Bill Callahan @ Cinema São Jorge (22.02.2014)

Bill Callahan @ Cinema São Jorge (22.02.2014)

Um bom espectáculo

Não acompanho a carreira de Bill Callahan há tempo suficiente para ter saudades da época em que se encobria na baixa-fidelidade e no nome Smog, por que tantos dos seus maiores admiradores suspiram cada vez mais. Também não conheço a discografia a fundo, embora preze muito “Wild Love”, um álbum dessa primeira fase que contém a minha canção favorita do norte-americano: a monumental «Prince Alone in the Studio». Mais, nenhum dos discos de estúdio assinados em nome próprio – já lá vão quatro – é menos do que bom. Como David Berman ou Mark Eitzel, Bill Callahan é não só um grande escritor de canções – e não me refiro apenas às letras, que, ainda assim, serão sempre a atracção principal – como um grande escritor em absoluto. E, por mais ou menos polida que seja a produção, por mais ou menos instrumentos e instrumentistas que acompanhem o músico, sejam os arranjos elaborados ou simples, a “voz” de Callahan jamais deixará de se impor.

Da mesma maneira que é inimaginável que Callahan faça um álbum mau e pouco provável que dê um concerto medíocre. E, confirmando essa ideia, tal não aconteceu no passado Sábado. Depois da primeira parte da histriónica, a espaços interessante (num dedilhado ou num drone distorcido na guitarra acústica), Circuit Des Yeaux (née Haley Fohr), soube bem ouvir a conta, peso e medida, numa palavra, a inteligência de Bill Callahan. É uma sapiência adquirida em milhares de concertos, em inúmeras tournées, no confronto com os espectadores, com os músicos que tocam consigo, com os próprios receios. Reflecte-se no absoluto profissionalismo dele e da banda (entrosadíssimos) e na capacidade de agradar ao público presente (não faltou a piada local: uma referência ao bacalhau salgado – pelos vistos, repetida ontem no Porto). Nada a apontar: as pessoas pagaram o bilhete e têm direito a um bom espectáculo. Para mais, Callahan esteve mais de uma hora e meia em palco, que é mais ou menos a duração ideal para um concerto. Já estava tudo definido à partida e nem foi necessário encore. Houve também projecções por trás da banda, no ecrã de cinema, umas paisagens e uns quadros de um amigo, um nascer do sol para começar e um pôr-do-sol para acabar, perfeitamente em sintonia com a música. O som, um problema de tantos espaços lisboetas, estava óptimo e a organização extremamente organizada – à laia dos jogos de ténis, os espectadores só podiam entrar na sala no intervalo das canções.

A única questão que se põe é: tendo tudo corrido tão bem, como é que o concerto foi tão insípido? A resposta, como se percebe, está em grande parte nos parágrafos anteriores e até mesmo na pergunta, na medida em que muitas das qualidades referidas são discutíveis. Quando tudo está assim controlado, não há espaço para espalhanços mas também não há lugar para aqueles “pequenos milagres” que se esperam num acontecimento ao vivo (e na vida). Não se desejava uma prestação à Chan Marshall, verborreia e whiskey na mão. No entanto, vi Bill Callahan num registo semelhante a este, contido, seco, na “medida certa”, na altura de “Sometimes I Wish I Was A Eagle” – é verdade, bastante superior aos dois últimos álbuns, “Apocalypse” e “Dream River”, nos quais o espectáculo do São Jorge se concentrou -, e foi um concerto absolutamente extraordinário, uma catarse suave e melancólica. O que me obriga a deixar a ressalva de que isto pode ter a ver com disposições (minhas e/ou de Callahan). Posso culpar o insuportável Matt Kinsey, solista de guitarra, incapaz de resistir à tentação de tocar uma nota a mais, de fazer outro rodriguinho para gáudio do “terceiro anel”, ofuscando sempre o incrível e intuitivo guitarrista que Callahan é (como comprovado naquele “solo” esquizóide lá para o fim). Posso culpar o prolongamento de certas canções para lá do que elas valem, de modo a criar “ambientes sonoros” e uns “pára-arranca” que foram sobretudo tentativas de enxertar um “arrojo” que estava ausente (pelas razões já apontadas). Posso culpar o gajo que estava ao meu lado e não parou de olhar para o telemóvel. Posso culpar o That’s entertainment! Posso culpar tudo e todos. O que não desfaz esta insatisfação.



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