Noites Ritual Rock 2006
25 e 26 de Agosto – Jardins do Palácio de Cristal, Porto.
Como vem sendo hábito desde há quinze anos, no último fim-de-semana de Agosto o Palácio de Cristal recebeu as Noites Ritual Rock. Ao longo da sua existência, a organização do evento nunca deixou de apostar numa oferta exclusivamente dedicada à música moderna portuguesa, procurando conjugar a apresentação de novos projectos com concertos de bandas nacionais já “consagradas”.
Contudo, e como se tornou bem patente na diferenciada afluência do público ao longo dos dois dias de festival, talvez esta distribuição não tenha sido tão bem conseguida na programação deste ano, tendo tido alguns projectos mais recentes e/ou ainda bastante desconhecidos dificuldades em “agarrar” a audiência presente no recinto. Por outro lado, este aspecto parece ter sido ainda responsável por uma menor afluência de público no primeiro dia do festival, sexta-feira, justamente o dia em que houve uma maior abundância de bandas mais jovens.
A abrir o palco principal estiveram os portuenses Sativa que, ao longo de quase uma hora, procuraram contagiar os presentes com as sonoridades roots reggae-dub. Apesar de serem ainda bastante desconhecidos fora do Porto, este é um projecto que tem vindo a destacar-se na cena reggae nacional (nomeadamente, através da primeira parte do concerto do veterano jamaicano Horace Andy, na Casa da Música). Com letras claramente marcadas pelas temáticas rastafari – houve até direito a um “bandeirinha”, que entusiasticamente dançava com uma bandeira com as cores da Etiópia e a estrela de David! –, o maior destaque vai para a boa coesão dos músicos em palco, faltando talvez uma maior presença do vocalista Dubi para que os Sativa tivessem mais do que uma apresentação competente.
Em seguida, foi tempo para um curto concerto de cerca de trinta minutos dos Cartell 70, na Concha Acústica dos Jardins do Palácio de Cristal – integrado na “Noite Divergências”. Bastante marcado pelas sonoridades electrónicas – do drum’n bass ao techno, passando por elementos rítmicos provindos do trance ou do breakbeat – este é um projecto interessante, que conjuga no formato ao vivo as programações pré-gravadas com teclados e efeitos introduzidos em tempo real. A acompanhar a “maquinaria”, dois vocalistas distintos e contrastantes: um num registo mais rap/ragga e o outro com vocalizações guturais, mais próximas do metal e do crust. Apesar de falhas na energia, o resultado final acabou por ser uma actuação enérgica que, muito embora revele ainda alguma inexperiência no formato live, deixou pistas interessantes de um projecto a seguir no futuro.
Em seguida, novamente no Palco 1, foi a vez do pop-rock dos Submarine, que apresentaram o seu novo registo, “The Next Album”. Esta banda de Vila Nova de Famalicão revelou bastante maturidade e à-vontade em palco, numa actuação musicalmente consistente e profissional – que, ainda assim, não foi suficiente para conseguir conquistar o público presente. Contudo, o vocalista Jorge Humberto não se deixou abater, tendo ao longo de todo o concerto procurado estabelecer comunicação com a audiência, contando pequenas histórias acerca de banda e da sua ligação às Noites Ritual Rock.
Numa actuação morna, seguiram-se os Houdini Blues de Évora, que acabam de lançar “F de Falso” pela Cobra Discos. Praticando uma sonoridade pop-rock-electro, com vocalizações ora em inglês, ora em português, esta é uma banda já com bastante experiência em palco (surgiram em 1996), que apostou numa actuação enérgica baseada sobretudo no seu reportório original. Antes do final do concerto, houve ainda tempo para uma cover interessante de «Charles Manson», dos amigos Mão Morta, que será brevemente incluída no CD-tributo à banda de Braga.
A encerrar a primeira noite, os veteranos do hip-hop portuense Mind Da Gap apresentaram o seu mais recente álbum “Edição Ilimitada”, bem como alguns dos seus inevitáveis temas mais antigos e carismáticos. Os MC’s Ace e Presto têm já uma vasta experiência em palco, o que lhes terá permitido construir uma actuação sólida que acabou por finalmente conquistar o público presente, que correspondeu, dando os sinais de maior entusiasmo da noite! Entre alguns dos temas do novo álbum apresentados pela primeira vez no Porto, é de salientar a presença enérgica de Ridículo (dos Mundo Complexo) para recriar a colaboração em estúdio do «Tango dos Defeitos», bem como a introdução de duas b-girls durante a apresentação dos singles «Não Stresses», «Bazamos ou Ficamos?» e «Tilhas? São Sapatilhas».
O segundo dia de festival, sábado, começou ainda na parte da tarde, com demonstrações de Trikkes – uma espécie de trotinete, em formato triangular, com 3 rodas –, junto ao Pavilhão Rosa Mota e de graffiti, junto à Concha Acústica – com os writers Noir e Third. Para além destas actividades, é ainda de sublinhar a projecção de fotografias a músicos nacionais, da autoria da conhecida fotógrafa Rita Carmo, com banda sonora original de Alexandre Mano, bem como a exposição dos quinze anos trabalho do desenhador Esgar Acelerado – entre a banda desenhada, a pintura, a ilustração e o design gráfico. Junto ao palco principal, houve ainda uma pequena “Feira Alternativa”, com algumas bancas consagradas tanto à venda de instrumentos musicais como de fanzines, discos ou de peças de artesanato, moda, etc.
Cerca das 21:30, iniciaram-se os concertos na Concha Acústica, integrados no “Represent! Noites Hip-Hop”, da responsabilidade da Ace Produktionz. Ao longo da noite passaram por este palco, em curtas actuações de trinta minutos, os MCs “veteranos” Ace – dos Mind Da Gap, responsável pela organização da noite – e Maze (Dealema), bem como novos valores da cidade invicta – o MC Porte, acompanhado pelos restantes membros do projecto portuense Gatos do Beko. No gira-discos esteve ao longo de toda a noite Dj Pasta – que apresentava ao vivo a sua mais recente mix-tape “Os Bastos” –, bem como o produtor Soma na manipulação ao vivo do sampler. Durante toda a noite, e a acompanhar as actuações ao vivo, estiveram os já referidos writers, havendo ainda espaço para a presença dos membros da crew de breakdance, Gaiolin Roots.
O maior destaque da noite vai para ao concerto de Maze, que consistiu numa apresentação de seis dos temas a incluir no seu primeiro álbum – a editar em breve pela Ace Produktionz. Tratou-se uma apresentação curta e intensa, em que ficou comprovado o talento deste rapper, com letras bem estruturadas, num registo maioritariamente intimista e reflexivo – mas que também deixou espaço para temáticas de celebração da festa, da dança e da cultura hip-hop. Em termos de beats, é de registar alguma versatilidade, com músicas mais down-tempo e outras mais bounce – incluindo um tema claramente inspirado nos ritmos dancehall. A actuação terminou em grande, com a apresentação do conhecido single «Brilhantes Diamantes», incluído na compilação de Dj Serial dos Mind Da Gap. Antes, houve ainda tempo para a apresentação de alguns temas dos jovens Gatos do Beko, presentes na mix-tape “Os Bastos”, marcados por uma estética mais hardcore e algo gangsta. Se a postura em palco foi enérgica, esta actuação acabou por ser prejudicada por alguns problemas de som que não permitiram ouvir convenientemente todos os MC’s.
No palco principal, a noite foi marcada pela actuação de bandas já bem conhecidas do público nortenho – o que, com certeza, proporcionou uma plateia bem mais composta durante estes concertos. Assim, pouco passava das dez da noite e subiam ao palco os Quinteto Tati. Tendo baseado a sua actuação no álbum “Exílio” (2004), a banda passeou-se com à-vontade entre as sonoridades jazz, rumba, tango e bossa-nova. Apesar do tom intimista de muitas destas canções, estas foram muito bem recebidas pela audiência – aumentando a entrega da banda de JP Simões a esta actuação. Antes de encerrar o concerto, houve ainda tempo para uma muito aplaudida versão de um tema de Scott Walker.
Apesar o elevado número de fãs da banda presentes, a impressão que nos ficou foi que o ambiente veio arrefecer um pouco com a actuação dos veteranos Pop Dell’ Arte. Embora a banda se encontre musicalmente em boa forma, a verdade é que este acabou por ser um concerto que, pareceu-nos, não resultou nas Noites Ritual Rock. Talvez em parte tal facto se tenha devido a uma certa postura distante e algo “desligada” do vocalista João Peste que não ajudou a criar a necessária ligação com a audiência, o que teria permitido um concerto mais intenso e emotivo – apropriado às sonoridades vanguardistas dos Pop Dell’ Arte. No entanto, foi possível registar boas reacções da parte do público (conhecedor), que não deixou de cantar em conjunto com a banda de Campo de Ourique alguns dos seus temas mais clássicos.
Finalmente, e a encerrar esta edição 2006 das Noite Ritual Rock, estiveram os Blasted Mechanism, que actuaram perante uma plateia de autênticos fãs, conhecedores e apreciadores da sua sonoridade. Ao longo de quase hora e meia de concerto, a banda de Karkov explorou sobretudo o seu último álbum, “Avatara”, regressando pontualmente a alguns dos seus temas mais antigos e emblemáticos («Karkow» e «The Atom Bride Theme», por exemplo). A grande empatia existente entre os Blasted e o público obrigou a que, após o final regulamentar da actuação, a banda regressa-se ao palco para um encore verdadeiramente demolidor, encerrando esta 15ª edição da Noites Ritual Rock da melhor forma!
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