Uma Laranja Mecânica

A peça de Anthony Burgess estreia dia 26 de Janeiro na Culturgest, com encenação de Manuel Wiborg.

Agora?
Estava eu, eu quer dizer Alex, e os meus três drucos, quer dizer Pete, Georgie e o Tapado, totalmente tapado este Tapado, sentados no milquebar Korova puxando pela rassudoca sem saber que fazer da noite, uma sacana de noite negra de Inverno, muito fria mas seca. (*)

Eram estas as primeiras linhas de “A Laranja Mecânica” – no original “A Clockwork Orange” –, livro choque que Anthony Burgess assinou em 1962. Na época de todas as revoluções, este era um livro do desespero, ao qual o humor subtil dava uma certa esperança e, ao mesmo tempo, uma certa demência saudável.

Alex, o “humilde narrador” e herói desta história, é o produto perfeito de uma civilização em que a violência se tornou não já na expressão de uma revolta, mas apenas num hábito quotidiano. Os adolescentes que, como Alex, foram educados nessa violência, agrupam-se e aterrorizam a cidade. E aterrorizam-se entre si.

“A Laranja Mecânica” era uma forte crítica à sociedade imposta de leis e criações apropriadas, qual grito de revolta. Um romance de ficção-científica na mesma linha de outros clássicos como “Mil Novecentos E Oitenta E Quatro” ou “Admirável Mundo Novo”, em que é posto em causa um futuro de forma a repensar o presente. Burgess apresentava um futuro com tanto de apocalíptico quando de utópico, usando uma linguagem cheia de calão criado por si.

“A Laranja Mecânica” é também uma questão metafísica, assente no binómio do livre arbítrio/predestinação, tão explorada ao longo dos anos pelos mais diversos pensadores, desde Nietzsche a Diderot. Como afirma Manuel Wiborg, os homens são o que são e não podem ser forçados a ser qualquer coisa: seja por livre arbítrio, seja por predestinação divina, a livre-vontade deve ser a lei a seguir e o caminho a percorrer. Mesmo que tenha como destino a perdição.

Em 1971, o romance foi adaptado ao grande ecrã pelo conceituado realizador Stanley Kubrick, com Malcolm McDowell no papel de Alex. Apesar de nomeado para o Óscar de Melhor Filme nesse ano, “Laranja Mecânica” foi alvo da censura, chegando inclusive a ser banido em certos países, devido ao uso excessivo e explícito de violência e de sexo. Apesar de todas estas contrariedades, o filme foi um enorme sucesso e ainda hoje é aclamado pelos críticos cinematográficos como uma das obras maiores da sétima arte.

Quem não gostou da adaptação foi o próprio Anthony Burgess. De forma a repelir a preocupação que a adaptação visual da sua obra lhe provocara, Burgess decidiu adaptar uma versão da sua obra para o palco, uma peça com música (não confundir com musical), mas com uma abordagem total do romance.

É esta peça que teremos oportunidade de ver nos palcos nacionais a partir do próximo dia 26 de Janeiro, na Culturgest. Encenada por Manuel Wiborg e traduzida por José Lima, “Uma Laranja Mecânica” conta com um rol de actores notáveis. Para ver até dia 29 deste mês.

(*) A Laranja Mecânica – Anthony Burgess; Edições 70; tradução de José Luandino Vieira



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