Fantasporto
A edição possível satisfez e deixa saudades.
O Fantasporto – Festival Internacional de Cinema do Porto regressou ao Rivoli para a sua edição número 29. De 16 de Fevereiro a 1 de Março houve cinema fantástico, antestreias nacionais, retrospectivas temáticas, homenagens de carreira e público para toda a programação. Mas o Fantasporto 2009 fica indelevelmente marcado pelas dúvidas quanto à 30ª edição daquele que é provavelmente o maior festival português de cinema.
O Fantasporto de 2009 disse adeus às sessões temáticas no Teatro Sá da Bandeira que fizeram brilhar mais intensamente a edição do ano anterior, mas abriu-se aos centros comerciais via parceria com a ZON e assim visitou Aveiro, Braga, Coimbra, Viseu e Lisboa. O epicentro do festival manteve-se, contudo, no Rivoli e na tenda gigante Cidade do Cinema, montada na Praça D.João I desde o Fantas de 2007, palco privilegiado para ver curtas europeias, beber uma cerveja e apreciar as meninas da ZON.
As secções competitivas também são as do costume: Cinema Fantástico, Semana dos Realizadores e Orient Express. Embora a matriz genética do Fantas seja o cinema fantástico, o festival é, para todos os efeitos, generalista desde que a Semana dos Realizadores se estreou em 1990. E, por falar em datas, é impossível não pensar na trigésima edição que se comemora em 2010 e por isso a organização do Fantasporto lançou a colecção “30 Anos, 30 Filmes”, uma panorâmica sobre alguns dos filmes que fizeram a história do festival que, segundo eles, “engrandece o cinema, o Porto, o Norte e o País”.
Este ano, o Fantasporto abriu dia 20 com “Che – Parte Um” de Steven Soderbergh, uma antestreia nacional, e encerrou a 28 com “Adam Resurrected” de Paul Schrader. Na semana anterior, o ciclo “Cinema e Arquitectura” ocupou-se do diálogo entre as duas expressões artísticas com os arquitectos convidados Sou Fujimoto e Marcos Cruz. Quem também veio ao Fantas foram os realizadores Wim Wenders e Paul Schrader. Apesar de não ter nenhum filme em competição, o cinema português esteve em destaque, nomeadamente com a retrospectiva não-integral da obra de José Fonseca e Costa e com os 83 filmes exibidos (curtas e longas-metragens), assumindo-se o Fantasporto como montra do catálogo nacional.
Os vizinhos da Galiza não foram esquecidos e o seu cinema foi homenageado numa retrospectiva especial. Jörg Buttgereit, o realizador do filme-maldito “Nekromantik”, também foi alvo de uma retrospectiva integral das suas longas-metragens e veio ao Porto estrear o seu novo filme, o documentário “Monsterland”. Ainda no cinema extremo, 2009 foi também o ano de uma retrospectiva dedicada ao italiano Mário Bava, realizador de referência do giallo.
Toda esta quantidade e qualidade de programação não podem ser sinónimos, segundo a organização, do Fantas da crise, “que baixa os braços e deixa de procurar o melhor”. Este ano, o festival estendeu-se a oito cidades e 13 salas, assumindo-se como evento nacional e pólo prestigiante da região na edição com mais filmes e mais sessões gratuitas.
Noite de Óscares
Na gala de abertura, antes de “Che – Parte Um” de Soderbergh, Beatriz Pacheco Pereira, uma das directoras do festival, prometeu para a madrugada de segunda-feira uma festa de visionamento dos Óscares, no bar do Rivoli. Apesar da matriz cinematográfica diferente, adivinhava-se uma sala pouco concorrida, mas a proximidade com um dia de trabalho deitou por terra grandes festejos e a maioria do público presente no quinto piso do Rivoli era estrangeiro ou da organização, num número total que não excedia as 40 pessoas. Ainda assim, gente suficiente para seguir com maior ou menor interesse a cerimónia pelos pequenos ecrãs de televisão espalhados pela sala enquanto se encomendava uma tosta mista aos garçons engravatados. No fim das apostas os espanhóis fizeram a festa.
O último dia
No sábado, dia 28, o Fantasporto 2009 chegava ao fim. Os destaques do último dia iam inteirinhos para “Adam Resurrected” de Paul Schrader e para mais um Baile dos Vampiros, celebração dançante que encerra o Fantasporto desde 1982. Se o novo filme do realizador americano trazia consigo o peso do argumentista de “Taxi Driver” (e “Bringing Out the Dead”), a edição 2009 do baile vinha com a promessa da gravação do concerto dos Clã para futuro lançamento em DVD, a que se somavam o nome seguro de DJ Kitten, DJ Luís Machado para embalar-nos até de manhã, a fronteira trespassada com o galego DJ Nacho e o conjunto 4Drums para os intervalos entre actuações (“momento autêntico”).
Ao início da tarde souberam-se os premiados e a organização prometeu festival para o próximo ano, quase apelidando de marketing alarmista o anterior tom do discurso oficial. A organização destacou ainda a ligação transfronteiriça com a Galiza na retrospectiva “Cinema Galego”, o êxito da retrospectiva dedicada ao realizador José Fonseca e Costa (fantástico “Música, Moçambique!”) e a presença dos realizadores Wim Wenders e Paul Schrader, sem esquecer a presença da imprensa estrangeira.
Já mais tarde, numa sessão de encerramento lotada, decorreu a entrega dos prémios da edição 29 onde a actriz espanhola Macarena Gómez (premiada pela sua actuação em “Sexykiller”) foi a autora do discurso mais entusiasta, para não dizer que brilhou no limite do irritante. Se o discurso da jovem actriz espanhola contrastou com os restantes pela sua exuberância, o discurso de encerramento de Mário Dorminsky destacou-se pela duração (pelo menos quinze minutos) e pelo embargo emotivo na voz (desculpado pela falta de óculos).
Depois coube a Schrader introduzir o seu “Adam Resurrected”, um filme que se deixa ver bem, mas que vale sobretudo pela performance de Jeff Goldblum (e que pena não o vermos mais vezes). Com o festival e o espaço Cidade do Cinema encerrados, o lugar a ir só podia ser o Teatro Sá da Bandeira onde já começava o Baile dos Vampiros – puro engano.
De volta ao bar do Rivoli para matar a sede encontrei um ambiente incrivelmente caricato: grupos de amigos jantavam tardiamente e estava prestes a começar uma festa de karaoke (com “prémios para os piores”), enquanto que no meio da sala Wim Wenders e Paul Schrader tentavam conversar (o Kantatu com mais décibeis de sempre) e saborear uma sobremesa.
O ambiente fazia lembrar uma festa de liceu dos subúrbios organizada por Filipe La Féria no Cabaret Maxime. E para abrir o karaoke nada melhor do que um colega de imprensa dedicar «Final Countdown» a Wim Wenders e ser aplaudido pelo realizador alemão no final, que mais tarde também se mostraria atento ao cantor de meia-idade que interpretou «Povo que lavas no rio». Para rematar, quando Paul Schrader se quis ir embora o adolescente à entrada responsável pelos cartões não o reconheceu e quis cobrar o consumo do ilustre convidado. Nada que não se resolvesse a conversar.
Os premiados
A lista dos premiados do Fantasporto 2009 tem algumas surpresas e parece querer responder à qualidade da selecção das secções competitivas, nomeadamente através das menções honrosas do júri. Na secção Cinema Fantástico, o Grande Prémio Melhor Filme foi para a animação “Idiots and Angels” do velho conhecido Bill Plympton que também foi distinguido com o melhor argumento. James Watkins venceu o prémio para melhor realizador por “Eden Lake”, filme que valeu a Jack O’Connel a distinção de melhor actor, prémio no feminino levado para Espanha por Macarena Gómez pelo sua actuação em “Sexykiller”.
Nota ainda, na mesma secção, para a menção honrosa do júri internacional para “Astropia”, o melhor filme islandês de sempre. Na secção Semana dos Realizadores, o Grande Prémio Manoel de Oliveira que distingue o melhor filme foi ganho por “Moscow, Belgium” de Christophe Van Rompaey, enquanto que Wim Wenders recebeu o Prémios Especial do Júri por “Palermo Shooting” e Bent Hamer foi o melhor realizador em “O’Horten”.
Na última secção competitiva, “Orient Express”, o prémio de melhor filme foi entregue a “Hansel & Gretel” do sul-coreano Phil-Sung Yim que venceu o favorito “The Chaser”, galardoado com o prémio do júri. Do resto da lista de premiados destaque também para “Absurdistan” do alemão Veit Helmer que venceu o Prémio Méliès de Prata para melhor filme, para “Delta” de Kornél Mundruczó que foi distinguido com o Prémio da Crítica e para “The Wrestler”, o filme de Darren Aronofsky com Mickey Rourke que estava em competição na Semana dos Realizadores, mas que venceu apenas o Prémio Audiência JN.
Os realizadores José Fonseca e Costa, Wim Wenders e Paul Schrader foram ainda laureados com o Prémio Carreira. O prémio oficioso para o pior filme da edição 2009 é entregue por mim a “Exodus” de Penny Woolcock, uma tortura intelectual vomitada ao longo de duas penosas horas, e a menção honrosa a “The Deal” de Steven Schachter.
Números
“Este não é o Fantas da crise” disse e repetiu Beatriz Pacheco Pereira, directora do festival, na gala de abertura da edição 29. A posição de combate da organização (ainda que por vezes veiculasse informação contraditória) parece ter justificação nos números finais da edição 2009.
Em conferência de imprensa no sábado, dia 28, Mário Dorminsky falou em resultados “acima das expectativas” com cerca de 31 mil espectadores pagantes até à quarta-feira anterior e apontando para números finais entre os 50 e os 55 mil espectadores, a que se somam os portadores de livre-trânsitos, a imprensa e os convidados. A organização fala numa “subida de espectadores na ordem dos 20 a 25%”.
Em 2010
Mesmo antes da edição 29 ter começado já havia especulação sobre a possibilidade de para o ano não haver Fantasporto. A edição de 2008 deixou a Cinema Novo, a cooperativa que organiza o festival, financeiramente frustrada depois de desacordos quanto a verbas com o Turismo de Portugal. Depois veio a notícia que o Fantasporto queria virar fundação para garantir dessa forma a sua sustentabilidade (cerca de 80 amigos angariados durante o festival).
Mas, ao cair o pano, Mário Dorminsky prometeu, na conferência de imprensa de balanço que o Fantasporto 2010, a trigésima edição, seria feito “a bem ou a mal”, apesar da “burocracia louca” que implica montar o festival. No próximo mês de Abril a Cinema Novo organiza um jantar-leilão num hotel portuense em que artistas plásticos oferecem obras suas para que os lucros do leilão revertam a favor do Fantasporto numa política sintetizada pela frase (de Mário Dorminsky): “não estender a mão, mas criar parcerias”.
A organização tentou descolar a edição deste ano do epíteto “da crise”, mas é previsível que em 2010, caso a Cinema Novo não garanta as condições que deseja, seja assumido o falhanço com a desculpa apaziguante da edição 30 poder não ser “de primeira”, mas pelo menos não ter sido cancelada. Mário Dorminsky espera não ter que chegar a esse cenário-limite, mas relembra que a maioria do orçamento de 4 milhões de euros vem de financiamento privado e apela à autarquia portuense e ao ministro da Cultura, que disse em Madrid que o Fantasporto era um evento consolidado e que não estava em risco, embora o director do festival não saiba qual será a aplicação prática destas afirmações no futuro.
Seja como for: a edição de 2010 é mesmo para pôr de pé (“nem que seja um festival mais pequeno”) e a prová-lo está a definição do calendário (entre 26 de Fevereiro e 6 de Março), do realizador português cuja filmografia será homenageada (Luís Galvão Teles) e do suposto tema para o pré-Fantas (“Cinema e Robótica”). Nós agradecemos. Então, até para o ano.
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