NOS Primavera Sound 2014 | 6 de Junho

NOS Primavera Sound 2014 | 5 de Junho

O dia em que aconteceu Caetano

No táxi a caminho do recinto ouvia-se uma senhora na rádio a dizer que ali ao pé da sua casa, no Parque da Cidade, ia haver o Festival da Primavera e por essa altura o sol ainda brihava e sentia-se um calor agradável.

Às 18h em ponto, no palco NOS, Os da Cidade abrem o festival. António Zambujo, Miguel Araújo, João Salcedo (senhor de uma voz grave e imponente) e Ricardo Cruz são um grupo de amigos que se decidiu juntar para tocar umas canções em que as origens e percursos distintos de cada um, se reflectem claramente. Há boa disposição em palco e uma fixação estranha na ausência de pessoas na área vip. No entanto fica no ar a sensação que não estão no seu ambiente e, decidamente, perante o seu público.

Durante o primeiro dia de festival apenas funcionam os palcos NOS e Super Bock. Como os palcos se encontram um ao lado do outro, nunca funcionam em simultâneo, o que até acaba por se revelar como algo de bom porque permite sempre maximizar o número de pessoas que assiste a cada concerto.

Rodrigo Amarante é o senhor que se segue e faz-nos logo sentir um arrepio na espinha. A culpa é de «Nada em Vão»: “Nada em vão / No espaço entre eu e você / No silêncio um grito / O sim e o não”. Os acordes que a guitarra ou os teclados debitam têm tanto de simples como de belo. “Cavalo” é o centro das atenções. Uma doce melancolia de final de tarde. Canções simples, com arranjos simples mas emoções complexas e profundas. São as melhores, essas!

Também se canta em Francês («Mon Nom») e em Inglês («Hourglass»), que traz à memória os Strokes (nada por acaso, como é óbvio!). Temos os ritmos brasileiros em «Maná» e há também a candura e sinceridade de «Irene», “Saudade, eu te matei de fome”. Palavras simples mas que na verdade poucos tinham juntado. No olhar de Rodrigo Amarante, sob a farta barba que lhe cobre a cara, há uma imensa felicidade e alegria. É recíproco.

Os Spoon já andam nesta vida há bastante tempo. São uns verdadeiros veteranos. São extremamente consistentes. Britt Daniel é um frontman carismático q.b. e, no entanto, são sempre aquela banda que toca ao final da tarde (já foi assim da última vez que os vi no SBSR, já no Meco). Felizmente isso não lhes retira garra nem empenho. É rock sem espinhas: bateria, guitarras, baixos e teclados. Óptimo para procurar aquecer um ambiente que se vai tornando cada vez mais fresco muito por culpa das nuvens que teimam em querer esconder um sol que estava a saber maravilhosamente bem. Escuta-se «The Way We Get By» e «Jonathon Fisk» do já velhinho “Kill the Moonlight” de 2002 e «I Summon You» do “Gimmie Fiction”. É uma viagem pelo já vasto catálogo da banda, executada com muita competência mas sem nunca conseguir quebrar uma barreira invisível que parece existir entre a banda e o público. A fechar a actuação surge «Black Like Me» de “Ga Ga Ga Ga Ga” e o agradecimento “You really know how to put up a festival”. É verdade.

O final de Spoon é o momento ideal para comer qualquer coisa. Tenta-se ser rápido para apanhar o início de Sky Ferreira no palco Super Bock mas não se consegue deixar escapar as primeiras três (ou quatro?) canções. Devo confessar que me sentia um pouco apreensivo quanto ao concerto. O hype em torno de Sky Ferreira é muito e quiçá um pouco exagerado. Em álbum até parece funcionar muito bem. As canções são descaradamente pop, com refrões orelhudos como manda a regra. Já em palco a realidade podia ser outra. Eis então que somos agradavelmente surpreendidos. A voz soa bem, limpa. A banda que a acompanha é muitíssimo eficiente – apenas está lá para tocar porque o protagonismo fica todo para a Sky Ferreira (o ar aparentemente desligado e os óculos escuros são tudo menos por acaso). Há também uma surpreendente e numerosa legião de fãs à frente do palco. «I Blame Myself», «Heavy Metal Heart» ou «Everything is Embarassing» foram motivos mais do que suficientes para justificar uma estreia muito bem sucedida no Porto.

A faixa etária para ver e ouvir Caetano Veloso subiu consideravelmente, o que não é de admirar. O concerto teve um início pouco habitual, com a leitura da ficha técnica na íntegra. Depois, minhas senhoras e meus senhores, aconteceu Caetano. Impressionante é uma boa palavra para descrever o que se passou no palco NOS mas se calhar até fica muito curta para dar a perceber claramente a dimensão e força do acontecimento. Rodeado por uma banda sublime (vénia para o guitarrista Pedro Sá!) jogou-se logo a «Bossa Nova é Foda». Em palco, Caetano Veloso tinha um ar sereno e calmo, com um casaco branco, com as mangas arregaçadas e um sorriso discreto. As canções foram surgindo uma após outra, com uma roupagem mais rockeira, como que para se adaptar ao contexto e eis então que começa a ficar clara a manobra; primeiro conquistar o público e depois sim, servir o prato principal. Não podia ter resultado melhor. «Um Abraçaço» vê o refrão cantado em uníssono, enquanto a banda se coloca em fila indiana, de frente para o público e a ondular os braços; “Ei! Hoje eu mando um abraçaço!”. «Parabéns» é dedicada a todos os aniversariantes presentes no recinto. Seguem-se «Homem» e «Triste Bahia». É magnífico quando vemos alguém que, depois destes anos todos, que não tem nada mais a provar, tentar – e conseguir – surpreender! «Leãozinho» marca a viragem definitiva no concerto. O momento em que os ritmos brasileiros ganham força e se sobrepõem ao rock que até ali marcou forte presença. «A Voz Morto» põe a dançar quem ainda não estava. O encore traz-nos «Desde que o Samba é Samba» e «Nine Out of Ten» onde Caetano canta “Walk down portobello road to the sound of reggae” e «A Luz de Tieta» que proporcionou um dos momentos altos do concerto, e talvez do festival, com uma imensa nação indie a cantar “Eta / Eta, Eta, Eta / É a lua, é o sol é a luz de Tieta / Eta, Eta”. Caetano foi enorme.

As manas Haim foram muita parra e pouca uva. Há canções pop interessantes mas depois pelo meio parece surgir uma necessidade exagerada de querer demonstrar que sabem improvisar e rockar, o que leva a que o concerto perca um pouco a direcção. Também não ajudou muito alguém como Caetano Veloso ter actuado antes e ter deixado a fasquia muito elevada.

É-me extremamente complicado escrever sobre hip hop. Em primeiro lugar porque não é um género que me agrade particularmente e em segundo lugar porque também não possuo muitas bases de comparação (ou nenhumas mesmo…). De qualquer maneira aí vai… Kendrick Lamar pode ter apenas 26 anos mas porta-se como um veterano em palco. É um MC experiente e com um enorme talento quer a debitar as rimas quer a controlar o (muito) público que estava lá para o ver. Uma clara mais-valia foi a inclusão de um banda com baixo, guitarra e bateria. O som ganha. Torna-se mais orgânico. Os samples são os suficientes. Parece mais old school, soa melhor. No final não é só ele que parece surpreendido. Eu fiquei e muitos mais também. “I love you and I will be back”, foi assim, desta forma peremptória que se despediu. Mais uma estreia, curta, mas em grande.

Depois começou a chover. Sexta há mais música… e chuva…



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