“Os Doze” | Justin Cronin
Uma aventura genética que virou o mundo do avesso
Um thriller épico e sofisticado. Esta seria uma boa frase para descrever “Os Doze” (Editorial Presença, 2013), a segunda parte de uma trilogia – intitulada The Passage, no original – da autoria de Justin Cronin que teve, em “A Passagem” (editado em dois volumes), o seu fulgurante início.
Apesar de se recomendar que a leitura comece pelos dois primeiros livros, aqueles que decidirem iniciar o seu percurso por uma América devastada terão, em “Os Doze”, uma pequena introdução retirada “Dos Escritos do Primeiro Cronista”, apresentado na Terceira Conferência Mundial sobre o Período de Quarentena da América do Norte, cerca de mil anos mais tarde: «Aconteceu que o mundo se tinha tornado malvado, e os homens tinham a guerra nos seus corações e cometeram tremendos ultrajes sobre todas as coisas vivas, de tal maneira que o mundo se transformou num sonho de morte», começa assim o impressionante relato escrito de forma solene e com laivos de grande religiosidade.
Tudo começou em “A Passagem”, quando o exército dos Estados unidos da América submeteu 12 homens e uma rapariga a uma experiência científica, que se esperava fazer deles um exército invencível. Porém, como em muito boa experiência genética, as coisas não correram pelo melhor e, todos eles, tornam-se detentores de poderes extraordinários, incluindo a capacidade de manipular a mente humana.
O problema é que os doze homens escolhidos não eram cidadãos comuns, mas condenados a prisão perpétua por crimes como homicídio qualificado, agressão sexual agravada ou atropelamento mortal com indiferença depravada. Se juntarmos a isto o facto de a brincadeira os ter transformado em vampiros sedentos de sangue, capazes de recrutar meio mundo para a causa com um simples mordiscar de pescoço, o cenário está longe de ser animador.
Amy, a rapariga que aos seis anos foi deixada num convento pela mãe é, porém, feita de outra fibra e, com a ajuda de Wolgast – um dos homens responsáveis por convencer os presidiários a trocar a prisão pela experimentação -, tornar-se-á na Rapariga de Nenhures, a Primeira e Última e Única a viver mil anos, nos seus ombros recaindo a esperança na salvação do mundo após os mutantes lançarem o país numa destruição sangrenta que levará a uma penosa reorganização dos sobreviventes em pequenas e precárias comunidades, muitas delas escondendo as leias macabras por que se regem.
Na segunda parte de “A Passagem” estamos noventa anos à frente da grande catástrofe e Amy, ou a Vagante – como ficou conhecida na história instável que se vai traçando -, regressa de uma solitária jornada de décadas, tendo já assimilado a obscura realidade de que é a Única, vivendo num mundo de trevas onde quem dita as leis é a necessidade de sobrevivência, os ataques dos mutantes são uma constante e tudo tem de ser adquirido, recuperado e reinventado.
“Os Doze”, que recua temporalmente em relação aos anteriores livros, mostra-nos o cenário apocalíptico criado pela mão humana, seguindo três personagens cujas vidas solitárias vividas entre o caos se irão cruzar: Lila, uma médica e futura mãe, a viver em modo pós-traumático depois de espreitar a desolação e antever um futuro medonho para a sua criança; Kittridge, conhecido com o último resistente de Denver – um herói que se tornou no maior sniper de vampiros -, obrigado a fugir do seu ponto de resistência praticamente com a roupa do corpo e escassos alimentos; April, uma adolescente que luta por manter a salvo o seu irmão mais novo.
Mas há também Lawrence Grey, o único que, de entre os Doze, foi condenado talvez injustamente à prisão perpétua, e que retém ainda uma réstia de humanidade, tentando combater o mostro que dentro dele habita. Em paralelo e quase em contra-senso, acompanhamos a história de Guilder, um burocrata moribundo que aceita trair a humanidade para se tornar num mostro e, com isso, alcançar a vida eterna. Há também Alicia, cuja infecção e sobrevivência a tornaram num exemplo de virtude e Peter, um improvável herói, que combate ao lado de duas mulheres amando ambas.
Justin Cronin construíu um mundo que, à semelhança de muitos dos livros de Stephen King, está estilhaçado e coberto de monstros, em que uma geração inocente parte numa grande aventura em busca de uma cura para um mundo doente onde há heróis, vilões e monstros.
Os saltos temporais, assim como a leitura feita através de diários e documentos, remete-nos para o livro “A Serva Humana”, de Margaret Atwood, onde uma tragédia é olhada a anos-luz de distância com alguma brandura. Veremos o que nos traz o terceiro volume da trilogia e de que forma julgará, a história – e também Justin Cronin -, uma aventura genética que virou o mundo do avesso.
There are no comments
Add yoursTem de iniciar a sessão para publicar um comentário.
Artigos Relacionados