“A sepultura de água” de Robert Galbraith
Reino de um deus menor
A leitura, e o gosto por livros, é um desafio. E quando estamos perante um romance de quase 900 (!) páginas, podem levantar-se dúvidas. Mas qualquer nuvem mais negra se dissipa quando se trata de uma obra de Robert Galbraith, como sabemos o pseudónimo de J.K. Rowling, e a demanda passa a ser pegar no livro e devorá-lo.
Até à edição deste A sepultura de água (Presença, 2025) sentia-se alguma ansiedade no seio da comunidade de fãs de Robert Galbraith, mas a espera valeu a pena. Assim, neste que é o sétimo tomo da série protagonizada pelo detetive Cormoran Strike, mergulhamos num policial cujo foco são os meandros e esquemas obscuros da Igreja Humanitária Universal, situada na zona rural de Norfolk, no extremo oriente de Inglaterra, cujo culto religioso resvala para cenários de manipulação psicológica e ultrapassa quaisquer limites da lealdade.

No início da narrativa, a agência de Cormoran Strike é procurada por um pai desesperado para resgatar o seu filho. Falamos de Will, que se juntou à Igreja Humanitária Universal, uma organização que, à primeira vista, promove ideais altruístas. No entanto, à medida que a investigação avança, revela-se uma realidade mais sombria por trás da fachada benevolente da seita. Para ajudar Strike nesta delicada investigação, Robin Ellacott, agora cara-metade do detetive, infiltra-se no culto na idílica Quinta Chapman sob o nome fictício de Rowena Ellis, expondo-se a múltiplos perigos e ameaças que testam a sua coragem e determinação, colocando a vida em risco.
A construção de Rowena revela-se mesmo um dos pontos altos do livro, com Galbraith a fazer um excelente exercício criativo, “transformando” a observadora, critica e astuta Ellacott numa mulher submissa e entregue a uma fé inabalável. No entanto, esse processo torna-se numa experiência emocionalmente debilitante e é encarado por Ellacott como um teste à sua capacidade de sofrimento em nome da verdade e de se fazer justiça. Para a ajudar nesse caminho, tem um diário onde regista as atividades espirituais do culto, além de conviver com outras pessoas que seguem o culto e que são objetivamente manipuladas, exibindo sinais claros do trauma que é fazer parte da Igreja Humanitária Universal.
Tal como Galbraith tem habituado os seus milhões de leitores, estamos perante um livro escrito de forma inteligente e que revela uma investigação cuidada ao universo das seitas religiosas, servindo-se, legitimamente do magnetismo crescente entre Strike e Ellacott para cimentar uma história que, pelo seu número de páginas, exige alguma resiliência, compensada por uma envolvência que prende o leitor logo deste as primeiras páginas.
Divido em nove partes, todas elas anunciadas por uma citação de I Ching, o livro das mutações – um dos ancestrais escritos chineses, tido por muitos como um guia que ensina como agir perante todos os desafios da vida –, A sepultura de água exige uma leitura atenta e reflexiva devido a uma abordagem detalhada sobre cultos religiosos e manipulação psicológica, mas também à complexidade da narrativa, por vezes chocante e perturbadora, outras tocante, e em modo montanha-russa de emoções, que não deixará ninguém indiferente, seja ou não, fã de Galbraith.
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