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Festival Rescaldo

Caça tribos na fogueira

Falta menos de uma semana para o Festival Rescaldo e até agora pouco mais sei do que a data, hora e programação. Não, não é apenas um festival de jazz ou música experimental.

Procurei uma definição que fosse além de “um encontro de nomes e projectos musicais que se destacaram na cena nacional no decorrer do ano anterior”.

Perguntei directamente à organização e o Travassos respondeu como quem conta a história de início ao fim das quatro edições anteriores e como quem convida a esta 5ª edição, também mas não só, porque vai incluir o lançamento uma nova editora portuguesa, a Shhpuma.

Agora a definição que me aparece à frente de Rescaldo é só uma: porque há tribos distintas e distintas. Há tribos distintas, leia-se exímias, notáveis, emergentes. E as há também e tantas distintas ou seja diferentes entre si, diferentes do que se costuma ouvir na selva urbana.

Gostei desta ideia de tribo, fico-me com ela. Daí vem a caça do alimento, que também é para a alma e que sempre foi em parte a música. Dela o selvagem que me transporta a um imenso território musical por explorar, com horizontes fora da linha.

Dela tantas outras referências só para evitar a descrição do festival como alternativo. Que é como muita gente ainda vê o festival Rescaldo. Mas alternativo a quê? E que é isso de ser alternativo? Eu sou alternativa, na minha tribo temos os rituais e a alternativa de escolher entre 17 e 21 de Abril ir à Culturgest ou à Trem Azul, para inevitavelmente assistir ao encontro de Norberto Lobo e Carlos Bica, e conhecer os Calhau; diz serem uma “caixinha de surpresas”.

O que é o Festival Rescaldo?

O Festival Rescaldo é um encontro de nomes e projectos musicais que se destacaram na cena nacional no decorrer do ano anterior, focando a sua programação na fértil diversidade das movimentações emergentes da electrónica, improvisação, electroacústica, do rock e do jazz. Tem como objectivo enfatizar e dar a conhecer linguagens, e também músicos que merecem destaque pela qualidade, importância e contributo para a vitalidade criativa da música feita em Portugal.

Recuando, quando nasceu, em 2008, o que quis ser o Rescaldo no seu início, o conceito, qual foi a força motriz e em que contexto nasceu?

O Rescaldo surgiu pouco depois de ter vindo trabalhar para Lisboa para a Trem Azul / Clean Feed.

Estando a uma certa distância tens uma noção mais alargada das movimentações no seu todo. Quando cheguei, fui procurar essas referências que me entusiasmavam, e o que encontrei foi uma série de grupos e tribos, cada uma encerrada na sua redoma com aversão ou fobia pelo seu diferente. Pensei que seria fundamental e benéfico para todos esbater essas barreiras e tentar unificar de alguma forma géneros que, pela sua natureza, cruzam e partilham conhecimentos, convicções e princípios criativos. E foi isso que aconteceu desde as primeiras edições, tendo como conceito ou motivo de fundo fazer um rescaldo do que se tinha passado de mais relevante, nessas diferentes correntes, no decorrer do ano transacto.

Hoje, já na quinta edição, o que mudou no Rescaldo e, mais do que mudar, o que evoluiu positivamente?

O que mudou essencialmente no Rescaldo foram as condições em que o festival actualmente se realiza. Foi evoluindo do orçamento 0 até alguns pequenos apoios que ajudaram o festival a crescer e a criar alicerces. Sendo que o amparo mais importante foi manifestado desde cedo pelos próprios músicos e pelo público, que sempre acarinharam o festival.

O que evoluiu positivamente, e sempre fez parte das premissas deste projecto, foi o facto de, durante estes anos, muitos músicos cruzarem e partilharem conhecimentos, visões e amizades que se prolongam até hoje.

Talvez hoje a música esteja por toda a parte, mais que em 2008, mas era aí que começava todo este boom da música, ou será agora o momento, ou… nada disto está correcto e a música sempre esteve no rescaldo do que se faz. Mas e sendo assim, volto ao meu ponto, hoje faz-se mais? E melhor?

O que se constata agora com mais intensidade é a expansão da música dos grandes centros urbanos para qualquer lugar, aparentemente improvável. Neste momento sinto que existe um fervilhar mais organizado, com mais meios e canais que fazem com que a música tenha outras condições de se formular e de chegar ao ouvinte.

Hoje existem mais e melhores propostas em todos os campos, desde as bandas que tentam ser como os outros como aquelas que tentam trilhar o seu próprio caminho e encontrar uma expressão própria. Considero impressionante a vivacidade criativa em que se encontra a cena nacional. Ouso afirmar que não tínhamos um período tão fértil desde o boom dos anos 80.

Isto não quer dizer que não tenha existido sempre uma cena criativa, muito significativa, em Portugal, talvez estivesse mais latente. De facto sempre fomos vanguardistas nas áreas mais criativas tais como a improvisação, a música experimental, o near silence ou mesmo o Jazz – posso citar aqui alguns exemplos de músicos que são altamente reconhecidos internacionalmente pela coerência e inovação das suas obras, tais como o Rafael Toral, Manuel Mota, Sei Miguel, Telectu, Carlos Zíngaro, Ernesto Rodrigues, @c, Vitor Gama etc… etc..

Rafael Toral – Part II from Teatro Maria Matos on Vimeo.

Nesse sentido e noutro Rescaldo, o da crise, como achas que vamos andando de criatividade e se de facto na tua opinião se confirmam os estudos de que em crise a criatividade “explode”?

Os dados históricos relativos a fenómenos de criação em tempos de crise são claros. São períodos onde existe uma inquietação muito maior e consequentemente níveis de expressividade de maior feracidade. Portugal não foge à regra.
Neste momento os espaços para acolher espectáculos, supostamente com mais condições, começam a apertar os seus cordões como por exemplo a Casa da Música ou Serralves, já para não falar na debilidade dos inúmeros Teatros Municipais. Isso, felizmente, não se tem reflectido num abrandamento da actividade; pelo contrário cada vez existem mais projectos e mais espaços onde é possível mostrares o teu trabalho com alguma dignidade.

Antecede-nos um pouco a programação desta edição

Uma das principais características da programação deste ano é ter mais guitarras e mais electrónicas e menos jazz e improvisação. Não que tenha sido algo de propositado mais sim fruto da minha análise do que se tem passado ultimamente. Este ano não há mais Jazz, com pena minha, porque existe uma pequena estagnação, ou talvez um período de ressaca de anos com mais abundância. Em contrapartida outras áreas têm crescido e têm-nos presenteado com excelentes propostas como é o caso da aproximação à guitarra acústica do João Alegria Pécurto ou a abordagem original da electrónica dos Olive Troops Sos.

Nesta edição não posso deixar de destacar o encontro inédito entre o Norberto Lobo e o Carlos Bica, dois grandes músicos da nossa praça, este é um encontro, proposto por nós, com muito orgulho, sobre o qual recaem as melhores expectativas. Caso também é o encontro de 2/3 dos Sunflare, essa bomba do rock com a dupla incendiária do free jazz do Pedro Sousa/Gabriel Ferrandini – parece-me ser a banda perfeita para uma explosão de decibéis e energia pura.

Não menos importantes os Calhau que para mim são a banda/projecto mais original do país, uma verdadeira caixinha de surpresas. O André Gonçalves, um pequeno génio detentor de muitos e surpreendentes talentos, os Cangarra em grande ebulição criativa ou o Tó Trips, um valor tão seguro como extraordinário.

O festival este ano vive de Culturgest e Trem Azul, ao passo que em outras edições esteve mais ao “pé” do moove da cidade, mais na rua. Ou não? As escolhas dos locais explicam o festival? Ajuda-nos a explica, para quem nunca foi, que ambiente, descobertas e o que se pode esperar do Festival Rescaldo.

É verdade que, em edições anteriores, o Rescaldo esteve mais na rua e mais disseminado pela cidade. Esse era também um objectivo do festival. Sermos acolhidos pela Culturgest este ano pareceu-nos uma óptima opção e uma oportunidade irrecusável. As condições melhoram exponencialmente a todos os níveis, principalmente para os músicos, que no fundo são a parte mais importante do festival.

Nesta edição a programação reparte-se unicamente por dois blocos – os concertos que vão acontecer na Culturgest com características de espectáculo apropriado ao espaço em causa. E na Trem Azul onde vai existir um espírito mais aberto de noite de festa de encerramento.

Fala-nos um pouco do lançamento da nova editora, a sua abordagem e o que isso significa para o festival Rescaldo que, para que se saiba, não se faz apenas de concertos

Esta nova editora surge por arrasto de tudo o que se tem conseguido com o Rescaldo. Ambos, festival e editora, unem-se pela natural simbiose entre o catálogo que a Shhpuma prepara e as propostas que o Rescaldo tem levado ao público durante as suas edições.

O real valor dos trabalhos de muitos músicos que passam pelo festival não tem a visibilidade e o reconhecimento que merecem e por isso necessitam de estruturas organizadas que os ajudem a fazer chegar o seu trabalho aos sítios certos. Esse é o objectivo da Shhpuma, um projecto alicerçado na casa da Clean Feed, editora com um caminho firmado e estabelecido à escala global. Tirando assim partido do know-how desse empreendimento e aplicando-o a este novo modelo.

Queremos através da Shhpuma dar um foco especial a esta música portuguesa, que trabalha, laboriosamente, em busca de uma visão artística própria e de uma expressão plena, de olhos postos no futuro.

Programa
Qua 18 de abril, 21h30 Pequeno Auditório
Feltro
Calhau!

Qui 19 de abril, 21h30 Pequeno Auditório
Tó Trips
Olive Troops SOS

Sex 20 abril, 21h30 Pequeno Auditório
João Alegria Pécurto
Norberto Lobo / Carlos Bica

Sáb 21 abril, 22h Trem Azul Jazz Store
Cangarra
Canhão / Sousa / Nogueira / Ferrandini
Bobby Brown & Quincy (DJ Set)



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