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Porque é que as pessoas não vão ver filmes portugueses?

O quarto debate na Baixa-Chiado PT Bluestation contou com a presença do realizador António Pedro Vasconcelos, do crítico Jorge Mourinha e dos actores Alexandre David e Anabela Moreira

“Porque é que as pessoas não vão ver filmes portugueses?” foi a última pergunta do ciclo de debates organizados pela Rua de Baixo / Baixa-Chiado PT Bluestation, e que neste dia contou com António Pedro Vasconcelos, realizador reconhecido pela sua extensa carreira e por alguns dos maiores sucessos comerciais do cinema português (como “O Lugar do Morto” em 1984, ou a “Bela e o Paparazzo” de 2010), Jorge Mourinha, crítico de cinema do Jornal Público, Anabela Moreira, actriz já com uma carreira reconhecida de onde se destaca a sua participação nos filmes de João Canijo (“Mal Nascida” e “Sangue do Meu Sangue”) e o actor Alexander David que entrou em filmes de João Pedro Rodrigues, como “Morrer como um Homem” e no “Manhã de Santo António”.

Colocados perpendicularmente a uma parede do túnel do Chiado da estação de metro Baixa-Chiado PT Bluestation, as ideias e os argumentos sobre a atracção que o cinema deve criar ao seu próprio público foram assistidas, com grande concentração, por cerca de 30 pessoas enquanto muitos milhares foram passando a caminho de casa ou de outros locais de maior interesse para os próprios. O debate centrou-se nas muitas experiências da carreira do realizador António Pedro Vasconcelos, e nas perspectivas que os outros convidados têm sobre o dilema da escassez de público no cinema português. Assistimos a vários excertos de filmes relacionados com os convidados presentes. Com a moderação de João Lameira, muitas foram as questões controversas que provocaram a discução acesa das razões e justificações que cada um defendeu.

Alexander David apresentou um excerto de um filme de João Pedro Rodrigues em que participou e defendeu a importância de um cinema de autor que revele a personalidade e a visão de quem o cria. Em vários momentos do debate revelou sempre a sua convicção sobre o tema da criação cinematográfica.

Anabela Moreira falou da percepção que ganhou pela presença em festivais internacionais de cinema. De como a opinião que ouve sobre filmes portugueses é muito diferente daquela que ouve dentro de Portugal. De como por vezes as próprias condições de som nas salas não ajudam a emissão de cinema na nossa própria língua.

No fundo, o público nunca esteve muito próximo do cinema ou do teatro português. As pessoas não estão habituadas a ver produções nacionais, e os media também não envolvem o público de maneira a que este conheça e goste de cinema português.

AM comentou como filmes mais populares, como “Morangos com Açúcar” não têm em si uma visão pessoal que revele um autor, quase qualquer um poderia realizá-lo. Segundo ela, a própria visão que temos dos nossos criadores é por vezes de desconhecimento do impacto que alguns têm noutros países, como o João César Monteiro e o seu filme “Branca de Neve” que é reconhecido em muitos desses sítios como um génio cinematográfico.

Jorge Mourinha não aceita que a crítica seja condescendente em relação ao cinema português. Existem filmes bons e maus independentemente da sua nacionalidade. Houve períodos em que se elogiaram os filmes portugueses como um todo e isso não aproximou o público das salas. Existe uma escala de valores, que é perniciosa. As pessoas têm a expectativa de ver filmes que sigam o modelo dos filmes norte-americanos, que são aqueles que conhecem, e depois são surpreendidas por outro tipo de filmes. A questão não reside num maior apoio dos media. Os casos de sucessos de bilheteira mais recentes: “Morangos com Açúcar” e “Balas e Bolinhos” passaram praticamente despercebidos na imprensa e fizeram 250 mil espectadores.

Para Jorge Mourinha é sobretudo uma questão educacional, temos sempre muita desconfiança sobre o que se faz no nosso próprio País, não só no cinema. Mas para a maioria das pessoas o cinema português é muito intelectual. A crítica tem um papel fundamental a destacar o que existe no cinema, a sugerir escolhas que as possam fazer passar um bom momento, mas as pessoas acham que existe um complot dos críticos a favor dos cineastas e contra o público, nas classificações que damos.

Continuamos agarrados a uma ideia de cinema de autor com mais de 50 anos. Em Portugal, e desde o cinema novo, que a maioria dos cineastas portugueses são cineastas que não sabem contar histórias e que fazem filmes para si e para alguns dos seus amigos.

Na relação com o público, JM acha que as pessoas deram sistemáticamente oportunidades ao cinema português e foram sendo sempre decepcionadas. Nos anos 80 havia filmes que comunicavam com o público, desde aí que a estética dominante é mais de cinema de autor. Mas isso não quer dizer que não se tente comunicar com as pessoas. Há filmes muito densos que as pessoas vão ver e cria-se assim a ideia de um cinema difícil de ver. Isso criou uma oportunidade para a indústria americana e para as produções televisivas portuguesas. Cada vez mais populares em oposição a um cinema cada vez mais artístico.

O cinema de autor é uma espécie de gaveta formatada pelos festivais e pela crítica, não são filmes que têm a bilheteira como objectivo, e é neste circuito que o cinema português está a ter sucesso. O número de espectadores no estrangeiro é equivalente ao que os filmes fazem cá. O nosso cinema deve comunicar primordialmente com o nosso público. Os cineastas têm de comunicar melhor os seus filmes, aprender a vendê-los, ter uma maior preocupação em explicar que tipo de filme é.

António Pedro Vasconcelos começou por apresentar e comentar um excerto do seu filme “O Lugar do Morto”, e assim que terminou descreveu a parábola do momento do debate na estação como uma metáfora da relação entre o cinema português e o público português: Aqui, como no cinema português, por vezes há mais pessoas na tela do que na sala, ou mais estrelinhas no jornal do que público nas salas.

O cinema, de um modo geral, entrou em declínio. As pessoas procuram emoções, vão ao futebol para terem emoções, vão ao teatro e ao cinema para terem emoções. Uma tragédia grega ou um peça de Shakespeare são entretenimento. A ideia de um cinema intelectual é uma ideia inventada. As pessoas gostam que lhes contem uma história. A grande época do cinema foi feita com grandes histórias. O cinema americano teve o seu apogeu nesse momento e foi inspirado também pelo grande momento que o cinema pós-guerra teve na Europa. Ambos estão interligados e ambos pioraram. Hoje em dia as grandes histórias produzidas na América são em formato de série televisa, não cinema. Mas nós usamos o cinema americano como referência, se eles fazem isto tão bem, nós também temos de o conseguir.

Para APV, um filme ou comunica ou não comunica, e o cinema português não tem o impacto que poderia ter porque. a proibição das dobragens, do tempo do Estado Novo, não permitiu uma habituação entre os espectadores e a sua própria lingua nos ecrãs; a lingua portuguesa é, naturalmente, muito fechada, e isso não ajuda a naturalidade dos diálogos nos filmes; o facto do Estado não abrir mão da selecção dos filmes que são produzidos provoca uma aberração que coloca até os realizadores a publicar manifestos em que pedem ao Estado que os liberte do peso do público.

Como professor, APV diz que a principal lição que se deve dar a um aluno é a de aprender a antecipar a reacção do público. Realizar uma comédia em que as pessoas não riem é um falhanço. É preciso ter a sensibilidade para antecipar as reacções; se não fazes isso falhaste, e isso é a negação da arte do cinema. Neste momento se acabasse o cinema português e “fôssemos para a rua, ninguém iria connosco”, concluiu.

No final o público colocou algumas perguntas sobre a presença mundial do cinema português e sobre a relação entre os problemas da economia com a produção cinematográfica. Muito mais poderia ser falado, tantas eram as perguntas e a vontade dos convidados em debatê-las.



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