Texto de Pedro Saavedra // Ilustração de Nuno Ribeiro

ENPRINCIPIO #10

O Bolo fatia-se

Receita: 1 país neutral, 1 cubo transparente gigantesco, 1 mesa grande, 1 bolo de dinheiro com 22 quilogramas e 1 milhão de convidados sentados perfazem a soma de 1000.0026 coisas imaginadas.

Desta soma uma única faca singular colocada na mão de uma única pessoa. Agora a surpresa, a mão que segura a faca é a tua. Tu estás em frente ao bolo que tem em si todo o dinheiro do mundo e tu és o único que tem uma faca para fazer dele fatias que sirvam 1 milhão de convidados. A festa começa.

O que fazer de seguida ao bolo:

1 – Ficar com o bolo todo para ti, com a vantagem de teres todo o dinheiro do mundo num objecto que podes transportar, não com muita dificuldade, sozinho. E com a desvantagem de teres 1 milhão de pessoas entre ti e a porta de saída.

2 – Oferecer uma parte considerável aos que, na plateia, aparentem ser mais pobres, dissimulando a dificuldade de os ver bem a todos e nunca correndo o risco de perguntar quem ali passa mais dificuldades. Correndo o risco de seguir um impulso altruísta, este ato colocaria pelo menos a plateia a considerá-lo um ser humano previsível e controlável.

3 – Oferecer uma parte considerável aos que, na plateia, aparentam ser mais bem parecidos, considerando assim que a ordem natural das coisas colocaria os mais bem parecidos numa decisão de divisão do bolo da forma mais unânime possível. Neste caso a escolha de mulheres bem parecidas colocá-lo-ia mais perto da natural compreensão de 90% dos convidados.

4 – Oferecer uma parte considerável aos que, na plateia, aparentam ser mais fortes, disponibilizando a sua força à tua vontade, permitindo mesmo que algum deles de arma dissimulada milagrosamente e isenta de inspeções anteriores, possam fazer a sua segurança ao sair do cubo em direção ao exterior com a fatia que guardar para si no bolso.

5 – Iniciar a partilha do bolo começando a cortar fatias com a tua faca, sabendo que mesmo que a tua faca te permita cortar em calibragem de fiambre de charcutaria fina, não conseguirás mais que mil fatias, deixando 99,9% dos convidados de mão vazia. O que num espaço confinado não é muito bom.

6 – Propor uma votação sobre as melhores soluções de fatiamento, correndo o risco de muitos outros se levantarem na sala e se iniciar uma campanha eleitoral que dificilmente conseguirá chegar aos ouvidos e olhos de todos os presentes na sala, criando grupos de primeira plateia, primeiro balcão e coxia, que conflituosos entre si podem criar o caos. Onde mesmo vítima ou mártir, tu podes perecer ingloriamente.

7 – Tentar convencer todos os presentes, que terás de criar um grupo para estudar a melhor solução para fatiar democraticamente o bolo, correndo o risco de o considerarem um ditador ou de promover uma ditadura de um pequeno grupo a controlar um grande grupo.

8 – Tentar comer o bolo na expectativa de guardar dentro de ti uma quantidade suficiente de ser excretada com valor financeiro suficiente para te alimentar para o resto da sua vida. Correndo o risco de lançares o pânico no cubo e de apenas comeres uma pequena e mísera fatia antes do caos que se lançará ao bolo nos momentos seguintes.

9 – Propor que todos, de forma organizada que em fila indiana, passem pelo bolo e lhe deem uma pequena dedada. Não havendo tempo para criar formas de segurança que controlem uma fila indiana com 1 milhão de pessoas, correrás o risco de haver uma luta por dedos com bolo de dimensão épica e de seres acusado de crimes contra a humanidade num tribunal penal internacional.

10 – Nenhuma da opções anteriores, sei que te poderás de lembrar de mais vinte opções diferentes, pelo menos. Opções mais justas ou mais sensatas para além destas nove anteriores podem ajudar-te a imaginar melhor a situação possível.

Imagina e tenta decidir. Decidas o que decidires, o bolo será fatiado.

 

 

Crónicas anteriores aqui.

Texto de Pedro Saavedra
Ilustração de Nuno Ribeiro



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