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Mary Lattimore @ ZDB (18.03.2024)

Mary Lattimore e sua harpa regressaram a Lisboa, numa noite quente para os idos de Março, e colocaram a pequena sala da Galeria Zé dos Bois a flutuar, em suspenso, num momento tão zen quanto uma segunda-feira rotineira o exigiria.

O tiro de partida do serão foi dado pelo violino de Adriana Jordão, explorado até às suas entranhas, numa peça sónica una, durante a qual os esgares roubados às cordas foram posterior e repetidamente explorados e abusados electronicamente com recurso à magia da tecnologia.

A norte-americana optou por um alinhamento decorrente da sua vontade, livre das costumeiras amarras ligadas aos lançamentos mais recentes. E é normal que exista essa vontade de liberdade, após mais de um mês de digressão. Para dar ainda mais largas à sua magia, e para maximizar a sua arte manual na harpa, Mary Lattimore utiliza um pedal de efeitos, que abre portas a curiosos delays, loops, entre outros ajustes e retoques.

O facto de Mary Lattimore ir contando as linhas com que teceu cada tema é claramente um bónus, porque se as suas composições já nos fazem viajar inconscientemente, sabendo o contexto das mesmas essas viagens tornam-se mais ricas pela sua variedade e especificidade simultaneamente. Na tela ao fundo do palco foram projectadas imagens de flora captadas à noite, que embalavam ainda mais os mais atentos.

Pudemos assim flutuar de forma mais concentrada e sentida ao som de «On the Day You Saw the Dead Whale», escrita após o avistamento de uma baleia morta ao largo de São Francisco, durante uma residência feita no Headlands Center for the Arts. E as cordas da harpa, através dessa ondulação transmitiram na perfeição a beleza tristonha de um momento daqueles. Pudemos igualmente imaginar o turbilhão de sensações por que atravessarão a cabeça de um astronauta durante 340 dias isolado no espaço, feito que levou Mary Lattimore a criar «For Scott Kelly, Returned to Earth», quando também ela se sentia isolada devido à impossibilidade de falar após fracturar o maxilar.

O tema que encerrou a performance foi «It Feels Like Floating», repescado do seu LP “Hundreds of Days” de 2018, e o sentimento com que ficámos é que todas as suas músicas poderiam incluir o termo floating no final dos seus títulos, porque é definitivamente esse o maior impacto que a obra de Mary Lattimore nos oferece.

Findo o concerto, começaram dois dias de férias para a harpista desfrutar pelas ruas e recantos de Lisboa. Merecidamente. E o nosso espírito parecia ter regressado de férias de igual forma, tal a calmaria interior com que deixámos a ZDB.



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