Rodrigo Amado e Miguel Mira | Entrevista
"A improvisação é a alma da música"
É um dos projectos de Jazz e música improvisada mais reconhecidos em Portugal e além-fronteiras. Depois do lançamento de dois discos gravados ao vivo este ano e com selo internacional, Rodrigo Amado Motion Trio é o convidado para a abertura da 10ª edição do Jazz im Goethe-Garten que arranca hoje, dia 1 de Julho, pelas 19 horas nos belíssimos jardins do Instituto Goethe, em Lisboa. Conversámos com Rodrigo Amado (saxofone) e Miguel Mira (violoncelo) sobre o que podemos esperar do concerto, mas também sobre o lugar da música improvisada em Portugal.
Esta é a vossa estreia no festival, não é?
Rodrigo Amado – Sim, esta é a primeira vez que tocamos no festival.
E são também a única banda portuguesa na programação
Rodrigo Amado – Sim, isso é já uma tradição do festival. Normalmente abrem com um grupo português e fecham com um grupo alemão.
Como se sentem por serem este ano os escolhidos?
Rodrigo Amado – É um prazer e uma honra, claro. Este é um dos festivais programados pelo Rui Neves, que programa também o Jazz em Agosto da Gulbenkian e é o programador principal nesta área. Para nós é um privilégio estar em qualquer festival que ele programe. Para além disso, esta é a 10ª edição, portanto é também mais especial. E o sítio onde vamos tocar é incrível, é perfeito para fazer um concerto deste tipo: ao fim da tarde e onde as pessoas podem estar à vontade, a comer e a beber. Bastante mais interessante do que tocar num auditório fechado; um ambiente mais descontraído.
E é isso que esperam, portanto?
Rodrigo Amado – É, esperamos divertir-nos bastante. (risos)
Trazem também convosco um convidado, que é o pianista Rodrigo Pinheiro. Já têm algum plano traçado ou vai ser basicamente uma sessão improvisada?
Miguel Mira – Não, não há planos com o Motion Trio. O Rodrigo Pinheiro é um músico especial. Para além de ser um grande amigo, é um dos melhores improvisadores portugueses. Toca um instrumento harmónico, o que não é muito vulgar já que convidamos sempre músicos que tocam instrumentos de sopro e tocar com um instrumento harmónico pode ser interessante. Já tocámos juntos, mas nunca em palco, e estamos muito entusiasmados com essa hipótese de tocar com ele.
Este ano ficou também marcado pelo lançamento de três discos, dois deles com Motion Trio. Vão reproduzir algum dos momentos em disco aqui?
Rodrigo Amado – Nos meus próprios projectos a música é sempre totalmente improvisada, por isso não há possibilidade de se reproduzirem momentos ou coisas que estão gravadas em disco. De qualquer forma, vai ser um concerto de Motion Trio e isso significa que é uma música improvisada, bastante estruturada e com formas bastante definidas. É uma música também muito próxima do Jazz. Tudo isso são características da música do Motion Trio que se repetem de concerto para concerto e de gravação para gravação.
Onde é que termina o jazz e começa a improvisação?
Rodrigo Amado – O jazz está presente mais como inspiração, como linguagem. As soluções melódicas e rítmicas muitas vezes têm que ver com coisas que nós já reconhecemos como sendo jazz. Agora, a improvisação está em tudo, é a alma da música e é a disciplina que nos possibilita fazer música em conjunto sem ter nada planeado. Chegar ao palco e fazer algo que tenha um sentido musical, um princípio, um meio e um fim, que tenha uma forma. São duas coisas que estão interligadas.
Quando se fala de jazz e sobretudo de música improvisada pensa-se imediatamente num género que é dirigido a um pequeno núcleo de ouvintes e apreciadores. Isso continua a acontecer ou está a mudar?
Rodrigo Amado – Por um lado está a mudar completamente e, por outro, isso nem sempre foi verdade. Ou seja, nós temos visto a facilidade com que pessoas que nunca contactaram com a música improvisada, e muitas vezes nem sequer com o jazz, sentem e compreendem a nossa música. É uma música muito intuitiva, muito baseada na comunicação e, por isso, segue os mesmos mecanismos que o rock ou a música étnica. É uma música muito imediata que tem mais a ver com as pessoas sentirem a emoção e a energia que estamos a transmitir em palco. E temos tido muitas surpresas a tocar para audiências totalmente inesperadas de pessoas que não estão de forma alguma preparadas para ouvir a nossa música, mas que de repente sentem-na de uma forma muito intuitiva.
É também isso que te leva a participar noutros projectos como por exemplo os Black Bombaim ou com o projecto Hurricane que também conta com o Gabriel Ferrandini do Motion Trio e a presença do DJ Ride?
Rodrigo Amado – Sim, são tudo abordagens à música muito baseadas na comunicação e na energia que é posta em palco, não só entre os músicos mas também com o público e isso é essencial. É completamente diferente de um concerto de música erudita ou de jazz clássico que tem mais códigos e onde existe menos espaço para o inesperado e para a surpresa.
Aqui há uma abertura maior?
Rodrigo Amado – Muito maior e um dos exemplos disso é de facto esse dos Black Bombaim. Os concertos deles são verdadeiras bombas de energia pura e de comunicação.
Vocês têm uma carreira forte lá fora e têm trabalhado sobretudo com editoras estrangeiras. Sentem que o Jazz ainda é pouco apoiado cá?
Rodrigo Amado – Nós temos sentido um apoio enorme sempre por parte dos media, do público, das pessoas com quem contactamos de uma forma geral. Agora, é um facto que em Portugal não existem apoios institucionais ou estatais nenhuns para os músicos que lhes permita por exemplo viajar para festivais estrangeiros e terem viagens pagas. São coisas que a nós nos parecem um luxo, mas que lá fora são uma realidade. E um dos obstáculos com os quais nos temos deparado na tentativa de internacionalização do projecto é que as nossas propostas estão a concorrer sempre com propostas de artistas que têm esses privilégios e, muitas vezes, parte dos cachets pagos. E é uma injustiça enorme e faz muita confusão pensar nisso no contexto europeu em que era suposto termos todos as mesmas oportunidades. Mas isso na música não é assim, de todo. E devia mudar porque estamos de facto todos os dias a perder oportunidades, em comparação com os nossos pares estrangeiros o que é muito mau para a nossa cultura.
Miguel Mira – É verdade que andamos todos aqui com falta de apoio, mas penso que as coisas possam evoluir. Acredito nisso também porque há mais público, há mais pessoas a tocar. É evidente que o contexto político, económico e social também é propicio à existência de poucos apoios. No nosso caso, tocamos numa área susceptível de ser considerada menor para as necessidades básicas que é a cultura. Nós não tocamos música popular, tocamos para um nicho relativamente limitado e é devagarinho que as coisas vão funcionando. De facto, existe uma dinâmica diferente dos apoios do exterior e não é por acaso que fazemos as edições no estrangeiro. As condições são diferentes.
Enquanto ouvintes e espectadores do festival, vão querer assistir a alguma coisa em especial?
Rodrigo Amado – Acho que a programação este ano é super forte. Eu tenho uma particular curiosidade pelo saxofonista finlandês Mikko Innanen. Mas há muitos concertos para escolher.
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