Bleib Opus#3
Cinco pastores belgas espelham a sociedade contemporânea.
Foi há quatro anos atrás, em 2005, que, Michel Schweizer, dramaturgo e coreógrafo, Dany Robert Dufour, filósofo, e Jean-Pierre Lebrun, psicanalista, iniciaram uma conversa em torno de problemáticas inerentes à sociedade contemporânea, que estaria na origem de “Bleib Opus#3” ou, talvez, da qual “Bleib Opus#3” seja uma natural continuação…Neste espectáculo, apresentado nos passados dias 21 e 22, no Teatro Maria Matos, Schweizer, Dufour e Lebrun fizeram do palco o seu ponto de encontro para prosseguir o diálogo. Sim, Dufour e Lebrun, entram realmente em cena, não para encarnar uma qualquer personagem mas para serem eles mesmos; e falam…Falam sobre a liberdade, a vontade, a decisão e a manipulação.
No entanto, não é em torno desta conversa que gira o espectáculo de Schweizer, mas sim em torno da presença de cinco cães de raça pastor belga acompanhados pelos seus treinadores, aos quais obedecem maquinalmente.
Os animais sentam-se, levantam-se, caminham, protagonizam toda uma coreografia, parecendo ser “as estrelas” do espectáculo. Porém, os treinadores, que quase sempre permanecem afastados do campo de visão do público, estão omnipresentes através dos olhares dos cães seguindo-os, esperando novas ordens.
O contraste entre a postura atlética dos pastores belgas e a prontidão quase robótica com que cumprem o que lhes é comandado gera a tensão na sala. Emerge a expectativa na desobediência. Esperamos que, pelo menos uma vez, os cães sigam os seus próprios instintos e se recusem a deitar, sentar, levantar, caminhar…Afinal, seria legítimo pois são animais, “criaturas da natureza”, irracionais! Tal nunca acontece. Em “Bleib Opus#3” mesmo a revolta é um acto de obediência.
Algo de trágico sobressai perante a impotência destes animais. Talvez condicionados pela conversa entre Dufour e Lebrun, identificamo-nos com os cães, como se vissemos neles o espelho de nós próprios ou da sociedade em que nos movemos.
Schweizer assume uma atitude de resistência através de um questionamento constante e pertinente dos “dados adquiridos” da sociedade contemporânea …”Bleib Opus#3″ vai além do simples despoletar de reflexões porque incomoda e incomoda porque expõe. Expõe cruamente os antagonismos de uma época que se apresenta como de plena liberdade, em que toda a expressão é possível, em que o conhecimento é acessível. Uma época em que cientistas publicam e ensinam em vez de serem censurados e condenados. Uma época em que todos “sabemos quase tudo”, mas, em que simultaneamente nunca fomos tão iguais, tão uníssonos em opiniões e conceitos e, acima de tudo, tão passivos. “Bleib Opus#3” é um convite a não estarmos disponíveis para a servidão.
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Este espectáculo não é uma sequência de um outro que esteve em cena há uns anos no CCB?
Um cenário todo a branco, a sala parecia uma espécie de solitária, como aquelas que existem nos hospitais para pessoas com problemas psiquiátricos, almofadadas. Depois, colocavam um bébé a sério no centro do palco, sozinho, e em algumas sessões ele chorou mesmo. E a certa altura, noutra cena, um homem era violentamente espancado por dois policias (era apenas uma simulação, claro, mas com sangue e tudo) de um realismo impressionante…
Não assisti ao espectáculo, nem me lembro do nome, mas vi umas imagens numa aula de Arte e Educação. Agora, ao ler este texto, lembro-me disso…