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FMM Sines 2024 (25.07.2024)

O cantor e compositor Momo foi quem pôs em marcha a segunda jornada do FMM em solo sineense, nunca esquecendo a primeira etapa realizada em Porto Covo, que foi sempre sendo relembrada nos ecrãs durante os intervalos das actuações. O brasileiro agora radicado em Londres, após uma temporada respeitável em que viveu por Lisboa, retornou a Portugal para destacar as suas criações mais recentes, que transparecem um maior experimentalismo, oferecendo imenso espaço para que os instrumentos tomem a dianteira. O facto de se ter rodeado de músicos vindo da escola do jazz não terá sido em vão, e os frutos desta colheita fazem antever um disco interessante, que estará em rotação no mês que vem, pelo menos a julgar por fragmentos como o viciante «Jão» ou «Pára».

A etapa nocturna desta quinta-feira abriu pela mão de iLe, que nos momentos inaugurais nos pareceu ser um corpo meio deslocado num evento de músicas do mundo, mas que mercê do cunho pessoal, familiar e local que coloca no seu trabalho foi logrando agarrar um público que ia alargando a cada minuto, após a pausa para jantar. A artista porto-riquenha, comunicando através da sempre curiosa mistura entre castelhano e inglês, produz música urbana, tratando-se duma pop alimentada de Rn’B e trejeitos latinos, enriquecidas por uma produção requintada. Pena que não se tenha apresentado com banda, mas foi uma visita valorosa ainda assim.

Em tempos que já lá vão, existiu na grelha da Antena 3 um programa denominado Música Avariada (apresentando por Henrique Amaro e o saudoso Zé Pedro), e essa precisa designação veio-nos à mente durante a prestação da surpreendente Orchestre Tout Puissant Marcel Duchamp. Surpreendente pelos onze elementos em palco, porque embora usem o nome de orquestra não encaixam no formato costumeiro do vocábulo. O título do seu álbum mais recente, de 2021, é outra boa definição daquilo que o colectivo vindo da Suíça faz: “We’re OK. But We’re lost anyway”. Isto é, movimentam-se sem leis entre géneros musicais, com uma imaginação estonteante, partindo invariavelmente duma filosofia experimental, que pode parar para apreciar cândidas melodias como galopar por entre explosões pulsantes, mantendo sempre a nossa curiosidade em bicos de pés.

Dentro das muralhas do castelo de Sines decorreria seguidamente uma celebração da liberdade e pela paz, ao som do hip-hop carburado pelos palestinos DAM. Aglomerando a veia sócio-política do rap e a lamentável situação actual da Palestina, o trio de MCs acompanhado por o sempre imprescindível DJ deu azo a uma experiência colectiva muito interessante, durante a qual uma gigantesca bandeira do seu país foi percorrendo todos os recantos do recinto, passada pelos braços erguidos do público. Os DAM são uns dos pioneiros a fazer rap em árabe, e aproveitaram a ocasião para nos dar algumas aulas linguísticas (tendo ainda citado José Saramago), para que entendêssemos as mensagens, e eventualmente acompanhássemos alguns refrões ao longo desta actuação poderosa e bem-disposta, apesar do contexto actual.

Gyedu-Blay Ambolley & His Sekondi Band foram os responsáveis por encerrar as portas do castelo na segunda jornada de concertos do FMM em Sines. Nome forte da música ganesa e do highlife, o músico septuagenário lidera uma banda repleta de trunfos, sendo o esquema ao vivo sempre bastante similar: arranca a batida, sucedem-se solos que rodam pelos músicos em palco, e mais tarde entra a parte vocal, sendo posteriormente o tema culminado por novo trecho instrumental. Porém, apesar desta fórmula meio decalcada, o concerto é fantástico, desde a parte rítmica irresistível, às melodias dos metais, até à admirável voz do próprio Gyedu-Blay.

O palco da zona da praia abria nesta madrugada com a autêntica lição, ou será mestrado, de história cabo-verdiana dada por Prétu. Esta nova figura criada pelo veterano Chullage para encabeçar este novo projecto vai desmontando e reconstruindo a história, quer musical, quer política da sua nação e, a bem dizer, em parte de todos os PALOP. Musicalmente fá-lo essencialmente pela mão da electrónica, quase sempre soturna e pesada, e essa é a banda-sonora das verdadeiras curtas-metragens que vão sendo projectadas em palco, folheando recortes de história. “A Revolucão Não Vai Ser Um Tweet”, mas pode ser representada por um beat, acrescentamos nós.

Depois desta série de concertos, não é fácil manter o corpo em posição vertical às 3h30, mas a oportunidade de ver e ouvir uma banda mítica como Ferro Gaita é um bálsamo para os músculos mais debelados. Não menosprezando o batuque e a tabanka, é claramente o funaná a estrela da festa, sempre absolutamente impossível manter o corpo humano sossegado quando exposto à energia e alegria destes sons. Uma verdadeira droga sónica, como atesta o expoente “É si prôpi”.

 

 

Encontrem aqui todas as reportagens do Festival Músicas do Mundo 2024.



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