, na fluidez inicial da montagem, até parecem simples.

No primeiro plano a câmara move-se como um olhar irrequieto e através do zoom da lente e do ajuste da sensibilidade do aparelho, Marcelo dirige-nos entre os pormenores das árvores do jardim botânico. A partir daqui sabemos que tudo é possível na exploração do formato digital.

Durante 80 minutos o filme opera através da fusão de imagens, sons e vozes, proporcionando-nos uma viagem com momentos extremamente ricos e intensos. “A Arca do Éden” mistura histórias da botânica, do cinema ou de viajantes com uma beleza extrema, em que memória e esquecimento são as ideias de base.

No entanto, mais próximo do fim o filme vai perdendo a clareza marcante do inicio. A filosofia vai-se enredando com a poesia, tornando-se as ideias e os paradoxos um pouco confusos. Enquanto isso a música aproxima-se, por vezes, de um tom excessivamente melodramático.

Ainda assim “A Arca do Éden” é uma experiência arrebatadora, que merecia uma projecção com melhor qualidade, para fazer justiça à limpidez e à beleza das imagens.

Este filme repete dia 26 às 21.15 no pequeno auditório da Culturgest.

 

5º dia de competição – O português no internacional

Um dia de grande expectativa.

21h Grande Auditório da Culturgest

Lotação esgotada desde o princípio do dia. Na esperança de haver alguns bilhetes de última hora abriu-se uma lista de espera. Nem o atraso, nem o calor provocado pela multidão à espera que as portas do auditório abrissem, conseguiram tornar o ambiente pesado.

Porque é que um filme documental português, com 3 horas e 5 minutos, esgota 612 lugares de uma sala? Que filme fenómeno é este?

“É na Terra não é na Lua”

Já há muito que se ouve falar deste título. Mesmo antes de estar terminado já se escrevia sobre o filme e a imagem do rapaz com um gorro azul de pala e pom-pom foi-se espalhando por aí. Entretanto, o festival de Locarno, um dos principais festivais de cinema, selecciona o filme de Gonçalo Tocha e o mais recente de Gabriel Abrantes, que no ano anterior ganhou o leopardo de ouro, prémio máximo do festival. Só isto teria sido suficiente para assegurar a popularidade do filme. Somando a isto, ambos regressam a Portugal com menções honrosas, confirmando Gabriel Abrantes como rapaz prodígio da nova vaga do cinema português e trazendo Gonçalo para o mesmo plano, fazendo com que eles e os seus filmes, se tenham tornado notícia em todos os jornais.

Por tudo isto, “É na Terra não é na Lua” aparece na programação do DOC deste ano com um destaque evidente, sendo o primeiro filme português em 5 anos a integrar a competição internacional do festival.

Com o gorro que se tornou a sua imagem de marca, e do filme, Gonçalo aparece perante a audiência. Consigo traz também a descontracção e à vontade de quem já não tem nada a provar. Numa sala com o dobro da população da ilha do corvo, cujos habitantes são as personagens do seu filme, Gonçalo explica-nos o porquê: uma semana antes, os 300 corvinos, desconfiados, assistiram à projecção do filme e fizeram o melhor comentário que poderia ter ouvido, “o filme é o teu ponto de vista sobre o Corvo, mas também somos nós”.

Depois de 4 anos e 2 meses de trabalho, 300 horas de imagens e 400 de som, Gonçalo faz os agradecimentos finais, lamentando que 50% da equipa de rodagem, ou seja, Dídio Pestana, que fez o som do filme, não pudesse estar presente.


Actualização: 
 «É na Terra Não é na Lua» é o grande vencedor do DocLisboa 2011. O filme de Gonçalo Tocha conquistou o Grande Prémio Cidade de Lisboa para melhor longa ou média-metragem.

Por detrás do mito

Com uma excelente montagem, “É na Terra não é na Lua” é um filme documental de arquivo diário em capítulos. O objectivo do filme é introduzido nos primeiros minutos em que, com as primeiras imagens da chegada ao Corvo, ouvimos Gonçalo e Dídio a corrigirem-se sobre alguns dados da ilha, dizendo-nos então que pretendem registar tudo o que puderem daquele lugar: todas as pessoas, todas as casas, todos os animais… Tudo.

É este tipo de narração/conversa, que o filme nos apresenta, sempre num tom simples e informal. Se no início era só a equipa que conversava em voz-off sobre a experiência, com o desenrolar do filme os corvinos vão também ganhando esse direito, em conversas e comentários sobre as imagens que vêem: fotografias deles ou as gravações dos “tolos que andam sempre atrás”. Dizem-no com carinho.

O gorro que Inês Inez faz para Gonçalo serve como um período de iniciação. Quando termina e lho entrega Gonçalo passa a ser um corvino! Nas expressões de Inês, bem como nas de outros habitantes, vamos percebendo que, à medida que o tempo passa, Gonçalo e Dídio se vão tornando parte da família.

O filme foca-se nestas pessoas, no presente. No entanto, naturalmente, as suas histórias vêm atrás e, ao contrário dos “filmes-relato” da competição nacional, conseguimos ver as pessoas e vislumbrar o seu passado: desde a altura em que se caçavam baleias e em que só vinha um barco com açúcar de muito em muito tempo, à demissão colectiva da fábrica de queijo, ou ao temporal do outro dia.

Em “É na Terra não é na Lua” temos a vida destas pessoas, as crenças e mitos, a religião, a política, a família, o tempo, a memória e a morte, num retrato com uma simplicidade e beleza admirável.

Repete dia 29 às 14.45, no pequeno auditório da Culturgest, no entanto a sessão já está esgotada

 

 

7º dia de competição nacional

21.30 Grande Auditório da Culturgest
Lotação da sala: aproximadamente 2/3.

Última sessão de novos filmes portugueses em competição. Nesta sessão uma coisa tornou-se clara: apesar de serem poucos os filmes portugueses na competição nacional, de longas e médias metragens, a qualidade é evidente.

“Yama no Anata – Beyond the mountains”

Esta é a primeira obra de Aya Koretzy. Ao contrário do outro filme desta sessão, aqui a montagem, de Tomás Baltazar, tem direito a destaque (Tomás assinou também a montagem de “A Nossa Forma de Vida”, com Pedro Filipe Marques, igualmente com bom resultado, e ainda de 30 000 anos, estando presente em 3 dos 6 filmes na competição nacional de longas e médias portuguesas).

Em “Yama no Anata”, Aya recorda a sua infância e tenta compreender a decisão dos pais se mudarem para Portugal, um país longínquo e distante.
Através de vídeos e fotografias, de conversas em voz-off com os pais e da leitura de cartas que recebeu dos seus colegas de Tokyo, Aya leva-nos numa viagem ao passado. Nesta viagem sente-se a distância e a nostalgia do que ficou para trás e não volta.

Se o filme começa num movimento lento e contemplativo, na casa dos pais de Aya, em Trás-os-Montes, rapidamente o contraste se faz sentir com as imagens e as descrições de Tokyo, uma cidade com um ritmo alucinante e sem espaço para se ver o céu.

É curioso como, no contraste que o filme nos apresenta, temos um Portugal sobre o qual raramente pensamos: um país com um clima ameno, próximo do mar, seguro, sem guerra, com pouca poluição e sem centrais nucleares ou perigo de terramoto eminente. Um país onde podem existir lugares mais próximos do paraíso do que da Terra.

Os breves momentos de humor dão alguma leveza ao filme. Aqui a nostalgia não se torna sinónimo que tristeza.

“Yama no Anata” é, sem dúvida, um excelente filme.

 

 

“Golden Dawn”

Para fazer este filme Salomé Lamas teve uma semana no mar do norte. Na sinopse de “Golden Dawn” podemos ler o objectivo: “mostrar visualmente a rotina de um dos trabalhos mais árduos que há, ao mesmo tempo que o transforma numa viagem visual poética”.

Tecnicamente não há nada a apontar. Ainda assim, durante 16 minutos assistimos ao resultado e a poesia não está lá. A montagem de “Golden Dawn” não o permite. No filme nunca temos silêncio, nem acesso aos sons da viagem, ou, simplesmente, de elementos naturais. Se o objectivo era criar uma viagem visual, o som teria que dar espaço às imagens e isso não acontece. Do princípio ao fim a música de Filipe Felizardo cria um ambiente pesado, demasiado evidente, que se sobrepõe às imagens.

Golden Dawn

Esta opção torna-se ainda mais estranha depois de ver o breve excerto que Salomé tem no seu site, que prova que Salomé tinha sons, que poderia ter utilizado para construir um enquadramento mais interessante para o filme.

Os pescadores aparecem distantes. Só no fim, “Golden Dawn” apresenta um texto, com a história, os sonhos hipotecados de um deles. No entanto, este relato não chega para criar uma empatia com ele ou com o que vimos anteriormente.

Nota negativa para as legendas do DOC que, na tradução do texto em inglês, entraram tarde e não conseguiram deixar ler o que lá estava.

Ambos os filmes repetem dia 29 às 18.30 no pequeno auditório da Culturgest.



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